A “língua da mineração”: produção de sentidos na comunicação midiática da empresa Braskem S.A. em Maceió-AL


resumo resumo

Paulo dos Santos Nascimento
Helson Flávio da Silva Sobrinho



Introdução: uma língua que comunica e não comunica

Nos últimos anos, na sociedade brasileira, tornou-se notória uma série de eventos traumáticos de grande impacto e visibilidade, vinculados ao setor produtivo de megamineração, que causaram fortes prejuízos materiais e humanos para as comunidades atingidas, tanto em contextos rurais quanto em contextos urbanos. Mesmo não sendo uma problemática recente (ARAÚJO; FERNANDES, 2015), as ocorrências como as da cidade de Mariana-MG em 2015, envolvendo a empresa Samarco Mineração S.A., ou ainda como a da cidade de Brumadinho-MG em 2019, envolvendo a empresa Vale do Rio Doce S.A., ganharam ampla notoriedade pela tragédia causada e pela repercussão que receberam na grande mídia.

Não é de menor importância o processo de afundamento do solo em cinco bairros na cidade de Maceió-AL, desde o ano de 2018 até o presente momento, produzido pela atividade de mineração urbana da empresa Braskem S.A. Apesar de não ter tido a mesma repercussão nacional dos casos anteriormente mencionados, os acontecimentos da cidade de Maceió merecem atenção por se tratar de eventos que continuam tendo desdobramentos de diversos tipos, sobretudo geológicos, socioambientais, urbanísticos, culturais, humanitários, discursivos e sociopolíticos1.

Sem minimizar a profundidade dos impactos para as diferentes comunidades mencionadas, pode-se afirmar que o ocorrido na cidade de Maceió merece especial atenção por ainda se achar em andamento. A progressão das consequências desse crime socioambiental é mais complexa quando se trata de estabelecer seus nexos de causalidade, isto é, de determinar as causas dos fatos em questão, embora isso já tenha sido feito pelo Serviço Geológico Brasileiro, como se verá mais adiante no presente texto.

Partindo de algumas sequências discursivas (doravante SD) oriundas das estratégias de comunicação pública da empresa Braskem S.A. e de sua sucursal em Alagoas, e tomando como referência a Análise de Discurso materialista (doravante AD) filiada aos trabalhos de Michel Pêcheux (2007, 2014) e Eni Orlandi (1995; 2001; 2006; 2007; 2008; 2016; 2020), analisaremos discursivamente os sentidos produzidos pelo sujeito-enunciador2 Braskem S.A. em face de sua participação nos eventos que afetaram drasticamente os bairros maceioenses, a saber: Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e Farol.

Como se poderá ver com as análises das sequências discursivas selecionadas, os sentidos presentes no discurso desse setor de produção capitalista em relação aos fatos ocorridos em Maceió posicionam o sujeito-enunciador Braskem S.A. como um “parceiro do Estado” e de algumas de suas instituições executivas e judiciárias, do mesmo modo como o faz em relação à sociedade civil afetada pela megamineração em Maceió.

A “comunicação” da Braskem S.A. cria um saber discursivo para “não comunicar”; trata-se, pois, de um modo de significar a cidade e os sujeitos silenciando outros sentidos possíveis. Esses discursos fazem circular sentidos como se houvesse uma ausência de conflitos entre a empresa Braskem S.A. e as comunidades atingidas, atribuindo uma causalidade “natural” (geológica) à origem dos eventos responsáveis pelo êxodo urbano produzido pelo afundamento do solo.

Ademais, por meio do uso da cor verde, as notícias da empresa produzem sentidos contraditoriamente vinculados ao discurso da sustentabilidade ambiental e da preocupação ecológica. Desse modo, apagam-se os fatores relacionados a um modo específico de produção próprio do capitalismo e sua apropriação indiscriminada dos recursos naturais, do mesmo modo como se silencia o debate sobre os interesses de classe aí implicados, que possuem uma longa história nas dinâmicas econômicas do estado de Alagoas.

Importante afirmar que esse tipo de discursividade, que chamamos metaforicamente de “língua da mineração”, é parte tanto da história do referido setor produtivo de um modo geral (LIMA, 2018), quanto da história da própria empresa Braskem S.A., particularmente em Maceió (CAVALCANTE, 2020). Numa publicação recente acerca da história das relações entre a Braskem S.A. e a cidade de Maceió, Cavalcante (2020) afirma o seguinte:

 

A estrutura de comunicação destinada a suavizar e humanizar a imagem tenebrosa da empresa [Braskem S.A.] difundiu em profusão as mensagens adequadas para a situação [...]. Na série histórica de acidentes, a máquina de propaganda e marketing da empresa sempre procurou adotar um padrão: o de amenizar os acontecimentos, propalar normalidade e reiterar a assistência prestada às vítimas. No cotidiano, uma equipe competente buscou relacionar-se intensamente com o mercado da comunicação, com investimento considerável em mídia. (CAVALCANTE, 2020, p. 87).

