Revista Rua


Guerra Fria, Sangue Frio: As Conexões entre o Cinema de Terror e a Paz Armada
Cold War, Cold Blood: The Connections between Horror Movies and the Armed Peace

Marcelo Eduardo Marchi

características de sua época, ou a forma de exprimir suas idéias, mas o próprio ideário por eles expresso era algo completamente inédito, incompreensível, para imensa parte dos seus pais e avós. A reação não foi surpreendente, se lembrarmos dos anos 1950 e de todo o alvoroço e polêmica provocados pelos garotos e garotas dançando rock ‘n roll como os negros, vestindo jaquetas de couro e usando topetes, disputando rachas e buscando algo além do preestabelecido pela família e pela sociedade: a tão alardeada “delinqüência juvenil” tornou-se caso de segurança pública. Em se tratando dos anos 1960 e de uma América com os nervos expostos, a resposta, em muitos casos, surgiu imbuída do mesmo espírito belicista que caracterizou o governo estadunidense de então: a polícia interveio agressivamente em protestos estudantis nas universidades de Columbia, em Nova York, e da Califórnia. Ao redor do mundo, a reação foi, algumas vezes, ainda mais violenta do que nos EUA, resultando na morte de dezenas de estudantes, ou em verdadeiras batalhas campais, como em Paris, no famigerado maio de 1968. É, inclusive, interessante notar que Crash Course, o longa-metragem cujas filmagens ocorrem nos arredores da casa dos MacNeil, e no qual Chris atua, é justamente a respeito de protestos estudantis contra a intervenção do Departamento de Defesa americano em um campus universitário. 
Metaforicamente, O Exorcista conta a história desses milhões de jovens, adequados ao sistema familiar-comportamental-religioso vigente, que, nos anos 1960, transformaram-se em algo completamente distinto, estranho aos pais, e, devido ao despreparo destes, também terrivelmente assustador.
O revisionismo ideológico dessa época parece reverberar mesmo no dilema de fé do padre Karras, que questiona seu lugar na sociedade e seu sistema de crenças. Tanto que, durante o exorcismo, quando, mais do que nunca, ele precisa se agarrar a esse sistema, a força estranha que possuiu Regan tenta abalar seus alicerces definitivamente. Para essa força, como diz King, “dionisíaca”, avessa ao conjunto de regras vigente, atrair alguém como o padre, um indivíduo ainda tão arraigado a tal conjunto, representa uma vitória sem precedentes. No clímax do filme, Karras é voluntariamente possuído, e termina por se matar, expulsando a força dionisíaca e consolidando o dogma, que é um dos pilares da religião católica, do sofrimento e do sacrifício como expiação dos pecados e ascensão a um estágio superior. No final, o sistema vigente predomina, e vence. Fecha-se o ciclo, um ciclo que é descrito por King da seguinte maneira: