Três experimentos escolares e 2013: um primeiro contato, um erro e uma assessoria


resumo resumo

Frederico Canuto



Sobre escolas e a pesquisa

 

De 2014 a 2018 a pesquisa "Urbanismo de Guerra: Narrativas de 2013-2014"[1] construiu um quadro não apenas das chamadas jornadas de junho de 2013, momento em que as ruas foram ocupadas por protestos por todo o Brasil prestando especial atenção a Belo Horizonte, mas também dos desdobramentos de potenciais iniciativas cidadãs a partir deste acontecimento, pontuando estratégias e táticas democráticas para a produção de novos espaços sociais de diálogo e exercício de cidadania.

Entretanto, pensar 2013 significa levar em conta o tempo comprimido que ele foi. 2013 teve no mês de junho o seu momento mais energético, sendo que reverberações contaminam o ambiente político institucional e a sociedade civil até hoje. Milhares de pessoas tomaram os espaços públicos e as ruas em manifestações populares gigantescas nos principais centros das grandes cidades brasileiras. Em junho, tal movimento foi construído em torno da contestação em São Paulo do aumento de 20 centavos na passagem de transporte público, espraiando-se por outras cidades logo em seguida, sempre com o mesmo tema. Nos outros meses, uma vez que as prefeituras e governos estaduais pelo Brasil afora cancelaram os aumentos de passagem devido a tal pressão popular, as pautas de reinvindicação proliferaram-se, fazendo com que houvesse um aumento exponencial do número de pessoas na rua assim como de suas pautas. Transformando-se no maior movimento popular no Brasil desde o Diretas Já em meados dos anos 80, após mais de 20 anos de governo ditatorial militar, tal evento tornou-se epicentro de uma disputa simbólica pelo que significa democracia bem como os limites da mesma. Ao mesmo tempo, pra além do que 2013 significa ou do que aconteceu nestes meses, 2013 também é seus antecedentes pois é momento de visibilidade máxima de uma luta política e de experimentações democráticas que já vinham ocorrendo no Brasil no esteio de governos populares de esquerda na América Latina e do rompimento da bolha imobiliária em 2008.

E as ocupações das escolas e universidades por estudantes durante os anos de 2015 e 2016 dentro da pesquisa apareceram justamente como desdobramentos de 2013. Tomando tanto as ocupações das escolas estaduais paulistas pelos estudantes secundaristas de São Paulo em 2015 contra a reforma do ensino público sem lastro ou discussão popular por parte do governo estadual, como as ocupações das escolas e universidades do país em 2016 contra a Proposta de Emenda Constitucional 241 que congelou investimentos em educação e saúde por 20 anos são acontecimentos análogos e devedores de 2013 pois são equivalente em sua potência democrática de um forma mais popular de se fazer política, eliminando representações institucionalizadas e dando legitimidade ao agir diretamente sobre o espaço. Tomando a democracia pelo seu inerente paradoxo – definida como prática representativa como dada pela ação direta – (MOUFFE, 2009), as manifestações de rua de 2013 colocam tal ambiguidade visíveis e a flor da pele do Estado, que somente conseguiu reagir usando de violência.  No entanto, por terem sido movimentos horizontais de liderança distribuída[2] e terem um foco bem definido - a reforma do currículo e posição contrária à PEC241 como já dito - conseguiram ser um passo adiante frente a 2013 e sua explosão de pautas: uma melhor organização e efetividade, visto que duraram por muito mais tempo - meses até - do que as breves semanas de junho, além de, no caso paulista, conseguirem seu objetivo que foi o cancelamento da reforma.