 

Tomando como referência essa realidade concreta relacionada aos eventos ocorridos em Maceió, ao operar as análises das sequências discursivas buscamos refletir sobre as contradições presentes nessa discursividade em face dos danos e prejuízos de natureza socioambiental, urbanística, econômica, cultural, trabalhista, psicológica, entre outras, com as quais os bairros afetados e a cidade de Maceió têm tido de “conviver” desde a deflagração desses acontecimentos, no ano de 2018. Consideraremos, junto com Pêcheux (2014, p. 27), que esse tipo de comunicação produzida pela Braskem S.A. está fundado numa “unidade dividida e contraditória da comunicação/não comunicação”. É preciso, pois, desautomatizar as evidências de sentidos na textualização político-ideológica dessa discursividade.

 

Condições de produção do discurso da mineração em Alagoas

Na Análise de Discurso, acessar as condições de produção do discurso é fundamental para a compreensão de seu funcionamento e de seus efeitos. Remeter o dizer às suas condições de produção é algo necessário para a elucidação de qualquer prática discursiva. As condições de produção dizem respeito à exterioridade constitutiva do discurso. Conforme Orlandi (2006), as condições de produção podem ser pensadas em seu sentido estrito e em sentido lato, ou seja, no contexto imediato no qual estão imersas as enunciações (a situação), e num contexto mais amplo, de caráter sócio-histórico, com que a situação imediata está sempre relacionada.

Historicamente, o estado de Alagoas tem sido caracterizado por uma relação de dependência econômica em relação ao setor sucroalcooleiro, que, apesar de apresentar um declínio considerável nos últimos anos, segue como o setor hegemônico da economia local (LIRA, 2007; CARVALHO, 2015). Essa hegemonia, já consolidada durante os anos do governo militar brasileiro, ensejou a diversificação das atividades econômicas alagoanas; é neste contexto que os investimentos no setor de mineração petroquímica neste estado devem ser compreendidos.

Ambos os setores aqui mencionados – sucroalcooleiro e petroquímico – configuram-se como formas de extrativismo capitalista em grande escala, seja com a exploração de grandes latifúndios espalhados pelo estado com o cultivo da cana-de-açúcar3, seja com a exploração de minas subterrâneas para a extração de sal-gema em área urbana, na capital Maceió4. Nos dois casos, estamos falando de um produtivismo de exportação, com contrapartidas ínfimas para a economia local, quando comparadas aos lucros auferidos por meio da exploração dos insumos naturais neste estado.

O clima de dependência econômica relacionado a essas atividades, em ambos os casos, tem se refletido em privilégios fiscais e tributários, e no histórico relaxamento do poder público e de suas entidades fiscalizadoras em relação ao cumprimento das normas ambientais. Essa recorrente frouxidão fiscal tem resultado num longo repertório de violações ambientais traduzidas, na prática, em lesões graves ao meio ambiente e em inúmeros prejuízos às comunidades geograficamente próximas a essas atividades de exploração e produção econômica capitalista.

A equiparação desses dois setores da atividade econômica em Alagoas não se faz de modo aleatório e despropositado. Em ambos os casos estamos falando de modalidades de produção econômica expropriatórias e autoritárias, que contam com a cooptação e com a anuência das forças do Estado para se apropriarem dos bens naturais em função dos interesses privados da classe que detém esses meios de produção.

Desde fevereiro de 2018, alguns bairros situados na cidade de Maceió, capital do estado de Alagoas, foram incluídos no rol das comunidades brasileiras atingidas pelos graves efeitos da exploração do setor de mineração, neste caso, de extração do sal-gema, que é a matéria-prima para produtos industriais como a cloro-soda e o plástico de tipo PVC. Apesar da data acima mencionada, assim como em outras cidades e comunidades espalhadas pelo Brasil, o setor de mineração em Alagoas já possui uma longa história de imposições, privilégios fiscais, infrações técnicas de licenciamentos ambientais, acidentes e crimes ambientais de diferentes naturezas (contaminação do ar, dos solos, das bacias hidrográficas) que contabilizam quatro décadas, desde sua instalação na parte sul da referida capital nordestina, ainda no final da década de 1970 (CAVALCANTE, 2020).

Instalada em Maceió em 1978, quando ainda era uma empresa estatal5, a Braskem S.A. fez parte das estratégias políticas vinculadas ao conhecido “milagre econômico” anunciado pelos governos militares brasileiros (1964-1985), assim como constituiu uma tentativa de diversificação e de uma suposta “redenção econômica de Alagoas” (CAVALCANTE, 2020; CARVALHO, 2015), sempre muito dependente economicamente do setor canavieiro e sucroalcooleiro.

No dia 28 de fevereiro de 2018, por ocasião da ocorrência de índices pluviométricos muito acima da média esperada para a época, os bairros da capital alagoana Pinheiro, Bom Parto, Mutange e Bebedouro, e posteriormente os bairros do Farol, Flexal de Cima e Flexal de Baixo, passaram a se defrontar com os efeitos visíveis da (in)consequente exploração de sal-gema em área urbana, na cidade de Maceió.

Esses efeitos visíveis dizem respeito ao aparecimento de rachaduras, fendas, fissuras, trincas e crateras, que atingiram as ruas e as edificações dos bairros mencionados (casas, prédios, escolas, edifícios comerciais, templos religiosos etc.), dando início a um gradual processo de desocupação compulsória desses espaços urbanos, coordenado pela Defesa Civil do município de Maceió, produzindo aproximadamente cerca de 60 mil refugiados ambientais.

