Revista Rua


A máquina corretiva, ou como restituir aos moradores de rua à estrutura: dois modelos de transformação
The corrective machine, or how to restore the homeless people to the structure: two models of transformation

Carlos José Suárez G.

Outros utilizavam facões untados de fezes para assegurar a morte da vítima. Graças a estas intervenções, se marcavam espaços dentro da “Calle del Cartucho”, se delimitavam territórios mas também o perpetrador da morte, para que, dentro de uma lógica do espetacular, todos soubessem quem foi atingido pela ofensa ou a traição, ganhando assim respeito e poder, enfim, deixando claro com que grupo o morto rompeu o trato.
Como vemos, a anti-estrutura contrapõe-se à estrutura, sem deixar de ter uma lógica interna. Aliás, a estrutura define-se para Turner “como sendo, principalmente, uma descrição de padrões de ação que se repetem, ou seja, de uma uniformidade observável de ação ou operação, de algo ‘lá fora’, passível de ser observado empiricamente e, espera-se, mensurado” (TUNER, 2008b, p.219), ou seja, que, para Turner, a definição de estrutura é a dos arranjos padronizados e conscientemente reconhecidos em uma determinada sociedade. Tais arranjos padronizados dão-se na forma de conjuntos de papéis (social status), conjuntos de posições (status set) e seqüências de posições (status sequence). No entanto, neste ensaio discordo da definição extremadamente positiva de communitas de Turner, aquela que “surge, muitas vezes, culturalmente, sob o disfarce de um estado de coisas edênico, paradisíaco, utópico ou milenarista, para cuja conclusão a ação religiosa ou política, pessoal ou coletiva, deveria ser direcionada” (2008b, p.221). O caso que estou apresentando soa aparentemente como contra-exemplo da communitas entendida nesta direção, aquela do tempo das maravilhas, do aprendizado entre deuses, ancestrais e seres ctônicos; aquela do momento da tomada de consciência do homem, do despertar de seu lugar no mundo. Fica, portanto, sem esclarecer ainda as razões que empolgam o medo, já não aos acontecimentos que se dão no local restrito da anti-estrutura em Bogotá, mas de seus representantes mais visíveis e apavorantes: os moradores da rua.
 
A MÁQUINA CORRETIVA EM AÇÃO
 
Primeiro Modelo
O primeiro passo para incluir os moradores da rua dentro da sociedade é mediante o procedimento de, como chamaria Goffman, “trabalho de fachada”. Neste caso, os indivíduos são elementos passivos de transformação. Nosso exemplo mais claro é fornecido pelo jornal El Tiempo, que descreve perfeitamente as ações massivas do Estado sobre os corpos, em termos de higienização, troca de vestuário e presente de “quentinhas decentes”: