
Eis a capa3 da revista Rua número 1, foi aí que tudo começou... Vamos contar um pouco dessa história...
Palavras Iniciais
[...] a história das ideias linguísticas é sempre tensa, marcada por injunções, possibilidades e apagamentos (Lagazzi-Rodrigues, 2007, p. 11).
Nosso objetivo neste artigo é homenagear a revista Rua em seus 30 anos de história, refletindo sobre como um periódico científico de tamanha importância para os estudos do discurso constrói uma trajetória consolidada e constitui uma memória coletiva do que é produzir conhecimento da perspectiva de quem olha para o espaço urbano em suas relações com a linguagem e pensa sobre ele. Na Rua encontramos diferentes facetas do processo de constituição, divulgação e circulação do conhecimento sobre a língua e a linguagem em suas relações com o espaço urbano. Nosso estudo4 está amparado, teórica e analiticamente, pela relação entre a História das Ideias Linguísticas e a Análise de Discurso (AD), tal como vêm sendo construídas no horizonte brasileiro.
Certamente abordaremos alguns aspectos em detrimento de outros, considerando a incompletude da produção do conhecimento e a sua provisoriedade, além de concordarmos com Suzy Lagazzi-Rodrigues que comparece em nossa epígrafe: estamos num espaço de tensão e sujeitos a injunções, possibilidades e apagamentos.
Considerando que entendemos as revistas científicas como:
publicações periódicas produzidas em instituições, através de seus centros de pesquisa, universidades e órgãos de apoio, as quais, por sua vez, divulgam artigos resultantes de pesquisas levadas a cabo por uma dada comunidade. São publicadas a intervalos regulares, sob a responsabilidade de uma equipe editorial (Scherer; Petri, 2015, p. 16).
Compreendemos que é por meio de revistas científicas que estudantes, pesquisadores e grupos de pesquisa dão visibilidade a sua produção científica e ao mesmo tempo têm acesso às pesquisas realizadas em diferentes instituições e por diferentes grupos, em diferentes espaços/tempo. Há uma interlocução nesse espaço de autorias e de leituras mútuas. Compreendemos ainda que “toda a revista é coletiva por natureza, mesmo que pertença a uma só instituição universitária” (Scherer, 2003, p. 73).
A revista Rua, assim como a maioria das revistas científicas brasileiras, é resultante do trabalho de um grupo de pesquisadores vinculados a instituições universitárias, no caso, ela se constitui como uma revista do Laboratório de Estudos Urbanos do Nudecri/Unicamp. Essa revista traz, em sua formulação, uma particularidade, enquanto grande parte das revistas brasileiras conta com a nomeação/nominalização de organizadores para cada um de seus volumes publicados, a revista Rua optou por não identificar esses sujeitos, o que nos remete à identificação de um coletivo de trabalho muito próprio ao Labeurb/Unicamp, desde sua fundação. Certamente há uma equipe editorial que assina coletivamente a apresentação de cada volume (sem a nominalização do(s) autor(es) das apresentações, com exceção das publicações n. 30/1 e 30/2, assinadas pela Profa. Dra. Claudia Regina Castellanos Pfeiffer5). A título de ilustração desse trabalho conjunto, destacamos a nominata disponível no primeiro número publicado, o que está à disposição apenas na edição impressa, conforme a Figura 1:
Figura 1 – Comitê Editorial darevista Rua, n. 1

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2025).
Ao estabelecermos relações entre a equipe do primeiro número e a atual6, podemos notar que alguns nomes permanecem, dentre os quais destacamos a Editora Responsável Eni Puccinelli Orlandi, bem como o pesquisador do Labeurb José Horta Nunes7, que atualmente compõe a denominada equipe de Editores Associados com as pesquisadoras Claudia Castellanos Pfeiffer e Cristiane Dias. No tocante ao Comitê Editorial, observamos a manutenção dos pesquisadores Eni Puccinelli Orlandi, Eduardo Guimarães, José Horta Nunes e Maria Onice Payer8, bem como uma significativa alteração com a inclusão de pesquisadores externos ao Labeurb e à Unicamp, promovendo a interinstitucionalização (pesquisadores da UFMG, UFF, UCB, entre outras) e a internacionalização do periódico, sendo constituído por pesquisadores da Argentina, do Canadá, da França, da Itália e do Reino Unido.
