Revista Rua


Guerra Fria, Sangue Frio: As Conexões entre o Cinema de Terror e a Paz Armada
Cold War, Cold Blood: The Connections between Horror Movies and the Armed Peace

Marcelo Eduardo Marchi

década de 1980, apresenta-se como um agourento zeitgeist[2]: “cuidado com quem você leva para casa”.
Pois vejamos: o alienígena é conduzido à nave através de um ato negligente (o de não respeitar a quarentena), e como parte de um plano militar que não leva em consideração a integridade física, e mesmo a sobrevivência, dos envolvidos. Uma vez entre os terráqueos, a criatura exibe seu potencial assassino, sua superioridade enquanto espécime predatório, e trucida toda a tripulação, com exceção de Ripley. Este arco do enredo suscita um interessante paralelo com o comportamento sexual dos anos 1970, quando a experiência do sexo livre desenvolvida na década anterior já havia se despido de sua conotação política e se convertido em uma cultura altamente hedonista (não à toa os anos 1970 ficaram conhecidos como a década do “eu”). Contudo, em mais um dos seus refluxos, a História acabou por opor o conservadorismo que caracterizou os anos 1980 (a era da AIDS) ao hedonismo da década de 1970. Mais do que nunca, era perigoso levar um desconhecido para casa, relacionar-se com um estranho, ainda que este fosse extremamente interessante (e, não raro, o interesse era despertado justamente pelo senso do desconhecido).
É interessante notar que a criatura do filme atravessa um ciclo de gestação (no caso, de incubação), nascimento e maturidade, no entanto, com fases mais breves do que as do ciclo humano. Em poucas horas, ela passa do estágio larval para a primeira infância, e, logo depois, para a fase adulta, quando está pronta para competir por espaço com os humanos. Como na corrida armamentista característica da Guerra Fria, aquele que evolui mais rápido enquanto máquina de matar tem mais chances de sobreviver.
Em meio à bipolaridade desse conflito entre EUA e URSS, podemos perceber uma tendência do enredo de Alien em abraçar uma ideologia que, se não chega a ser de esquerda, tampouco corrobora a utopia capitalista, como tantos outros filmes americanos haviam feito. O que se vê não é um mundo futurista bem ordenado, “asséptico”, como em 2001 – Uma Odisséia no Espaço, mas uma transposição dos problemas e conflitos de classe, hierárquicos e trabalhistas tão presentes após a Revolução Industrial.
Os conflitos trabalhistas ficam bem ilustrados principalmente por meio dos personagens Parker (Yaphet Kotto) e Brett (Harry Dean Stanton), respectivamente, engenheiro-chefe e técnico de engenharia da nave, que discutem todo o tempo sobre bônus


[2]Zeitgeist: termo alemão que significa “espírito da época”.