Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

geracionais, histórias de poder e políticas disjuntivas que desvendam as descontinuidades do viver cotidiano por situações de nossa cultura em suas vulnerabilidades, medos, frustrações, desigualdades e conflitos. Essas polifonias e polimorfias que desvendam as descontinuidades da lógica citadina são determinadas por ideologias que tendem a universalizar os problemas e as tensões que dão forma ao estilo de vida na cidade moderna.
Vemos, assim, se entrecruzar as narrativas de uma empregada doméstica com as de um feirante, e estas com as de um torcedor de futebol de várzea, de uma habitué da feira do livro, de um pai de santo e, talvez, por que não, dum catador de lixo, dos moradores do Asilo Padre Cacique etc. Os personagens são diversos, agentes da ação cotidiana. Interpretando suas narrativas, o antropólogo pode então configurar o cenário de suas vidas em uma multiplicidade de intrigas que ritmam a cidade. Falas e gestos que desenham os sistemas de representações simbólicas associados à cidade na contemporaneidade. 
Nesse ponto, os jogos da memória nos conduzem aos estudos de narrativa no contexto metropolitano, e nos convidam, por sua vez, a reconhecer a relevância de se explicitar toda uma adesão intelectual singular no campo dos estudos da memória para a pesquisa na área da Antropologia das sociedades complexas. Uma adesão a um campo epistemológico da Antropologia do imaginário na tentativa de percorrer a polêmica que reúne numa harmonia conflitual, o registro individual, o social e o coletivo na consolidação temporal de uma duração. Um desafio que só pode ser dimensionado desde a tripla atribuição do espaço fantástico da memória como a força interpretativa das pluralidades temporais numa grande metrópole contemporânea. Seguindo a obra de Paul Ricoeur (1997) e de Gilbert Durand (1984) podemos, portanto, argumentar que, em cada narrativa contada para nossos ouvidos e restauradas para os nossos olhos, a força da linguagem com que tudo nos é relatado, neste eterno desvendamento do “eu”, sendo já a ação sobre o mundo, no plano do transcurso de uma vida vivida, estrutura todo o pensamento dos nossos narradores, ligando-os a uma gramática simbólica, a do vir-a-ser. Antes de ser tempo passado que está em jogo, o que se coloca é a projeção do devir, no presente da narração, que nos faz perscrutar o tempo passado.
Quanto ao tratamento interpretativo que damos ao trabalho da memória, por meio da qual podemos dimensionar numa totalidade de sentido a pluralidade de situações