Revista Rua


A máquina corretiva, ou como restituir aos moradores de rua à estrutura: dois modelos de transformação
The corrective machine, or how to restore the homeless people to the structure: two models of transformation

Carlos José Suárez G.

o morador de rua e a “Calle del Cartucho” terminava por estabelecer uma relação metonímica entre eles.
 
Existia, destarte, uma relação entre o excesso do uso da violência e a “Calle del Cartucho”. Tal uso tinha, como mostrei na pesquisa mencionada (GÓNGORA; SUÁREZ, 2008), dois aspectos fundamentais, um interno e outro externo. Deter-me-ei primeiro no uso interno, de modo a entender o funcionamento social deste local, que, como vimos, foi o “recipiente” da communitas, ou da anti-estrutura em Bogotá. A violência, e mais exatamente a morte (ou na sua outra forma, o degredo), foi a maneira pela qual se regulavam as relações sociais dentro da “Calle del Cartucho”. Exercia-se um excessivo controle, mediante a lei do silêncio, caso alguém assistisse a um ato criminal, claramente oposto ao dever da testemunha presente dentro da denominada estrutura. Porém, as entidades de controle, particularmente a polícia, não eram alheias a este fenômeno: era mediante a violência que, além da estruturação das hierarquias sociais, se legitimavam os agentes estaduais.
Qual era essa nova hierarquia presente dentro da anti-estrutura? Aquela determinada pela criminalidade e as ações ilegais, ou seja, no topo visível aparecia o traficante, seguido do vendedor de entorpecentes, junto com o freguês de classe média e alta, logo depois os ladrões e as prostitutas do local e na base, a “lama social”: os moradores da rua[24]. O controle pelo tráfico de drogas atravessava toda esta hierarquia, e demonstrava que a anti-estrutura, longe de ser um momentum de alegre comunidade de cooperação mútua (como descreve Vogel) estabelece uma ordem que foge da lógica de “nós, os normais”, como gosta de chamar Goffman. Esta afirmação é confirmada por Llorente e colaboradores no seu artigo “Violencia homicida y estructuras criminales en Bogotá” (2001), que conclui que os homicídios cometidos nesta área da cidade, a “Calle del Cartucho”, manifestavam-se principalmente na forma de brigas espontâneas e mortes nas mãos de assassinos pagos, mas que no fundo eram ajustes de contas (por exemplo, a perda de uma bomba, ou o não pagagamento de uma dívida[25]). Obviamente os agentes de controle não se furtam de entrar nesta pirâmide de poder, atuando como


[24] Obviamente, como nos encontramos perante a anti-estrutura, estes personagens têm uma denominação especial. Turner mostra que dentro da anti-estrutura as formas de se referir às coisas mudam, criando-se uma nova linguagem. Neste caso, podemos citar assim: o traficante é o “duro”, o vendedor de entorpecentes é o “jíbaro”, o freguês com dinheiro é o “bacán”, os ladrões são as “ratas” e finalmente os moradores de rua são os “desechables”. Os agentes de controle, ou policiais, são chamados de “tombos”. 
[25] Na gíria da rua chama-se de bomba a um pacote com 100 doses de crack. Aquele que, por exemplo, perder uma bomba, fica em dívida com o dono; esta é chamada na gíria liebre (lebre), o que é o pior que pode acontecer a qualquer pessoa dentro deste local. Aquele que tem uma liebre vai ser caçado e perseguido até que pague ou até que morra.