Alguns dias após o aparecimento das primeiras rachaduras, fendas, trincas, fissuras e crateras, foi registrado um abalo sísmico com magnitude de 2,4mR (segundo a escala magnitude regional para o Brasil), ampliando os prejuízos físicos acima mencionados e acelerando as medidas de intervenção pública, tendo em vista os riscos reais de um desastre relacionado à movimentação dos solos na região.

A despeito das intensas especulações acerca da causalidade dos eventos supramencionados, o Serviço Geológico Brasileiro (SGB-CPRM), após perícia recomendada pelo Ministério Público Estadual de Alagoas, apresentou em maio de 2019 um laudo técnico em que ratifica a causalidade antrópica para os fenômenos de subsidência6 dos solos nos referidos bairros maceioenses. O mesmo laudo técnico ainda ratifica o nexo causal entre a atividade de extração de sal-gema e a referida subsidência desses solos (BRASIL, 2019, p. 39):

 

Está ocorrendo desestabilização das cavidades provenientes da extração de sal-gema, provocando halocinese (movimentação do sal) e criando uma situação dinâmica com reativação de estruturas geológicas preexistentes, subsidência e deformações rúpteis em superfície em parte dos bairros Pinheiro, Mutange e Bebedouro, em Maceió-AL7.

Apesar das contestações técnicas realizadas pela sucursal da empresa Braskem S.A. em Maceió ao laudo emitido pelo SGB-CPRM, a referida empresa tem firmado desde então alguns “acordos” com o Ministério Público Estadual de Alagoas, com o Ministério Público Federal, com a Defensoria Pública Estadual de Alagoas e com a Defensoria Pública Nacional, nos quais se compromete a efetivar “medidas compensatórias” para as populações atingidas, visando à “compensação” dos prejuízos materiais especialmente vinculados com a moradia, e os danos morais advindos dos efeitos adversos da subsidência dos solos nos locais de mineração de sal-gema. Tais medidas, denominadas de “compensatórias”8, estipuladas para o prazo de três anos (contados a partir de maio de 2019), incluem a restituição financeira feita em acordos bilaterais entre a empresa Braskem S.A. e os proprietários de imóveis, o pagamento de alugueis provisórios, assim como os custos das mudanças imobiliárias9.

De acordo com alguns estudiosos do campo das geociências, em seu conjunto, os eventos ocorridos em Maceió relacionados à extração de sal-gema constituem “o maior crime ambiental em área urbana na história do mundo” (GALINDO, 2021). A despeito de uma (im)possibilidade de mensuração, e a despeito da (im)possibilidade de se mapear a abrangência geográfica desses eventos, pode-se afirmar que os impactos negativos ocasionados pela subsidência dos solos nos bairros afetados, assim como os prejuízos físicos, socioambientais, e o êxodo compulsório proveniente deles são múltiplos e de variadas naturezas, atingindo especialmente os campos da habitação, da sociabilidade, da cultura, da saúde mental, da produção econômica e da mobilidade urbana.

Nas palavras de Lefebvre (2001) e Harvey (2014), diríamos que o “direito à cidade” e aos bens sociais aí produzidos coletivamente foram profundamente violentados e erodidos por esta prática capitalista destruidora10.

Em meio à crise instalada com esses eventos nos bairros afetados pela mineração de sal-gema em Maceió, a empresa Braskem S.A., mediante sua sucursal local, tem realizado investimentos importantes em comunicação midiática, produzindo, direcionando e fazendo circular sentidos que dizem respeito aos fatos tratados no presente artigo.

Adiante, buscaremos analisar algumas sequências discursivas relacionadas a esse investimento de sentidos, para compreender como eles estão vinculados com os modos de produção do capitalismo de grande extrativismo. Como diz Orlandi (2001, p. 13), “a versão aqui significa: direção, espaço, significante, recorte do processo discursivo, gesto de interpretação, identificação e reconhecimento do sujeito e do sentido”. A nosso ver, tal versão dos fatos aqui mencionados busca produzir sentidos de “clareza lógica” para reproduzir a exploração da lógica do capital.

 

Descrição do corpus: os folhetos da Braskem S.A. e a tecnologia de linguagem

Para os propósitos do presente artigo, elegemos alguns materiais veiculados especificamente no site que a empresa Braskem S.A. tem dedicado à veiculação de “informações” acerca das ocorrências nos bairros maceioenses afetados por sua mineração. Segundo Orlandi (2020, p. 61), “decidir o que faz parte do corpus já é decidir acerca de propriedades discursivas”. Dito isso, o corpus desta pesquisa é composto por dois folhetos, que consideramos como tecnologia de linguagem, produzidos pela Braskem S.A. em Maceió e veiculados em seu site na internet.

O primeiro folheto, publicado em setembro de 2020, intitula-se “Entenda as ações da Braskem em Maceió” e possui 17 páginas. Entre os objetivos enunciados neste material, os principais são os seguintes: a) resumir as ocorrências nos bairros afetados; b) explicar detalhes sobre o mapa de desocupação dos bairros; c) apresentar detalhes sobre o funcionamento das compensações financeiras praticadas pela empresa; d) explicar o funcionamento da Central do Morador11; e) resumir as ações de segurança e zeladoria realizadas pela empresa nas áreas evacuadas; e f) dar esclarecimentos sobre o fechamento das minas de extração de sal-gema em Maceió.

