Revista Rua


Segregação e invenção na cidade: uma entrevista com Barba nos jardins do Museu de Arte Moderna - MAM/ RJ
Segregation and inventiveness in the the city: an interview with Barba at the gardens of The Museum of Modern Art - MAM/ Rio de Janeiro

Adriana Fernandes

B: Mas só na Lapa[21]...
A: É, na Lapa tá...
B: Agora já refrescou.
A: Acho que realmente o crack é uma droga pesada. (...).
B: É o tal negócio: a senhora sai de casa com aquele dinheiro equilibrado, precisa tomar seu café, uma coca-cola, um mate, comprar uma bala, comer um doce. Às vezes tem o almoço na firma, a senhora tem um trocadinho pra rolar a semana, às vezes aqueles dois reais não vai fazer falta mesmo, mas a pessoa quando pensa em dar o dinheiro, a primeira coisa que vem à cabeça é o crack. Não é isso que rola na cabeça? Duas coisas que vem à cabeça: se for adulto é cachaça [pausa]. Nota-se que a senhora tem bom coração.
A: Às vezes eu dou também (...).
B: O que mata também é o tinner, tinner de carro. Eu sou pintor de pistola, a gente tem que tomar cachaça com coca-cola gelada pra bater a química, o médico recomenda.
A: A galera usa também?
B: Dois dedinhos assim, um real. A senhora não viu na reportagem? Aqui, na Senador Vergueiro[22]: os caras ali naquele beco do Empório do Antonio, onde tem o Banco do Brasil. Dá só uma olhadinha pra senhora ver, dá só uma olhada no jornal, a cracolândia, o negócio do tinner. Acabou que eles pegaram o pessoal todo lá dentro.
A: Você acha que isso é o mais perigoso na rua hoje?
B: O mais perigoso. Tem a carga psicológica também. Tem elementos acostumados a viver em bons ambientes, que é completamente diferente, nada a ver com a sociedade. Eu já estou acostumado, a gente não liga. Tanto que estar aqui conversando com a senhora, como conversando com um drogado aqui, um safado ali. E a pessoa que não tem jogo de cintura? O cara chega: tem alguma coisa aí? Eu não falo nada, vou andando e pronto, o que ele falou fica pra ele mesmo. Mas o pior de tudo é a carga psicológica. Aí bate deprê na pessoa, pronto! A pessoa não toma banho, não toma café.
A: Vai entrando.
B: Vai entrando. Aí chega um cara e tem um crack: 'Aí, vai?' Tem uma maconha: 'Vai?' Teco, eles oferecem.
A: Tem de tudo.
B: Tem tudo, até uma cachaça. Ninguém fala: 'Olha, tem aqui dois reis, vamos lanchar?'.
A: Ninguém fala isso?
B: É raro.


[21] Bairro próximo ao centro da cidade, que possui uma variedade de programas noturnos, shows, bares. Desde a década de noventa as edificações mais antigas (em estado precário muitas vezes, mas, nem sempre) estão sendo compradas por empresários e comerciantes (a chamada gentrificação). Sobre a “morte” da Lapa ver SILVA (1986); para uma bela etnografia situada no bairro da Lapa ver SILVA (1993).
[22]  Rua Senador Vergueiro é uma das principais vias do bairro do Flamengo, zona sul do Rio.