Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

ultrapassar as condições concretas e materiais por intermédio das quais o ser social se dá a ver, para aderir progressivamente às suas outras camadas profundas, até atingir as forças criativas dos fios delicados e invisíveis de sua urdidura. Para o que estamos tratando neste artigo, o que queremos ressaltar é que Georg Simmel reconhece a importância estrutural da “unidade coletiva numa forma – através da participação das imagens, complementaríamos. Vemos aqui as preocupações singulares do autor a respeito do valor sociológico do lugar da figura e da recíproca do olhar no “jogar o social” (ou das figurações do social, diríamos nós).
Assim que, para nós, a grande metrópole contemporânea, em sua fuga do tempo, se dá a ler não como uma escrita realista e cronológica, mas através de narrativas biográficas, trajetórias sociais, práticas e saberes, itinerários urbanos, projetos de vida que mais lembram partituras em sucessões rítmicas. Um fenômeno que desencadeia no etnógrafo atento a idéia de que toda a vida urbana carrega um decurso temporal no bojo das descontinuidades que ela apresenta, em termos espaciais. As cidades moderno-contemporâneas podem ser enfocadas como fenômeno singular, isto é, espaço onde o tempo revela-se como hesitação. É, neste ponto, que podemos reivindicar para o estudo da etnografia da duração o que Gastón Bachelard sugere como estudo de “ritmanálise”. Para se interpretar a vida vivida pelos habitantes de um grande centro urbano-industrial torna-se relevante se compreender as lacunas do tempo como condição de seu ato de consolidação em duração (Bachelard, 1988).
Outro exemplo de experiência etnográfica reforça alguns dos pontos mencionados acima. Retornamos a uma inserção de campo vivida em 2002, quando visitamos um casal de idosos, ambos pertencentes às camadas médias urbanas, nascidos em Porto Alegre e atualmente moradores do bairro Santana. O contato para a entrevista decorreu em razão de serem vizinhos de uma das autoras, já tendo com ela laços estreitos de vizinhança. A aproximação para entrevistá-los surge de um projeto sobre medo e vulnerabilidade vivido por idosos em Porto Alegre. Sendo consultados a respeito do tema, eles aceitam sem delongas colaborar. As entrevistas e conversas ocorrem sem formalidades e sem pressa, graças a sua disponibilidade de aposentados.