Revista Rua


Ficção científica e o discurso ambiental da ciência contemporânea: um exemplo com Operação Buraco de Minhoca
Science fiction and the environmental speech of contemporary science: an example with Operação Buraco de Minhoca

Daniela Ludviger Ingui

[...] um processo realizado ativamente por um sujeito e que leva de um objeto A para um objeto B, sendo que B não é necessariamente parecido ou similar a A, nem necessariamente é da natureza de A, mas mesmo assim B guarda com A uma relação de continuidade que pode ser entendida em retrospecto pela análise do processo ativo que leva de um a outro (Ibidem, p.100).
 
            O efeito literário da obra é maior quanto mais intenso for o estranhamento gerado no leitor diante da possibilidade dos elementos contrafactuais[3], que são aqueles construídos nesse processo de derivação a partir da negação do que existe no mundo real, mas cuja existência se justifica no enredo por sua dinâmica estar atrelada à do discurso científico vigente. Esse contraste entre impossível, mas verossímil, é o que chamamos de “sense of wonder” (CAUSO, 2003).
            Muitos autores se preocupam ainda em classificar os subgêneros[4] da ficção científica, contudo, tal nível de detalhamento foge do escopo do presente estudo, cuja análise de discurso requer apenas certa compreensão quanto à lógica de funcionamento da ficção científica.
            Para uma discussão sócio-política a partir de uma obra de ficção científica, uma análise baseada na identificação dos erros ou distorções é um tanto quanto simplista, sendo necessária a caracterização dos elementos contrafactuais e dos pólos temáticos para elucidar as condições de produção do enredo.
            Os elementos contrafactuais podem ser objetos que apresentam certas propriedades, seres dotados de determinados poderes, instituições que determinam certas leis ou ambientes onde acontecem certos fenômenos. Esses elementos devem ser avaliados tanto sob o aspecto da cientificidade, que implica na proximidade com o uso


[3] A ausência do contrafactual implica numa dinâmica completamente diferente daquela que propõe a ficção científica, mesmo que a história possua fundo científico bastante explícito. O filme Apollo 13 (1995), por exemplo, é todo baseado na viagem espacial à Lua que de fato aconteceu; portanto, não se trata de ficção científica.
 
[4] Embora não haja um consenso quanto ao número de subgêneros para a ficção científica, é possível delimitar algo em torno de seis categorias (PIASSI, 2007): hard, soft, space opera, fantasia científica, distopia e cyberpunk. A ficção científica hard é aquela que se apóia essencialmente nas ciências naturais e exatas para projetar um cenário futuro metatópico, como em The Day After Tomorrow (2004), enquanto a soft se apóia nas ciências humanas para construir uma história alternativa ucrônica, como em The Man in the High Castle (1962). Já a space opera se utiliza da roupagem da ficção científica para contar uma história de aventura divertida, como Star Wars (anos 1980-2000). A fantasia científica apenas se inspira na ciência para montar o enredo, que muitas vezes é baseada em fatos sabidamente incorretos, como os marcianos de Mission to Mars (2000). A distopia está mais preocupada com as relações sociais, mostrando um futuro em que a civilização entra em decadência ou destruição, como em I’m the Legend (2007), e o cyberpunk é uma distopia ambientada em cidades futuristas e sofisticadas, mas ao mesmo tempo decadentes, como em Minority Report (2002).