Esse primeiro folheto está apresentado em linguagem multimodal, intercalando textos verbais e não verbais (imagens fotográficas) em todo o seu corpo. Também prevalece a cor verde (sobre o fundo branco), com a qual são grafados alguns subtítulos, estando ainda presente em planos de fundo, na delimitação pontilhada de margens e na moldura de algumas imagens.

É importante destacar que há uma rede de significantes: “resumir”, “apresentar”, “explicar”, “esclarecer”, que dá o contorno material dos sentidos aí em funcionamento. Tais dizeres constroem a realidade para os sujeitos atingidos, impedindo deslocamentos e resistências, já que intenta “resumir” e “explicar” para quem “não entendeu”. A materialidade da língua e a materialidade da história se conjugam na equivocidade das “explicações”.

O segundo folheto, produzido e veiculado na internet desde janeiro de 2021, intitula-se “Atualização Maceió” e possui 24 páginas. Além de repetir os principais objetivos do primeiro folheto, este segundo apresenta uma seção em que enuncia os detalhes dos termos de acordo firmados com o poder público e relativos às propostas de “compensação financeira” para as comunidades atingidas pela atividade de mineração nos bairros afetados.

O segundo folheto também está apresentado em linguagem multimodal, intercalando textos verbais e não verbais, como gráficos, tabelas, montagens digitais e imagens fotográficas em todo o seu corpo. Também nele prevalece mais uma vez a cor verde (sobre o fundo branco), com a qual são grafados alguns subtítulos e planos de fundo, estando presente ainda na delimitação pontilhada de margens, na moldura de algumas imagens, e desta vez, na capa e na contracapa do folheto.

Para proceder à análise, agrupamos as sequências em três recortes discursivos, a saber: recorte discursivo 1: interpretando as imagens; recorte discursivo 2: analisando os enunciados verbais; recorte discursivo 3: de que nos fala este verde?

 

Recorte discursivo 1: analisando as imagens

Este primeiro recorte, de caráter não verbal, é composto pelo conjunto de imagens fotográficas apresentadas em ambos os folhetos. Nesses folhetos, privilegia-se o seguinte conjunto de imagens:

a) Tomadas aéreas panorâmicas dos bairros afetados pela mineração da Braskem S.A. em Maceió (imagem 2);

b) Imagens de moradores dos bairros na “Central do Morador” (imagens 1 e 3);

c) Imagens de momentos de negociação entre os moradores dos bairros afetados e servidores da empresa Braskem (imagem 1);

d) Imagens de canteiros de obra em funcionamento (imagem 2);

e) Imagens de reuniões entre representantes da empresa e representantes da segurança pública do Estado (imagem 5);

f) Imagens de serviços de zoonose (cuidado e transporte de animais) oferecidos pela Braskem à população dos bairros afetados (imagem 4);

g) Mapas editados graficamente para representar as áreas de desocupações dos bairros (imagem 6).

 

Imagem 1                                  Imagem 2

 

Imagem 3                                                    Imagem 4

 

 

Imagem 5                            Imagem 6

 

  A imagem das tomadas aéreas (imagem 2) é marcada pela inserção de elementos do ecossistema local, como biomas ecológicos e bacias hidrográficas, caracterizados, aparentemente, pela ausência de desgastes, depredações, poluições e outras formas de desequilíbrio produzidas pela intervenção do modo de produção capitalista, em sua versão extrativista. Trata-se de uma forma de significar o acontecimento como se não houvesse conflito, pois podemos compreender esse funcionamento a partir das imagens fotográficas da “Central do Morador” (imagens 1 e 3). Assim como nas imagens dos diálogos entre técnicos sociais da Braskem e os moradores dos bairros afetados (imagem 1), os sentidos veiculados se relacionam com a ideia de ausência de conflitos e de divergência de interesses entre os diferentes atores sociais implicados. Em lugar destes, vigoram as representações da “parceria”, da proximidade e do diálogo entre a empresa, os agentes do Estado e a população.

As imagens de diálogos entre a empresa e agentes de segurança pública do Estado (imagem 5), além de veicular sentidos relacionados à parceria público-privada, lançam sentidos relacionados à participação da empresa na atenção à segurança das comunidades atingidas.

Esse recorte remete ao funcionamento da ideologia, produzindo evidências de sentidos e de sujeitos. Segundo Orlandi (2001, p. 22), “a ideologia se caracteriza pela fixação de um conteúdo, pela impressão do sentido literal, pelo apagamento da materialidade da linguagem e da história, pela estruturação ideológica da subjetividade”. Assim, pelos modos como interpelam seus possíveis interlocutores e pelos sentidos postos em circulação acima referidos, podemos entender a presença da contradição nessas enunciações, uma vez que elas disputam sentidos junto a outros discursos que buscam evidenciar o caráter predatório desse tipo de extrativismo, associado à corrida desenfreada pelo lucro, a despeito dos interesses mais amplos da cidade.