Nesses 30 anos de histórias, pode-se observar a ampliação do escopo e do âmbito de circulação da Revista. Ela se firma como revista científica que trabalha para a institucionalização e a circulação do conhecimento, trazendo à baila a importância da socialização do conhecimento, que, de acordo com Mariani (2022), é uma noção introduzida por Orlandi (2020), em entrevista concedida pela autora à Mariani e Grigoletto. Para Orlandi (2020, p. 256), a distinção entre institucionalizar e socializar consiste no que segue:
A institucionalização, no sistema capitalista, se faz através das instituições e discursos administrativos, e é necessária para que uma forma de conhecimento tenha um lugar específico no campo da ciência, e se possa disponibilizar para formação e a pesquisa. Já a socialização é outra coisa. Com a socialização, não se intermedia as relações só pelas instituições, mas pela produção de condições de acessibilidade, de politização do campo de conhecimento.
Ou seja, não escapamos ao modo capitalista que nos interpela, o que torna importante criar espaços institucionais, existir enquanto produtores de ciência; mas, ao mesmo tempo, faz-se necessário socializar, dar acesso a esse conhecimento ali produzido. Com a revista científica funciona assim, abre-se para o simbólico como lugar possível para a produção de sentidos.
Mariani (2022, p. 180) considera que “praticar a Análise do Discurso na produção e circulação do conhecimento funciona na ordem do socializar”. Assim, para nós, a revista Rua representa um belo exemplo de socialização do conhecimento, ao trazer à tona, como veremos mais adiante, a circulação de importantes textos de teóricos traduzidos (Thomas Herbet, por exemplo), possibilita que, sob a égide de uma temática (o urbano), autores de diferentes áreas do conhecimento e distintas perspectivas teóricas publiquem seus artigos científicos em um mesmo volume, dar espaço entre suas seções para trabalhos artísticos e notícias cotidianas de pesquisa, proporciona aos leitores uma reflexão ampla sobre as formas de produção do conhecimento.
Considerando essa questão da socialização, diante de tantas abordagens possíveis, optamos, neste estudo, olhar para o sujeito que faz do periódico científico o que ele é: o sujeito que toma uma posição de autoria e publica resultados de suas pesquisas na revista. Sobretudo, nosso foco se dará sobre o sujeito analista do discurso que publica nesse periódico.
Sobre a Rua: alguns apontamentos
Está na praça, então, a revista e o convite para o debate nos múltiplos espaços do político e do urbano (Apresentação, 1995, p. 5).
Falar da revista Rua é falar desse convite que fecha a apresentação da edição número 1, de 1995, na qual é descrita a revista como aquela que:
Figura 2 – Descrição darevista Rua

Fonte: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/article/view/8638910/6513.
Acesso em: 1 nov. 2025.
Já na apresentação do número 2 delineia-se mais explicitamente como está sendo pensado o espaço denominado ali como “inter-disciplinas”:
Figura 3 – Espaçointer-disciplinas

Fonte: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/article/view/8640606/8159.
Acesso em: 1 nov. 2025.
E assim caminhou por 30 anos, mantendo suas seções e dando visibilidade à produção que se propôs desde o início.
Na apresentação do número 14, de 2008, há a apresentação de uma nova fase da Revista que passa a ser exclusivamente online e passa a aceitar contribuições em Língua Espanhola, explicitando seu engajamento numa “política linguística que pensa o Brasil na América Latina” (Apresentação, 20089).
