Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

Na narrativa do casal, o tempo presente contempla o desafio de atribuírem uma ordenação para os tempos passados diante dessas transformações urbanas. Aos poucos o casal remonta suas trajetórias familiares a partir do seu deslocamento por diferentes bairros quando solteiros, até o momento solene do investimento de compra de uma casa, como parte integrante de um projeto de vida familiar, a partir do casamento e do nascimento dos filhos. Nesse processo, experiências de vida diversas na cidade são restauradas: trajetórias familiares, trajetórias educacionais, percursos na vida profissional, escolhas de formas de lazer, engajamentos em ações comunitárias, sempre acomodados nos deslocamentos e as lembranças das paisagens urbanas da cidade de Porto Alegre da infância à vida adulta, passando pela época de juventude quando se conheceram e começaram a namorar. Operando no plano dos jogos da memória de suas experiências de viver em Porto Alegre, somos levadas, assim, a compartilhar com Seu Castro e com Dona Emma, por meio das figurações que povoam suas narrativas biográficas, as suas experiências vividas nos bairros dessa cidade: as sociabilidades das ruas, das escolas, dos trajetos de bonde e de ônibus, dos footings na Rua da Praia até a preferência pelos deslocamentos que conduzia nosso casal até a confeitaria Rocco ou a livraria do Globo, na área central, para um consumo da elite portoalegrense.
Em especial, as lembranças do Seu Castro sobre o trabalho o animam a recuperar mapas da época de sua atividade como funcionário público na secretaria de obras da Prefeitura. Quando o mapa não é suficiente para traçar sua trajetória de atividades de trabalho, nosso narrador desenha espaços e ruas para narrar suas atividades profissionais, descrevendo as modificações no desempenho de sua profissão como parte da transformação urbana de Porto Alegre. Por seu turno, Dona Emma prefere a oralidade, nos fala dos bairros em que morou, do nome das ruas, das diferentes casas e da paixão pela Escola Medianeira, “queria ser freira”. A mudança de vocação provém de outra paixão: a do namoro precoce, mas definitivo. Eles se conheceram por freqüentarem a mesma linha de ônibus: “Ele embarcava no ônibus aqui na Santa Cecília, e eu vinha com esse ônibus da escola. Esse mesmo da Teixeira de Freitas. O fim da linha, era aqui na Santana. Aí ele olhava pra mim, eu olhava pra ele... foi de olho”. Ela tinha 14 anos, ele 16. O casamento não tardou a acontecer.