Revista Rua


Segregação e invenção na cidade: uma entrevista com Barba nos jardins do Museu de Arte Moderna - MAM/ RJ
Segregation and inventiveness in the the city: an interview with Barba at the gardens of The Museum of Modern Art - MAM/ Rio de Janeiro

Adriana Fernandes

Numa quarta-feira, fim de tarde, de um dia cabalístico – 09/09/2009, procurava interlocutores para o trabalho de campo sobre andarilhos nos arredores do centro da cidade do Rio de Janeiro. A idéia da pesquisa era interpelar formas de habitar e ocupar a cidade que resistem ao estado de exceção (AGAMBEN, 2004, p.63) praticado exemplarmente pelos governos municipal e estadual atuais[1], em enunciados de políticas e projetos que dão o que pensar: “Choque de Ordem”, “Unidades de Polícia Pacificadora (UPPS)”, “Porto Maravilha”, “Operação Bacana”, entre as mais propagadas[2].
            Encontrei Barba num banco em frente ao prédio do Museu de Arte Moderna, o MAM[3]. Tinha um grande saco preto cheio de coisas que me fez lembrar a seguinte estória contada por uma colega, pesquisadora de pentecostalismo: os adeptos de uma igreja (da Universal), na Baixada Fluminense, não tinham gostado da atitude de um pastor que fez com que eles levassem no ônibus, na volta do culto, sacos plásticos pretos cheios de ar, que deveriam servir a limpeza espiritual de suas casas (TARGINO, 2009).
            Barba tinha um saco também preto, cheio de coisas que pareciam latas e garrafas e outro, também grande, mas branco, de nylon, com roupas: são pra lavar[4]. Chamou a atenção o fato de ele estar sentado em um papelão amplo, embora o banco não estivesse sujo (o que se repetiu quando o encontrei num café da manhã, em uma praça no bairro da Glória, na semana seguinte). Depois de me aproximar, expliquei sobre a pesquisa, deu pouca confiança, comentando que estava sempre por ali no final da tarde, bastava procurá-lo, dormia no entorno há mais de vinte anos. Propus a entrevista no momento presente, o que lhe causou surpresa e inesperada receptividade, assim, começamos.


[1] No governo do Estado: Sérgio Cabral, mandato 2006-2010 (inclusive reeleito para o mandato 2010-2014); na prefeitura: Eduardo Paes, mandato 2009-2013.
[2] “Uma espécie de 'exceção permanente' schimittiana que anula as possibilidades de virtú da sociedade civil, entendida esta no sentido de blocos de interesses organizados que se demarcam entre si e com relação ao Estado. (...). Em seu lugar, a autonomização do mercado, que não deve ser pensada como o lugar da autonomia cidadã da tradição liberal clássica, mas o seu contrário. A 'automização' quer dizer que não há regras mercantis, é o mercado para além de si, um permanente ad hoc, em que não se fixam contratos. (...). Em termos macroeconômicos, o permanente ad hoc requer a violência estatal permanentemente, a 'exceção permanente', que poderia sugerir que o monopólio legal da violência foi reconquistado para o Estado. Longe disso, a violência permanente significa dizer que o Estado também é ad hoc.” (OLIVEIRA, 2007, p.36-37). Sobre o Rio de Janeiro, mais especificamente, ver o trabalho de FARIAS, 2008.
[3] Inaugurado em 1958, projeto do arquiteto Affonso Reidy.
[4] Sobre moradores e andarilhos de rua, na cidade de São Paulo, ver a pesquisa muito inspiradora de KASPER, 2006.