Revista Rua


A máquina corretiva, ou como restituir aos moradores de rua à estrutura: dois modelos de transformação
The corrective machine, or how to restore the homeless people to the structure: two models of transformation

Carlos José Suárez G.

de símbolos, e é uma forma sempre relacionada à desordem e ao caos que necessitam estar perfeitamente confinados e restritos.
A communitas apresenta grande quantidade de analogias disso que definimos como sujeira. Turner mostra que um dos exemplos mais impressionantes dessa analogia da communitas se apresenta na forma da indigência, de homens santos que decidem usar vestimentas baratas (ou não usar nada em absoluto), deixam unhas e cabelos crescerem e não tomam banho, acercando-se assim ao meramente humano, despojando-se dos farrapos impostos pela estrutura da sociedade. A liminaridade da communitas também pode ser assimilada a um momento da vida social no qual se confrontam as atividades sem estrutura e suas conseqüências possibilitam nos homens seu mais alto grau de autoconsciência: é “o incomum, o paradoxal, o ilógico e até o mesmo, o perverso que estimulam o pensamento e geram questões” (2008b, p.238). Caberia refletir, portanto, brevemente na iconografia especial da imundície, uma vez que vemos que nela existe um elemento sagrado e arcaico que parece ter sido esquecido em nossa sociedade contemporânea, na sua busca pela higienização.
A morte de cada morador de rua significa, ainda, a destruição de um signo muito particular que eles encarnam; a sevícia sobre o cadáver é o intento desesperado do homem moderno por negar uma parte de si. Que parte de si é negada? Sabemos que Milan Kundera já havia falado disto, das estéticas totalitárias que negam a existência da merda, que atua como se ela não existisse (1987). Mas o que representa a merda além do caos que nos inspira tanto medo? Poderíamos falar de signos arquetípicos encarnados na forma do morador de rua, signos que tem perdido seu valor sagrado? Uma das divindades mais misteriosas da cosmogonia mexica é a deusa Tlazolteotl, chamada a deusa da imundície, a comedora de lixo, a que indultava pecados, mas que também se encontra relacionada com a terra e a fertilidade.
Vários autores assinalam seu caráter ambíguo e contraditório, mas esta aparência pode ser desvendada interpretando, à luz do nosso conhecimento adquirido, sua lógica interna (CABADA, 1992; GIASSON, 2001; BARRIGA, 2009). Tlazolteotl é a deusa do esterco e do prazer sexual, assim podemos ver uma relação poderosa entre ela e estes seres que temos descrito como fora da estrutura: a deusa, como os moradores de rua, é instintiva, pré-lógica e arcaica. Como se vê, a deusa compartilha com os homens que descrevemos vários atributos: ambos ficam dentro da communitas. Ademais da luxúria, ela representa a fiandeira da vida (como as rústicas moiras); também as energias frias do mundo ctónico. Curiosamente alguns pesquisadores têm visto sua representação com uma vassoura e a cara pintada com sujeira; porém Patrice Giasson (2001) vê nestas