Revista Rua


Cidades de vidro: das galerias de vidro parisienses às galerias das câmeras de vigilância
Glass cities: from the parisian glass galleries to the surveillance cameras galleries

Eliana Monteiro

Ela conta que um homem terrivelmente feio, ao atravessar o deserto a pé, vê algo que brilhava na areia. Era um pedaço de espelho. O homem se ajoelhou, pegou o espelho e olhou. Nunca antes tinha visto um espelho:- Que horror! – exclamou. Não espanta que o tenham jogado fora! Largou o espelho e continuou seu caminho.
Façam-se algumas leituras sugeridas pela fábula, tentando compreender o horror expresso pelo personagem ao defrontar-se com o espelho. Este provém do fato dele ver sua imagem e não a reconhecer. Ele não se reconhece, o espelho para ele não reflete, mas mostra algo do mundo.
De início, é preciso dizer que o espelho é um vidro que tem em seu interior o nitrato de prata, material capaz de produzir reflexos, no caso da fábula, o reflexo do homem que o encontrou. O vidro, ao contrário, age exatamente pela ausência do nitrato, logo não é um material reflexivo, isto é, uma pessoa, ao se colocar diante de um vidro, terá transparências e não reflexos, logo, não se vê, mas é capaz de ver o outro.
Benjamin, ao falar das paredes de espelhos, que revestem os cafés parisienses, lembra que elas revelam aos que passam nas ruas, as mercadorias que se encontram dispostas à direita e à esquerda nas prateleiras afixadas no interior destes estabelecimentos: “o revestimento de espelhos das paredes conduz a imagem do mundo interior para o exterior”, o vidro ao contrário, diz ele: “conduz a imagem do exterior para dentro do mundo interior.” (BENJAMIN, 2006, p. 579-583) 
Ao que parece, na atual fase da modernidade, os espelhos foram retirados das paredes, em seu lugar foram colocadas as lentes de vidro das câmeras de vigilância voltadas não mais para refletir, como convém aos espelhos, mas sim para dar transparência, através de suas lentes de vidro, às ações imprevisíveis que possam ocorrer no mundo, e que talvez sejam posteriormente mostradas na tela da televisão.  O horror provém dessa incapacidade de refletir, onde não mais me reconheço naquilo que vejo, não consigo dar significação ao percebido, não o identifico. A perda dos espelhos traz consigo a perdas das identidades.
Roland Barthes, ao falar das fotografias, faz referência àquelas que retratam mortes violentas e catástrofes, segundo ele, são fotografias que trazem com elas “imagens traumáticas”:
 
O trauma é precisamente o que suspende a linguagem e bloqueia a significação. (...). As fotografias propriamente traumáticas são raras, porque, em fotografia, o trauma é inteiramente tributário da certeza que a cena realmente teve lugar: era necessário que o fotógrafo