Revista Rua


A enunciação da cidade: práticas discursivas sobre a São Paulo do início do século XX
The city enunciation: discourse practices about São Paulo at the beginning of XX century

André Luiz Joanilho, Mariângela Peccioli Galli Joanilho

NEEDELL: 1993), em São Paulo ela teve que se formar, pois, mesmo a fortuna cafeeira representava apenas a ascensão de novos ricos para as famílias tradicionais do Império. A educação, as viagens proporcionaram para os fazendeiros a oportunidade de  “civilizarem”, somando-se a estes outros recém-chegados.
Com a expansão física da cidade, foi possível estabelecer instituições novas: Instituto Pasteur, Instituto Vacinogênico, Instituto Bacteriológico, Faculdade de Medicina e Cirurgia, Escola Normal, para citar algumas. Essas instituições promoveram o ideário cientificista e passaram a atuar no sentido de estabelecer práticas ligadas aos ideais higiênicos da época, como também estimularam as discussões sobre o brasileiro, sobre os indivíduos e instilaram idéias nacionalistas através de intensa propaganda, como vimos. Também permitiram um campo de atuação para a elite educada na cidade, fechando, de certa maneira, o circuito fazendeiros/educação/atividades urbanas.
O ideário cientificista e a educação formal passaram a fazer parte das marcas de distinção de classe do lado da elite, e que agora, pelo menos parte dela, encontrou nas instituições urbanas um campo de atuação na suas atividades para além da política. Assim, ela pode se arrogar o direito de intervir junto à população que deve ser formada dentro desses ideais. Anuncia-se, primeiro, a superação da distância entre o fato e o direito através do branqueamento racial preconizado pela elite no período. Em seguida, anuncia-se a possibilidade dessa superação ao se formar o indivíduo nas instituições do Estado (escolas, quartéis, penitenciárias etc.), alcançando, ou melhor, com a pretensão de se alcançar a igualdade jurídica e política.
O trabalho, a moral, a higiene, as habitações, o nacionalismo, a educação, passam a ser temas dessa elite cientificista. Logo, a cidade passa a ser o campo privilegiado para aplicação desses ideais e temas. A cidade criada quase como um processo metabólico, se consome nesses ideais. Caótica pela especulação, deve ser profundamente transformada pelos ideais de pureza, de higiene, sendo o local propício para a ação individual, marcada por uma concepção muito clara: os indivíduos devem ser construídos como a própria cidade. Nesse sentido, a cidade é vista como um ser biológico em dois aspectos: no seu consumo pela própria transformação e nos ideais higienistas.