Revista Rua


Segregação e invenção na cidade: uma entrevista com Barba nos jardins do Museu de Arte Moderna - MAM/ RJ
Segregation and inventiveness in the the city: an interview with Barba at the gardens of The Museum of Modern Art - MAM/ Rio de Janeiro

Adriana Fernandes

A: Que que é uma direcional?
B: Tem que ter uma direcional. Pô, eu vou chegar... Já gosto de falar palavrão, como se palavrão fosse uma coisa... Muitos têm essa mania de palavrão, mas aí escapa uma besteirinha aqui, uma besteirinha ali. Isso é normal, agora, toda hora, toda hora. Mas a rua não é ruim não como a pessoa pinta não.
A: Barba você acha que a guarda municipal, tirando muita gente da rua, que sai no jornal, o que você acha?
B: Eles não tão tirando, eles tão esculachando os caras. Eles pegam, porque noutro dia eu tô ali, esperando a minha dentista, que eu tenho lá em Madureira, de uma deputada estadual.
 
FILANTROPIZAÇÃO DA POBREZA 2
A: Qual o nome?
B: Meridia Cabral. Em Oswaldo Cruz[14], todo mundo conhece ela, tem médico, ginecologista, ortopedia, ela toma uns negócio espírita, como é, os médicos se dispõem a fazer as coisas de graça pros outros. E quando precisa da gente, vai lá, pinta uns negócios também, não tem esse negócio comigo não. [...] precisou pintar uma sala lá, 'quanto é?', 'não é nada, que isso?', 'pega dez contos', 'eu não quero nada', 'se me der o dinheiro, eu vou me aborrecer com a senhora!'. Tô esperando ali o cara pra me levar pra Oswaldo Cruz, que o cara sai de manhã, segurança ali da Petrobrás. ‘Tu me leva na quinta pra fazer BO?’. Chega lá na quinta, tremenda palhaçada.
A: O que? Pegou todo mundo, ou pegou só você?
B: Todo mundo, os coisa.
A: As pessoas que tavam ali?
B: Meu sou... [fala números da carteira de identidade]. Sou sargento do exército aposentado, tive na P.E [pelotão do exército], e na P.Q.D. [pelotão de pára-quedistas], Cê quer fazer alguma coisa aí? Dei a numeração [diz os números]. Ele bateu, 'pôxa, caramba', 'sua mãe é Dona Campos Santos?', 'seu pai Francisco dos Santos?' Ele falou 'pô, vai embora, você atrapalhou, tá atrapalhando meu trabalho, vai, vai', 'tem dinheiro pra tomar café?', 'eu tô legal, eu quero ir embora', 'só isso'. E queriam botar de novo, pra botar lá pra cima, pra fazer o que? No albergue é que não tem lugar. Não adianta.
A: Isso foi a guarda municipal?
B: Guarda municipal, pegaram o documento da rapaziada aí, levaram documento, com tudo.
A: Eles obrigam as pessoas irem para o abrigo...
B: Nós não temos abrigo no Rio. O abrigo que nós tínhamos aqui morreu. Era a Fazenda Modelo[15] lá em cima. Quando tinha lá a Michelin[16] em Botafogo lá, a gente tava cansado de [ir] lá e voltar.


[14] Bairro da zona norte da cidade, importante pólo comercial e varejista.
[15] A Fazenda Modelo funcionou de 1947 a 2003, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, foi transformada em abrigo em 1984, chegando a ter 2.500 pessoas.
[16]    Loja de pneus.