Outro momento histórico muito importante a destacar, neste texto comemorativo dos 30 anos da revista Rua, é o que aconteceu no ano de 2014, quando se iniciaram as celebrações dos 20 anos da Revista, por meio de publicação de três (03) edições (vol. I, de junho de 2014; vol. II, de novembro de 2014; e edição especial, de novembro de 2014). De acordo com a apresentação da revista 20/2 (nov. 2014), essas três publicações da Rua:
registram sua potência na intervenção multi e interdisciplinar nos estudos sobre os espaços em que os sujeitos habitam, moram, circulam – ou não, porque interditados –, propondo sempre que os processos de significação em jogo, nestas diferentes formas de abordar a presença/ausência dos sujeitos em distintos espaços, seja tocado (Apresentação, 201410, v. 2).
Talvez a palavra “potência” possa representar o que estava posto nos 20 anos da Revista e que ainda ressoa fortemente em nós, é uma característica que permanece. Destacamos ainda a apresentação11 do número especial da revista Rua, também dedicada à comemoração dos seus 20 anos, na qual encontramos uma reflexão sobre as primeiras décadas da revista. Nessa apresentação, a equipe editorial destaca que o lançamento dessa revista se deu de maneira ousada, desde o formato da capa, qualidade das folhas e a inovação de sua proposta “multi e interdisciplinar”, além de ressaltar que a temática da revista e o projeto editorial foram inovadores, isso permitia e permite até hoje a publicação de trabalhos de autores/pesquisadores de diversos campos disciplinares.
Destaca-se nessa apresentação também a migração da revista para o espaço eletrônico, ocorrida no ano de 2008, o que possibilita, ao nosso ver, a “adultização” da revista, colocando-a num outro patamar: o das tecnologias online, proporcionando uma maior circulação e a efetiva socialização do conhecimento. O espaço eletrônico da revista, inaugurado em 2008, trouxe novas possibilidades, desde a forma de apresentação das publicações da seção “Artes” até a forma de visualização dos dados da revista.
A revista Rua apresenta uma janela na versão eletrônica atual, intitulada “Sobre”, na qual comparecem dois quadros com os resultados das avaliações do Qualis – CAPES. O primeiro quadro remete ao último período de avaliação (2017-2020)12, no qual podemos observar as áreas nas quais se inscrevem os sujeitos pesquisadores que publicam textos nesse periódico. Nessa última avaliação, observa-se que todas as áreas alcançaram o mesmo score: A3. Já no segundo quadro, que faz referência ao período de 2013-2016, observa-se um número de áreas mais restrito, sendo que a melhor nota da avaliação é para Linguística e Letras.
Figura 4 – Imagem da tabela Qualis – Capes darevista Rua

Fonte: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/about.
Acesso em: 1 nov. 2025.
Tais quadros também ilustram um pouco da trajetória da revista Rua na história da Pós-Graduação no Brasil, posto que a CAPES avalia os periódicos em suas relações com o que é produzido nos Programas de Pós-Graduação em diferentes momentos históricos.
Os apontamentos elencados até essa parte da reflexão fornecem elementos que vão compondo a descrição da história da Rua em 30 anos, indicando a forte presença de sujeitos analistas de discurso com a função de autoria na criação, na institucionalização, na socialização e na manutenção da Rua em funcionamento. Os nomes citados são de formadores de pesquisadores no âmbito da Unicamp, mas também são nomes que são identificados na produção do conhecimento publicada no mesmo periódico. As informações coletadas no site da Rua, explicitadas aqui, demonstram que ela foi pensada para o desenvolvimento da temática ligada ao espaço urbano, no entredisciplinas, mas há que se destacar o trabalho de analistas de discurso que fazem da revista o que ela é hoje.
Divulgação, Circulação e Socialização da Ciência
A questão da circulação de conhecimento deve, segundo penso, ser considerada como elemento do processo de produção de conhecimento que envolve um conjunto de relações político - enunciativas entre Estado, cientista, sociedade e mídia [...] (Guimarães, 2015, p. 7).
