Revista Rua


Cidades de vidro: das galerias de vidro parisienses às galerias das câmeras de vigilância
Glass cities: from the parisian glass galleries to the surveillance cameras galleries

Eliana Monteiro

Muniz Sodré (1984, p.9) conta que um jovem engraxate da favela da Rocinha, ao ser indagado por uma pesquisadora sobre o que gostaria de ver na tela da televisão, responde: “eu”. No texto, Sodré faz uma reflexão sobre a natureza da televisão e interpreta a resposta do entrevistado como uma manifestação do desejo de um espectador insatisfeito com a oferta da grade de programação do veículo para, em seguida, dizer que o jovem desejaria ver a si mesmo na tela da televisão, ver a sua própria imagem “refletida nesse moderno espelho eletrônico e por ele multiplicada com tal intensidade que alguma modificação viesse a ocorrer no seu estatuto social de engraxate da Rocinha ou que algo pudesse compensar uma provável auto-imagem negativa”(Ibidem).
No caso de Nascimento, o ato exibicionista parece fazer parte, num primeiro momento, da reação natural de alguns indivíduos ao se verem diante de uma lente de câmera: se comunicar com ela. Assim, Nascimento fez o que é comum em muitos casos fazer, se exibir para a lente, o que, na situação em que ele se encontrava, assaltando uma drogaria, não deixa de surpreender. Desse modo, o assaltante, mesmo correndo o risco de ter sua identidade revelada, busca uma proximidade com a câmera, ação que tripudia, e ele sabe disso, com os indivíduos que estariam vigiando, através da imagem, o estabelecimento comercial.  Dessa maneira, Nascimento parece se importar menos em manter o anonimato do que em produzir um pequeno espetáculo exibicionista para os olhos do poder que o observa. A ação do assaltante que não resiste em se exibir para a câmera (tal qual o jovem engraxate que desejaria ver a si mesmo enquanto indivíduo concreto na tela da televisão) demonstra as raízes profundas da fascinação que a lente exerce sobre o homem contemporâneo.
A história da relação da lente da máquina fotográfica com os criminosos nos fala exatamente de ações contrárias às do Nascimento. Os malfeitores e foragidos da época que posavam para a polícia para esses retratos
 
distorciam suas expressões faciais na esperança de impedir a identificação das fotografias. (...). Era preciso apenas contorcer brevemente a face para criar uma fotografia grotesca. (...). Diversas fotografias incluídas no “museu do criminoso” de Gustave Mac (uma coleção de retratos publicada em 1890) mostram criminosos fazendo caretas bizarras.(GUNNING, 2004, p.44)
 
Hoje muitos dos criminosos, mesmo sabendo da existência das câmeras de vigilância na maioria dos estabelecimentos comerciais, não se privam de praticar os assaltos. Durante a ação procuram somente ocultar suas identidades. As caretas bizarras