Em outros termos, a contradição diz respeito à negação da dimensão histórica do conflito de interesses entre o grande extrativismo e a sociedade civil alagoana, exacerbada nos eventos que ora analisamos. Tais eventos, como já aludimos, estão na origem da produção de 60 mil refugiados ambientais e na origem de uma série de consequências socioambientais que, de diferentes formas, põem em xeque o direito à cidade nesta capital nordestina. Por sua vez, ao fazer circular sentidos de parceria do Estado e da sociedade civil, o sujeito-enunciador Braskem S.A. exime-se e desresponsabiliza-se, concomitantemente, das implicações jurídicas e econômicas relacionadas à magnitude dos crimes socioambientais, para, a despeito disso, dar continuidade às suas atividades lucrativas.

Os sentidos que destacamos acima, relacionados ao conjunto de materiais não verbais largamente utilizados em ambas as publicações – “parceria” junto às comunidades, “parceria” junto ao Estado, provisão de mínimos sociais, ausência de desequilíbrios socioambientais –, não estão cindidos dos demais elementos (textuais e não textuais) que compõem as sequências discursivas aqui analisadas. Elas perfazem um continuum com estes, como se poderá perceber com as análises que seguem. Ou seja, gostaríamos de destacar mais uma vez o caráter de multiplicidade da linguagem (ORLANDI, 1995), assim como o sincretismo simbólico desse tipo de produção de linguagem, e a necessidade sempre presente de que explicitemos suas especificidades e seus funcionamentos, como produtores de significação no interior das práticas discursivas que são objeto de nossas análises.

 

Recorte discursivo 2: analisando os enunciados verbais

Entre os elementos verbais constantes nos dois folhetos aqui analisados, lemos as seguintes enunciações:

 

Desde 2018, a Braskem vem contribuindo com o poder público na compreensão do fenômeno geológico em Maceió e na minimização dos efeitos sobre os moradores.

 

Em maio de 2019, a Braskem interrompeu a exploração de sal em Maceió e paralisou a fábrica de cloro-soda no Pontal da Barra. A empresa contratou estudos independentes, no Brasil e no Exterior, para ampliar a análise dos fenômenos geológicos feita por órgãos oficiais como o Serviço Geológico Brasileiro (CPRM).

 

Em março de 2018, um tremor de terra atingiu Maceió. Após o evento, foram identificadas rachaduras em ruas e edificações de alguns bairros da cidade. Em outubro de 2018, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) iniciou a investigação do fenômeno, contando com a colaboração da Braskem.

 

Braskem colabora com as autoridades e realiza estudos para compreender as causas dos fenômenos geológicos.

 

Em março de 2018, um tremor de terra é sentido em Maceió e surgem rachaduras em edificações e ruas.

 

As sequências discursivas acima sugerem que a partir de sua posição-sujeito, o enunciador Braskem S.A. faz circular sentidos que colocam as ocorrências nos bairros maceioenses atingidos por sua mineração no campo dos “eventos naturais”, relacionados a “fenômenos geológicos” e “tremores de terra”. Esses sentidos são produzidos em direção a determinadas memórias míticas e sociais12 ligadas à noção de “desastre natural”, amplamente presentes nas formações imaginárias das formações sociais modernas, num processo que simula a ilusão da relação direta entre palavra/mundo sem passar pela ideologia e pelo inconsciente.

Uma vez que se trata de eventos do âmbito dos desastres naturais, o papel da empresa Braskem S.A. é enunciado como “colaborar com as autoridades”, a fim de se “compreender” suas causas e de se “minimizar seus efeitos” para as populações atingidas. Desse modo, em consonância com o recorte 1 anteriormente analisado, produzem-se aqui sentidos de “cooperação”, “colaboração”, “parceria” e “resolutividade” entre a empresa Braskem S.A., o Estado e a sociedade civil. É a formação social capitalista regendo a interpretação para que o sentido não seja outro.

Nas sequências discursivas de que ora nos ocupamos, esses sentidos (de referência a eventos “naturais”) são ratificados pelas alusões ao “tremor de terra” ocorrido nos territórios em questão. Nas enunciações da Braskem S.A., os “fenômenos geológicos” e os “tremores de terra” vinculam-se por um nexo de causalidade aos prejuízos materiais causados às populações dos territórios atingidos: justamente as “rachaduras em ruas e edificações de alguns bairros da cidade”.

A partir desse recorte discursivo, gostaríamos de destacar as relações entre ditos e não ditos, visto que, segundo Orlandi (2020, p. 83), “as palavras se acompanham de silêncio e são elas mesmas atravessadas de silêncio, e isso tem de fazer parte da observação do analista”. Para essa autora (id., ibid.), “ao longo do dizer há toda uma margem de não-ditos que também significam”.

No entanto, o funcionamento do silêncio que gostaríamos de analisar aqui não tem propriamente a ver com o silêncio fundador, que, de acordo ainda com Orlandi (2007), é condição de possibilidade de toda significação e garantia do movimento dos sentidos. Para analisar a presente sequência discursiva, gostaríamos de operacionalizar a categoria analítica do silêncio constitutivo (ORLANDI, 2007, 2020), para a qual há sempre no dizer um não dizer necessário.

Nesse sentido, cada dito apaga outros ditos que se relacionam aos primeiros como pressupostos. Como explica Orlandi (2020) em seu conhecido exemplo, quando digo “sem medo” o não dito “com coragem” funciona como pressuposição de sentido informando o dizer de “sem medo”. O dito e o silenciado, insiste a autora, “constituem igualmente o sentido do que é dito” (ORLANDI, 2020, p. 83).