No texto de apresentação da revista Rua número 13, encontramos a seguinte formulação: “periódico multidisciplinar que toma a cidade como objeto” (Apresentação, 2007, p. 1). Os autores que publicam nessa revista apresentam seus textos a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas, diferentes perspectivas epistemológicas e, inclusive, são de diferentes áreas do conhecimento. A pesquisadora Eni Puccinelli Orlandi (202513), em vídeo recente, publicado nas redes sociais do Labeurb14, enfatiza que a revista apresenta uma “multiplicidade incrível, que permite uma troca de conhecimentos a partir da linguagem”, a autora ressalta ainda o fato da revista constituir-se como um periódico que “levou o conhecimento da linguagem para vários campos de conhecimento”. É importante destacar que, ao publicar textos de pesquisadores de diferentes domínios do conhecimento, a revista propicia uma ampla reflexão da relação que essas diferentes áreas estabelecem com a linguagem.
Observamos que, no decorrer destes 30 anos da revista, sociólogos, biólogos, arquitetos, geógrafos, antropólogos, linguistas, analistas do discurso e sujeitos de diferentes áreas do saber publicam artigos científicos, resenhas, fotografias, vídeos, nos quais discutem principalmente a constituição e a circulação dos sentidos no espaço urbano, muitas vezes trazendo à baila (como na revista n. 13) artigos que abordam a questão da significação do sujeito no espaço urbano.
Neste texto, nós, que estamos em consonância com Scherer (2008, p. 140) quando a autora afirma que “história nenhuma se faz sem sujeito”, realizamos um levantamento nominal da autoria de todos os artigos publicados na revista Rua desde seu lançamento até o número 31/1 (junho de 2025). Fizemos isso a partir da consulta dos sumários de todas essas edições publicadas. Ao relacionarmos todos os autores que já publicaram na revista, alguns fatos ficaram em evidência, entre eles: a) muitos artigos são traduções de textos já publicados em revistas internacionais ou apresentados em eventos, como, por exemplo, textos dos autores Thomas Herbert15, Christine Revuz, Sophie Moirand, Norman Fairclough; b) alguns linguistas que possuem relevante e extensa produção científica trazem à tona um outro aspecto de sua produção, publicando na seção “Artes”, como, por exemplo, José Horta Nunes e Eduardo Guimarães; c) nos primeiros anos da revista, as publicações, em sua grande maioria, eram de autoria única, isto é, um autor por artigo, principalmente a partir do ano de 2007, nota-se um aumento significativo de artigos escritos em coautoria (dois, três, quatro autores por texto), prática que se tornou recorrente nos últimos anos, alguns autores, como, por exemplo, Lucília Maria Abrahão e Sousa e Dantielli Assumpção Garcia, possuem vários textos escritos em coautoria e em parceria com outros autores; d) a partir da edição n. 14, que inaugura o formato eletrônico da revista, textos em Língua Espanhola são aceitos para publicação, conforme já mencionado anteriormente, a título de curiosidade, o primeiro texto publicado em Língua Espanhola, após a definição dessa política, é de autoria de María del Rosario Millán, da Universidad Nacional de Misiones, Argentina16; e) atualmente, são aceitos textos em espanhol, francês, italiano e inglês e os resumos devem ser apresentados na língua original e em inglês; f) mais de 600 autores já publicaram na revista Rua, muitos deles mais de uma vez, como, por exemplo, Eni Puccinelli Orlandi (09 artigos - de autoria única e alguns em coautoria), Eduardo Guimarães (03 artigos, 01 resenha, 01 seção “Artes”) e Ilka de Oliveira Mota (03 artigos).
Uma ferramenta importante para conhecermos a história da revista e principalmente para conhecermos os conceitos que circulam com mais frequência na revista é o sistema de busca por “nuvem” de palavras-chave: ao passar o cursor sobre a nuvem de palavras é possível clicar sobre uma delas e acessar o sistema de busca por palavra, por autor e por período, conforme pode ser observado nas Figuras 5 e 6.