A ocupação das escolas mencionadas anteriormente tornou-se parte da pesquisa "Urbanismo de Guerra: Narrativas de 2013-2014" e ao mesmo tempo uma pesquisa independente denominada "Escolas como Agentes de Planejamento Urbano" a partir do momento que tais acontecimentos foram pensados como uma nova perspectiva para o planejamento urbano das cidades. Obviamente, já existem muitas pesquisas em desenvolvimento que discutem a juventude como motor de novos horizontes de cidadania devendo isto ser gestado dentro das escolas; assim como outras que mostram tais movimentos populares surgidos dentro da escola e que continuam independente da mesma, como é o caso do MPL (KUNSCH, 2013). Mas para a pesquisa sobre as escolas, o objetivo aqui foi colocar em relevo como a mesma enquanto institucionalidade, mas também espaço de convergência de iniciativas que acontecem apesar dela - portanto, tanto devido ao seu currículo como pelo chamado currículo oculto por Annette Krauss[3] - é capaz de arregimentar conhecimento para práticas de planejamento e gestão urbanos numa dimensão localizada. Se as ocupações escolares conseguiram cumprir objetivos, imaginar o seu papel se tal iniciativa fosse de interesse recorrente à escola é o horizonte desta pesquisa.

A fim de mostrar tal potencial escolar, Kunsch (2013) expôs um quadro excepcional de experiências escolares no Brasil que buscam construir outras formas de conhecimento a partir de uma outra relação com o território e que podem servir aqui de base para direcionamentos. Excepcional não apenas pelas qualidades, mas também pela própria exemplaridade ou singularidade de tais acontecimentos, visto que dependem de um contexto e de contingências que não podem ser calculadas, mas apenas compreendidas numa cartografia interessada em entender o fenômeno social como compreensão processual e não descrição final (LATOUR, 2012). Movimentos sociais como o Movimento Passe Livre, surgido no interior das escolas secundaristas, ou escolas indígenas e escolas como a Florestan Fernandes dentro do Movimento dos Sem Terra sustentados pela escola que resguarda e produz conhecimento para agir na manutenção de uma tradição ou transformação do mundo respectivamente são apenas alguns dos exemplos. Acabam por se tornar referências não apenas como escolas, mas também como equipamentos de interesse público e como ponto nodal de luta pelo que é público.

Assim, após este breve contexto do potencial das ocupações escolares, serão apresentadas questões relacionadas a algumas delas na cidade de Belo Horizonte, mais especificamente na regional do Barreiro, e uma metodologia de pesquisa aplicada que visou, durante os anos de 2016 e 2017, mostrar tais potencialidades democráticas. Uma vez exposto este quadro, tais questões abertas serão discutidas a partir de três experimentações produzidas no contexto da pesquisa "Escolas como Agentes de Planejamento Urbano" somada à disciplina “Oficina de Planejamento Urbano: Problemas de Planejamento e Ocupação de Sub-bacias” lecionada no curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura da UFMG. Assim, a partir da relação entre pesquisa institucional, caráter extensionista e desdobramento no ensino, tais trabalhos servirão de subterfúgio para se pensar os modos pelos quais as estratégias criadas por movimentos e iniciativas cidadãs no contexto de 2013 relacionados à democracia podem ser absorvidos e utilizados nas escolas, repensando-as como equipamentos de interesse público e, mais amplamente, agentes de planejamento urbano.

 

Escolas em Belo Horizonte

 

No que diz respeito a políticas públicas educacionais e mesmo às indiretamente relacionadas, tanto o município de Belo Horizonte com os programas ecoescola[4] e escola aberta[5], assim como o estado de Minas Gerais com escola integrada[6], mostram que o potencial político da escola é percebido pelo poder público. Os objetivos de tais programas são manter um diagnóstico sócio-ambiental da escola em relação a seu entorno, abrir a escola ao uso pela comunidade e discutir o próprio modelo de gestão do edifício e seu currículo em relação a cidade respectivamente. No entanto, ainda que haja tal permeabilidade entre o público interno - alunos - e externo - moradores da localidade e mesmo a cidade - , a escola serve principalmente a questões, discussões e produções internas. A escola não promove ou organiza a multiplicação de agentes sócio-espaciais bem como de iniciativas no âmbito da cidade, ficando na maioria das vezes restrita ao próprio edifício escolar e seu alunado. Numa conversa com a diretora da escola Aires da Mata Machado na regional do Barreiro em Belo Horizonte fica claro tal potencial e ao mesmo tempo limitação programática. Como ela coloca, existem demandas enormes por parte de moradores do entorno e vizinhança que veem na escola como lugar onde tais desejos podem ser escutados e mesmo resolvidos pois os moradores veem a escola como o equivalente à presença de políticas sociais promovidas pelo poder público. No entanto, por uma limitação do currículo escolar, do edifício, de condições de trabalho de professores, diretoria e funcionários e a abrangência e objetivos da própria política pública materializada na escola, não há possibilidade de tomar para si tal responsabilidade. Tais demandas sempre ficam jogadas ao vazio, sendo algumas vezes discutidas mais por uma vontade individual de professores ou funcionários do que devido a uma responsabilidade institucional.