Partindo desse referencial teórico-analítico, considera-se que ao dizer “fenômeno geológico”, portanto fenômeno natural, também se diz (no silêncio) “não antrópico”, isto é, sem a interveniência de causalidade humana e da lógica do capital. O silêncio que atravessa as enunciações “fenômeno geológico” e “tremores de terra” pressupõe a não participação e a não responsabilização da empresa Braskem S.A. na precipitação e no desencadeamento dos eventos que ocasionaram a subsidência nos solos dos bairros afetados, e os consequentes prejuízos humanos, materiais, socioambientais, psicológicos etc.

Esses silêncios ainda pressupõem a desvinculação da empresa em questão com a evacuação compulsória a que se submeteram as comunidades nos territórios atingidos por esses fatos. Segundo Orlandi (2008, p. 60): “O mecanismo do silenciamento é um processo de contenção de sentidos e de asfixia do sujeito porque é um modo de não permitir que o sujeito circule pelas diferentes formações discursivas, pelo seu jogo. Com o apagamento de sentidos, há zonas de sentido, e, logo, posições do sujeito que ele não pode ocupar, que lhe são interditadas”.

Desse modo, pode-se dizer que os silêncios aqui analisados, na relação com os sentidos de “parceria”, “colaboração ampla” e “resolutividade” anteriormente frisados, funcionam ao produzir sentidos vinculados com a total desvinculação da Braskem S.A. em relação à origem dos eventos que ocasionaram os problemas nos bairros maceioenses em questão, e interditam os sentidos advindos dos sujeitos atingidos pela mineração, regulando o dizer, produzindo consenso, tentando frear as resistências e impedindo que os sentidos possam vir a ser outros.

 

Recorte discursivo 3: de que nos fala este verde?

Como já sinalizamos anteriormente, e agora gostaríamos de aprofundar, a cor verde é predominante na construção dos materiais empíricos analisados. E como materialidade do simbólico, também não é transparente. No primeiro folheto, por exemplo, o verde está presente na moldura e nas legendas das imagens fotográficas, nos títulos e subtítulos dos conteúdos verbais, e nas seções que contêm componentes gráficos como tabelas e ícones.

Percebe-se pelas imagens fotográficas que a própria fachada principal da “Central do Morador” (imagens 1 e 3) tem a predominância da cor verde, assim como o fardamento de alguns de seus funcionários. No segundo folheto, o verde predomina na capa e na contracapa (imagem 7), assim como nos demais itens que acabamos de listar em referência ao material anterior.

 

Imagem 7                           Imagem 8

 

Na ênfase dada pela AD às formas materiais da linguagem, Orlandi (1995, p. 35) chama a atenção para o fato de que “todo processo de produção de sentidos se constitui em uma materialidade que lhe é própria”. Desse modo, não consideramos o uso da cor, nesses materiais, como pertencente ao campo da aleatoriedade, do fortuito ou do acaso, muito menos ao campo das escolhas estéticas desconectadas de uma dimensão política e ideológica, como algo neutro. Pelo contrário, em consonância com outros pesquisadores vinculados à AD de base materialista, pensamos a cor como “dispositivo de significação” (MARQUES, 2018), para, a partir de sua presença em nossos materiais de análise, refletir sobre seu funcionamento e seus efeitos de sentido.

Marques (2018, p. 131) chama atenção para essas peculiaridades analíticas:

Além dos textos não verbais, em especial, as fotografias mobilizadas, outros elementos também podem ser observados, entre eles as cores, o leiaute (posição dos enunciados), as legendas etc. que, ao se imbricarem, produzem sentidos específicos no interior desses discursos. Nesse sentido, realizar uma análise puramente textual desconsiderando as imagens seria como uma análise amputada do discurso, pois elementos de suma importância e que, muitas vezes, falam mais do que o verbal seriam apagados. (Grifos do autor).

 

Cabe questionar: como dispositivo de significação, que sentidos essas enunciações não verbais relativas à predominância da cor verde buscam colocar em circulação? Poderíamos ainda formular essa questão de outro modo: que formações discursivas, numa formação social como a nossa e no caso em estudo, poderiam subsidiar os sentidos vinculados com a cor verde nos materiais aqui analisados?

 

Imagem 9                                  Imagem 10

 

Antes de tentar responder a essas perguntas, é importante ratificar que as formações discursivas são a projeção, na linguagem, das formações ideológicas (ORLANDI, 2006). É das formações discursivas que as palavras, as proposições, as expressões, e, neste caso, o uso da cor como objeto semântico, recebem seu sentido. Esses sentidos derivam, portanto, das posições que os sujeitos ocupam em relação às formações ideológicas que estão na base de todo processo discursivo, pois “o discurso é a materialidade específica da ideologia” (ORLANDI, 2006, p. 20).

A predominância da cor verde nesses materiais está vinculada com uma formação discursiva referente a um setor do modo de produção capitalista cognominado de “ecocapitalismo”, ou simplesmente de “capitalismo ou economia verde”, de onde também se reconhece a origem da retórica da “sustentabilidade”, quando referida aos modos de produção industrial do capitalismo extrativista.