Figura 5 – Imagem de uma ferramenta de busca encontrada na página eletrônica da revista - nomeamos de nuvem

Fonte: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua. Acesso em: 1 nov. 2025.
Figura 6 – Imagem de outra ferramenta de busca disponível na versão eletrônica da revista

Fonte: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/search?query=discurso.
Acesso em: 1 nov. 2025.
Ao clicarmos na palavra “discurso”, automaticamente abre-se uma janela em que todos os textos publicados na revista que possuem a palavra discurso como palavra-chave são relacionados, conforme podemos observar nas Figuras 7 e 8:
Figura 7 – Imagem resultado de uma busca realizada no site da revista

Fonte: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/search?query=discurso.
Acesso em: 5 nov. 2025.
Figura 8 – Resultado de uma busca realizada na versão eletrônica da revista

Fonte: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/search?query=discurso.
Acesso em: 5 nov. 2025.
Na imagem exposta na Figura 8, podemos observar que 260 textos desse periódico possuem o sintagma discurso como palavra-chave. Essa busca pode ser refinada se, por exemplo, após clicarmos na palavra discurso, restringirmos o período de busca, por exemplo, de janeiro de 2007 até dezembro de 2021, nesse caso, encontraremos 63 artigos relacionados. Se restringirmos ainda mais, discurso, 2007-2021 e colocarmos no campo autor Orlandi, por exemplo, encontraremos 09 itens, sendo 07 artigos publicados pela autora e 02 artigos de outros autores.
Se pesquisarmos, por exemplo, o sintagma análise de/do discurso17, encontraremos 206 artigos em que ele se encontra como palavra-chave. Entendemos que ferramentas como essa contribuem para o acesso aos textos e, dessa forma, para a socialização do conhecimento de forma mais efetiva, já que levam o leitor a acessar de maneira mais prática e assertiva textos que possuem termos/conceitos/autores que lhe interessam. Dizer Análise de ou do Discurso atualmente é dar visibilidade para uma área da produção do conhecimento científico no campo das Ciências da Linguagem no Brasil, mas, na época de fundação da revista Rua, havia um processo de institucionalização em curso, a Profa. Eni Puccinelli Orlandi, Editora Responsável pela revista nesses 30 anos, foi a grande precursora nessa área e lutou em muitas frentes para que hoje os sujeitos analistas de discurso sejam reconhecidos em suas pesquisas. Em nosso entender, a revista Rua também contribuiu grandemente para este acontecimento histórico e discursivo: a consolidação da Análise de Discurso no Brasil.
Retomando, Mariani (2022), em citação anterior, na qual a autora afirma que praticar a Análise de Discurso na produção e circulação do conhecimento é algo da ordem do socializar é que entendemos nosso papel ao escrevermos este texto. Nos colocando no lugar de analistas de discurso que fazem/praticam História das Ideias Linguísticas, acreditamos que estamos contribuindo não só para a divulgação de uma possível historicização sobre os 30 anos da revista Rua ou a compreensão de como os saberes do/sobre o urbano são produzidos e circulam nesse periódico, mas também podemos estar contribuindo, mais uma vez, para a socialização do conhecimento.
Considerações finais
A revista foi lançada de modo ousado18. Seu formato (quadricular), sua capa (assinada por João Baptista da Costa Aguiar), a qualidade de suas folhas (de alta gramatura), colorida, tudo isso acompanhava e sustentava o principal: a proposta de um tema multi e interdisciplinar na área das ciências humanas – praticamente inexistente naquele momento. Tema absolutamente inaugural: tomar a cidade, suas múltiplas práticas, por diferentes pontos de ancoragem, levando em consideração o sujeito que nela vive (Apresentação, 201419, Edição Especial).