A constituição dessa formação discursiva pode ser localizada historicamente no início dos anos 1990. Conforme Araújo e Silva (2012), tem seus fundamentos no chamado ambientalismo empresarial, cuja retórica consiste em propalar a necessidade de uma transição dos modos de produção ecologicamente insustentáveis (desenvolvimento “marrom”) para modelos produtivos sustentáveis e socialmente responsáveis (economia “verde”).

Araújo e Silva (2021, p. 129) sugerem que

 

longe de indicar uma transição a um modelo de desenvolvimento sustentável para o capital, haja vista sua impropriedade, [a economia verde] representa uma ofensiva ideológica e política das grandes corporações e de seus “intelectuais orgânicos”, no sentido de alargar as fronteiras da acumulação capitalista por meio da conversão do conjunto dos ecossistemas e de serviços ambientais em novos nichos de mercado.

 

O que esses autores adjetivam como uma “ofensiva ideológica” da formação discursiva do capitalismo verde, nos termos próprios da Análise de Discurso pode ser compreendido como a circulação do discurso da sustentabilidade, da inclusão, e até mesmo do combate às desigualdades sociais, a despeito da manutenção acrítica da apropriação privada dos recursos naturais e da concentração da riqueza produzida por esses arranjos econômicos.

Em outros termos, essa formação discursiva estaria vinculada às novas reestruturações dos modos de produção do capitalismo em face do processo global de crise que lhe subjaz, o que, na prática, contribui com a ampliação e com a apropriação privada dos ecossistemas e com a mercantilização da natureza, além de produzir diferentes formas de prejuízos às reservas florestais no planeta e às comunidades tradicionais, no campo e nos espaços urbanos.

É no interior dessa mesma formação discursiva que a cor “verde” funciona produzindo efeitos de sentido específicos, simulando vínculos com as noções de preocupação com o meio ambiente, com a saúde dos ecossistemas e com a proteção das reservas naturais do planeta.

 

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Desse modo, o sujeito-enunciador Braskem S.A., ao utilizar a cor verde como dispositivo de significação nos materiais analisados, busca colocar em circulação sentidos relacionados à “sustentabilidade” dos modos de produção industrial, à “preservação ambiental” e à “sensibilidade” para com os dilemas ecológicos que cercam as cidades na atualidade. Outra vez, vemos emergir o elemento da contradição, visto que os eventos a que estamos aludindo estão relacionados justamente com os efeitos nocivos da ação extrativista relacionada à extração de sal-gema na cidade de Maceió. Esta, além de estar vinculada com a subsidência e com a instabilidade dos solos nos bairros afetados, também está diretamente relacionada com a destruição de nichos ecológicos urbanos relativos a sete bairros e seus cerca de 60 mil moradores.

O elemento da contradição se evidencia, portanto, na medida em que esse conjunto de enunciações e a circulação dos seus sentidos subjacentes – sustentabilidade, preservação ambiental e sensibilidade ecológica – se dão num contexto em que os efeitos perversos da exploração voraz de sal-gema vão se tornando evidentes de modo paulatino e crescente.

Desse modo, compreende-se que o enunciador Braskem S.A., ao textualizar o discurso em suas tensões contraditórias e ao fazer circular o conjunto de enunciações aqui analisadas, inscreve-se numa disputa discursiva a partir de sua posição-sujeito filiada aos interesses do capital. Essa “língua da mineração” tende a controlar a intepretação e objetiva estabilizar os sentidos desses acontecimentos em direções que posicionem a empresa no campo não apenas da inimputabilidade e da desresponsabilização, mas da “cooperação” e “parceria” em relação às comunidades atingidas e aos aparelhos de Estado, silenciando, assim, sua lógica destruidora.

 

Considerações finais: a linguagem é política

Como dito na introdução deste trabalho, a empresa Braskem S.A. tem um histórico de investimentos em comunicação pública que visa não somente construir uma imagem comprometida com as noções de “responsabilidade social” e de “sustentabilidade” no seio da sociedade alagoana, mas também pôr em circulação certos sentidos vinculados aos danos causados por sua atividade de mineração.

Nesse sentido, como diz Orlandi (2008, p. 57), “a linguagem é política porque o sentido sempre tem uma direção, é sempre dividido”. Pelo excesso do dizer nos folhetos aqui analisados, compreendemos o funcionamento do silêncio, pois se silenciam muitos outros sentidos desse crime ambiental. A Braskem S.A. fala “para” os atingidos, impedindo outra leitura; faz recorte entre o que é dito e o que, efetivamente, “não se pode dizer”. Diz x (fenômeno geológico) para não dizer y (crime ambiental). Ou seja, o mecanismo de “comunicação” textualiza o poder do capital. A empresa, em seus dizeres, delimita as formações discursivas nos limites tensos com o real da cidade e dos sujeitos que urgem em produzir furos nas contradições do real da língua e do real da história.

Como pudemos ver a partir das sequências discursivas analisadas, esses sentidos são veiculados por meio de dispositivos de significação heterogêneos, marcados pelo hibridismo de elementos verbais e não verbais. Por meio destes, o sujeito-enunciador Braskem S.A. interpela ideologicamente seus interlocutores a partir dos sentidos relacionados à sua “parceria” junto ao Estado e à sociedade civil, atribui caráter “natural” aos eventos ocorridos nos bairros maceioenses afetados por sua mineração, e ainda convoca noções de “sustentabilidade” vinculadas à formação discursiva do chamado “capitalismo verde”. É, pois, necessário confrontar esses sentidos e interrogar a interpretação dessa “língua da mineração”.