Ousadia e multiplicidade são as palavras que entendemos ser representativas da revista Rua. Ousadia, em referência à definição proposta pela equipe editorial da revista, na apresentação da edição especial que celebrou os 20 anos da revista. Como podemos observar na epígrafe acima, a ousadia pode ser interpretada como coragem, arrojo dos integrantes do Laboratório de Estudos Urbanos, fundado em 1992, que no ano de 1995 construíram uma proposta diferenciada para o formato da revista (tanto em termos de apresentação física do periódico quanto em termos de inovação na temática).
Já multiplicidade tomamos emprestado de Eni Orlandi, pesquisadora que é a editora responsável pela revista desde a publicação de sua primeira edição. Orlandi (2025) discorre sobre a revista e sua multiplicidade no primeiro vídeo de uma série de vídeos que falam sobre a Rua, em homenagem aos 30 anos da revista, publicado no Instagram do Labeurb, como podemos ver na Figura 9:
Figura 9 – Print do vídeo disponibilizado no Instagram doLabeurb

Fonte: https://www.instagram.com/reel/DQrZ8QSgrdG/?igsh=NDRob3A3bDR3MHl1.
Acesso em: 7 nov. 2025.
A multiplicidade da revista, apontada por Orlandi, já era referida na apresentação da revista volume II, n. 1, de 1996, quando, ao discutir a questão do espaço das inter-disciplinas, a equipe editorial traz à baila a seguinte afirmação: “é o espaço de reflexões múltiplas, tanto de seus objetos e métodos quanto de sua linguagem” (Apresentação, 1996, p. 1). Na versão impressa, a multiplicidade já era perceptível, tanto ao contemplar produções artísticas (literárias, plásticas, gráficas, imagéticas) quanto na forma de estabelecer relações com os diversos campos do conhecimento. Entretanto, para nós, essa multiplicidade é exacerbada com o advento da versão eletrônica da revista, o que faz proliferar as formas de interlocução com as diversas seções da revista, os links e hiperlinks disponíveis. Essas novas possibilidades de acesso trazem exuberância, vigor e acentuam a diversidade e a pluralidade presentes na revista. Os mecanismos de busca em forma de nuvem, as possibilidades de animação e os vídeos dão movimento ao que antes era estático.
Outra questão que consideramos importante trazer à tona ao buscarmos um efeito de fechamento para este texto diz respeito aos recortes que selecionamos para historicizar e celebrar os 30 anos da revista Rua. Os recortes que apresentamos ao longo deste estudo nos permitiram, sobretudo ao considerarmos a listagem dos autores que publicam nessa revista (produzida ao acessarmos todos os sumários), conhecer qual o lugar teórico/epistemológico dos autores que aí figuram. Cabe ressaltar que a escolha metodológica que fizemos ao lançarmos nosso olhar para as publicações de determinados sujeitos foi a mesma que fizemos ao buscarmos termos como discurso, Análise de/do Discurso e Orlandi na “nuvem”. Ao localizarmos autores analistas de discurso nessa relação, ao perscrutar seus textos, pudemos observar, por exemplo, que as temáticas abordadas por eles não ficam restritas ao discurso político (tal como foi protagonizado por Michel Pêcheux), na revista Rua, temos um belo exemplo do desenvolvimento da AD no Brasil, também pela ampliação dos temas abordados. Para nós, a revista Rua se constituiu como um espaço profícuo para analistas de discurso dialogarem com pesquisadores de outras áreas do conhecimento e principalmente para que questões relacionadas à linguagem pudessem ser discutidas a partir da AD, mas não só, conforme Orlandi (2025).
Para finalizar o que nos propomos neste estudo, elencamos algumas considerações finais, ainda que sempre provisórias:
- a fundação do novo: a Rua se propõe a fundar o novo, pois vai explorar o espaço urbano e o sujeito a partir da linguagem, a proposta é inovadora também em seu projeto gráfico;
- a institucionalização: a Rua também funcionou como publicação científica que contribuiu com o processo de institucionalização da Análise de Discurso no Brasil nos anos 1990 e a sua consolidação, observável atualmente;
- a característica de inter-disciplinas: a Rua se propõe a estabelecer relações entre diferentes disciplinas, via os estudos da linguagem, o que vai se tornando uma base sólida de sua existência através do tempo;
- a arte: a Rua traz em seu escopo a arte como constitutiva do espaço urbano, dando contornos de criatividade e poesia nas imagens que constituem cada número;
- a internacionalização: a Rua já nasce com vocação internacional, com a presença de textos traduzidos e, com o passar dos anos, vai alterando seu escopo para receber textos em línguas estrangeiras;
- a cultura material: a Rua se funda na cultura do texto impresso e vai adequando-se ao aparato tecnológico que exige a disponibilização online;
- a ousadia: a Rua, capitaneada por Eni Puccinelli Orlandi, representa a ousadia de se fazer diferente que deu certo, hoje está consolidada como um dos periódicos mais importantes para a circulação de saberes produzidos sobre o urbano e a linguagem.
Referências:
APRESENTAÇÃO. Rua, Campinas, Edição Especial, 2014. Disponível em: https://www.labeurb.unicamp.br/rua/anteriores/pages/home/lerPagina.rua?id=122. Acesso em: 7 nov. 2025.
APRESENTAÇÃO. Rua, Campinas, v. 1, n. 1, 1995. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/article/view/8638910/6513. Acesso em: 7 nov. 2025.
APRESENTAÇÃO. Rua, Campinas, v. 2, n. 1, 1996. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/article/view/8640606/8159. Acesso em: 7 nov. 2025.
APRESENTAÇÃO. Rua, Campinas, v. 2, 2014. Disponível em: https://www.labeurb.unicamp.br/rua/web/index.php?r=pagina%2Fvisualizar&id=12. Acesso em: 7 nov. 2025.
APRESENTAÇÃO. Rua, Campinas, v. 13, n. 1, 2007. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/article/view/8640801/8331. Acesso em: 6 nov. 2025.
APRESENTAÇÃO. Rua, Campinas, v. 14, n. 1, jun. 2008. Disponível em: https://www.labeurb.unicamp.br/rua/anteriores/pages/home/lerPagina.rua?id=2. Acesso em: 6 nov. 2025.
GUIMARÃES, Eduardo. Linguagem e conhecimento: produção e circulação da ciência. Rua, Campinas, v. 15, n. 2, p. 6-14, 2015. DOI: 10.20396/rua.v15i2.8638851. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/article/view/8638851. Acesso em: 7 nov. 2025.
LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy. O político na linguística: processos de legitimação e institucionalização. In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Política linguística no Brasil. Campinas, SP: Pontes, 2007. p. 11-18.
MARIANI, Bethania. As Ciências Humanas, a Análise do Discurso e o momento atual: discursos sobre ciência aberta, políticas públicas e periódicos científicos. POLICROMIAS - Revista do Laboratório de Estudos do Discurso, Imagem e Som, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 164-181, 2022.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. 2. ed. Campinas, SP: Pontes, 2005.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Entrevista com Eni Orlandi. [Entrevista cedida a] Evandra Grigoletto e Bethania Mariani. Revista da ABRALIN, [S. l.], v. 19, n. 3, p. 247-268, 2020. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1778. Acesso em: 4 nov. 2025.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Rua 30 anos. Campinas, 5 nov. 2025. Instagram: @labeurb. Disponível em: https://www.instagram.com/reel/DQrZ8QSgrdG/?igsh=enUzZGh4NmNuNzU=. Acesso em: 7 nov. 2025.
SCHERER, Amanda. Dos domínios e das fronteiras: o lugar fora do lugar em outro e mesmo lugar. In: SARGENTINI, Vanice; GREGOLIN, Maria do Rosário (org.). Análise do discurso: heranças, métodos e objetos. São Carlos, SP: Claraluz, 2008. p. 131-142.