Silva Sobrinho (2014), fundamentado em Pêcheux, destaca o caráter ético, político e de responsabilidade da AD, pois o gesto teórico-metodológico de descrição-interpretação é sempre uma relação determinada historicamente e isso implica, de modo incontornável, no fazer ciência e no fazer política ao mesmo tempo. Desse modo, tendo em vista o grande número de conflitos e tensões entre o setor de mineração no Brasil e as várias comunidades que foram e são, criminosamente, atingidas por essa atividade exploradora e destrutiva, desvelar essas discursividades, compreender seu funcionamento e seus efeitos de sentido contraditórios constitui tarefa pertinente em nosso tempo.

As análises do presente artigo, de caráter discursivo e empreendidas a partir dos eventos ocorridos nos bairros maceioenses envolvendo a empresa Braskem S.A., são uma forma tanto de compreender as contradições localizadas nesta situação específica, quanto um exercício de introdução em Análise de Discurso de base materialista aos problemas maiores que dizem respeito ao discurso da megamineração na sociedade brasileira.

 

Referências

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Data de Recebimento: 26/04/2022
Data de Aprovação: 06/06/2022


1  Nos últimos anos, importantes publicações acadêmicas desse campo, como é o caso do excelente livro de Aráoz (2020), têm colocado em relevo os crimes socioambientais cometidos por mineradoras, como os casos já mencionados da Samarco S.A. em Mariana, da Vale do Rio Doce S.A. em Brumadinho, entre outros. No entanto, mesmo nesse campo de pesquisa não há alusões ao crime socioambiental da Braskem S.A. na cidade de Maceió.

2  Estamos mobilizando a reflexão de Zoppi-Fontana (1999) sobre os lugares de enunciação e discurso. No caso em estudo, a Braskem S.A. instala um lugar de enunciação determinado pelo funcionamento do interdiscurso, pelas formações discursivas e pelo silenciamento. Tudo isso implica a divisão do direito de enunciar e a eficácia do dizer produzindo um saber discursivo que recobre o acontecimento. Trata-se, pois, de uma eficácia ideológica.

3  Em Alagoas, 70% das terras agricultáveis, sobretudo localizadas na região da Zona da Mata (faixa mais próxima do litoral), estão ocupadas por essa atividade econômica.

4  Em pouco mais de quarenta anos de atividade, a empresa Braskem S.A. explorou 35 minas de extração de sal-gema, algumas delas no subsolo da lagoa Mundaú, na capital Maceió, e a maior parte delas sob os bairros Pinheiro, Bom Parto, Mutange e Bebedouro. De acordo com a comunicação pública da empresa, as atividades extrativistas nas referidas minas foram encerradas em 2019.

5  A Braskem iniciou suas atividades na cidade de Maceió no final da década de 1970, ainda como uma empresa estatal denominada Salgema. No ano de 1996 ela passaria a se chamar Trikem, que em 2002 se fundiu a outras empresas privadas do setor para dar origem à Braskem S.A.

6  A subsidência é um fenômeno de rebaixamento da superfície do terreno devido às alterações ocorridas no suporte subterrâneo. O fenômeno ocorre em diversos lugares do mundo devido à extração de água, petróleo, de gás e de outros minerais do subsolo.

7  Para a íntegra do relatório do SGB-CPRM: http://www.cprm.gov.br/imprensa/pdf/relatoriosintese.pdf

8  Segundo Orlandi (2007, p. 74), “toda denominação apaga necessariamente outros sentidos possíveis, o que mostra que o dizer e o silenciamento são inseparáveis: contradição inscrita nas próprias palavras”.

9  Apesar dos referidos acordos com o Ministério Público Estadual de Alagoas e com as demais entidades públicas acima listadas, mesmo com a emissão do laudo técnico do SGB-CPRM que estabelece nexo causal entre a atividade de mineração da Braskem S.A. em Maceió e os prejuízos econômicos, urbanísticos, emocionais etc. vinculados a essa atividade junto aos 60 mil moradores dos bairros afetados, é preciso registrar que até a data da redação deste artigo a Braskem não sofreu nenhuma condenação judicial em decorrência desses fatos.

10  Vale ressaltar que os estudos do materialismo histórico-dialético, por meio da discussão acerca do ecossocialismo (LÖWY, 2014), tem procurado revisitar a obra marxiana para recuperar nela elementos importantes para a discussão da dialética sociedade-natureza (SERVULO, 2019; SAITO, 2021) como alternativa ao produtivismo capitalista e seus conhecidos efeitos colaterais.

 

11  Espaço físico situado no bairro do Trapiche da Barra (Maceió-AL) destinado às tratativas particulares referentes às indenizações financeiras e a outras questões entre a Braskem S.A. e as famílias dos bairros atingidos pela mineração. Com a pandemia de coronavírus esses atendimentos passaram a ser realizados a distância.

12  Estamos nos referindo ao modo como Pêcheux (2007, p. 50) conceituou a memória social: “Memória deve ser entendida aqui não no sentido diretamente psicologista da ‘memória individual’, mas nos sentidos entrecruzados da memória mítica, da memória social inscrita em práticas, e da memória construída pelo historiador”.






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