SCHERER, Amanda. História e a memória na constituição do discurso da Linguística Aplicada no Brasil. In: CORACINI, Maria José; BERTOLDO, Ernesto Sergio (org.). O desejo da teoria e a contingência da prática: discurso sobre/na sala de aula. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003. p. 61-84.
SCHERER, Amanda; PETRI, Verli. Organon: entre a história e a memória no institucional acadêmico-científico do sul do Brasil. Organon, Porto Alegre, v. 30, n. 59, 2015. DOI: 10.22456/2238-8915.57091. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/organon/article/view/57091. Acesso em: 1 nov. 2025.
1 Docente da Universidade Federal de Santa Maria, pesquisadora do Laboratório Corpus - Laboratório de Fontes de Estudos sobre a linguagem e tutora do Pet Letras. E-mail: tais.martins@ufsm.br
2 O projeto gráfico da capa é do renomado artista João Baptista da Costa Aguiar (1948-2017), que foi responsável também pela criação e implementação do projeto gráfico e da identidade visual da Editora Companhia das Letras e da Revista Ciência & Cultura, da SBPC, para citar alguns trabalhos na área.
3 Agradecemos imensamente a leitura que a colega Profa. Dra. Claudia Regina Castellanos Pfeiffer fez desse manuscrito e por suas valiosas sugestões, todas integradas à versão final do texto.
4 A assinatura da apresentação se dá em atendimento à injunção técnica da plataforma OJS que, desde 2024, não aceita nenhum texto que não esteja assinado.
5 Cf. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/about/editorialTeam
6 O Professor José Horta Nunes, à época, era estudante de pós-graduação (Doutorado) na Unicamp. Atualmente é pesquisador do Labeurb.
7 A Professora Maria Onice Payer, à época, era estudante de pós-graduação (Doutorado) na Unicamp. Ela é uma das fundadoras da revista Rua e integrou a Secretaria de Redação do periódico por um longo período de tempo.
8 A fonte consultada não é paginada.
9 A fonte consultada não é paginada.
10 Disponível em: https://www.labeurb.unicamp.br/rua/web/index.php?r=pagina%2Fvisualizar&id=3. Acesso em: 6 nov. 2025.
11 As avaliações desse período são válidas até 2025, quando o sistema Qualis Periódicos da CAPES, em seu formato atual (classificação de revistas por estratos, como A1, B1, etc.), deixará de existir. A Avaliação Quadrienal (2025-2028) dos Programas de Pós-Graduação contemplará as produções científicas, verificando a classificação individual de cada artigo publicado, diferente do sistema anterior que avaliava o periódico no qual o artigo foi divulgado.
12 A fonte consultada não é paginada, pois é um vídeo.
13 Disponível em: https://www.instagram.com/reel/DQrZ8QSgrdG/?igsh=NDRob3A3bDR3MHl1.
14 Texto “Observações para uma teoria geral das ideologias”, assinado por Michel Pêcheux sob o pseudônimo Thomas Herbert, publicado originalmente em 1967.
15 Na edição n. 2, publicada de maneira impressa, há um texto em Língua Espanhola, de autoria de Silvia Molina y Vedia. Entretanto, é na edição n. 14 que essa política editorial é incluída formalmente.
16 Acreditamos ser importante trazer à memória que Orlandi (2005), em uma nota de rodapé, na obra “Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos”, justifica sua preferência pela forma “Análise de Discurso” a “Análise do Discurso”. Para a autora em nosso caso (considerando a Língua Portuguesa), “Análise de Discurso produz melhor esse efeito de discurso tomado no geral, como objeto e não como um discurso (do discurso político, do discurso jurídico, etc.)” (Orlandi, 2005, p. 55). Cabe ressaltar aqui que hoje as duas formas são consideradas em funcionamento, tanto na revista Rua quanto no âmbito da AD.
17 Grifos nossos.
18 A fonte consultada não é paginada.
19 Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Associada IV da Universidade Federal de Santa Maria.. E-mail: verli.petri72@gmail.com.