Assim, não há condições para que a escola, para além de exercícios internos propostos por professores e aberturas ao público, possa ser também um agente agregador e estimulador de iniciativas coletivas na localidade, se transformando numa referência não apenas em termos de alfabetização, mas de produção de cidadãos. E essa é a questão central: a construção de uma escola que, para além de formar indivíduos para viver no mundo e reproduzir relações sociais cotidianamente vividas caracterizadas por uma separação entre economia e política tal como a capitalista, se proponha a ser ponto de virada porque politiza tanto seus alunos, como também o que está além dos muros, que é a cidade.

 

Águas urbanas e Belo Horizonte

 

Ao mesmo tempo em que a escola é o ponto a partir do qual experimentos foram desenvolvidos, percebeu-se a necessidade de um recorte territorial que potencializasse tal pensamento sobre iniciativas locais. E no caso do contexto da pesquisa e da disciplina que a acompanhou, o recorte se deu a partir da questão das águas urbanas.

Águas urbanas como tema se deu não porque foi interesse pensar as águas no contexto da cidade. O termo urbano - advindo de uma leitura muito própria de Henri Lefebvre (2000) que o define como sociedade virtual que está para além da sociedade industrial e capitalista - caracteriza as águas nesta pesquisa que em contextos citadinos ou rurais fazem parte de um sistema de produção capitalista que tem no espaço seu dispositivo de distribuição e organização de poder. Ou seja, as águas urbanas são aqueles rios e córregos canalizados cujas nascentes muitas vezes se encontram em regiões rurais mas que têm rebatimentos na cidade ou vice-versa, constituindo-se assim em rede de organização territorial. Áreas onde se localizam nascedouros de água, vivem sob a pressão do tecido urbano que quer transformar toda a superfície da terra em área produtiva capitalista. Águas que hoje são disputadas pelo mercado de commodities, desejosos de privatizar e lucrar com seu acesso são o contexto de trabalho. As águas urbanas são centrais na capitalização total da vida, sendo assim objeto não apenas de economia ou gastança, mas de disputa política seja no mundo material, seja no imaginário da sociedade.

Sendo assim, abandona-se a abordagem escolar pouco politizada e centrada numa ideia científica de processos desumanizados em livros de aprendizado das escolas (ARIZA, 2016) e parte-se para uma ideia de cartografia das águas a partir dos diversos agentes socioespaciais interessados, procurando estabelecer pontos de vista e modos de pressionar e agir. O centro da discussão é o uso e acesso aos recursos hídricos bem como infraestruturas relacionadas a eles como abastecimento, saneamento e drenagem urbana.

Procura-se assim a partir da escola recompor o fio de Ariadne do planejamento e manejo das águas perdido entre as organizações federais e os comitês de bacias hidrográficas[7] e mesmo repensar novas formas mais abertas e próximas de pensar tal gestão junto, contra ou a despeito do poder público, como afirmado por Margarete Silva (2013).

 

Metodologia

 

Ainda que não haja uma escola em específico com a qual se trabalhou, mas um conjunto delas, a metodologia aplicada pautou-se em, primeiramente, escolher as escolas numa região segundo o critério da relação escola e águas urbanas a partir de uma dimensão técnica, mas também política na cidade de Belo Horizonte.

E no caso desta cidade, uma das áreas que tem nas águas urbanas uma de suas maiores questões assim como uma sub-bacia de grande relevância e com questões bem generalistas e que podem ser replicadas a outros lugares é a regional Barreiro, mais especificamente a área conhecida como Barreiro de Baixo. Nesta localidade há várias situações específicas relacionadas à ocupação dos espaços - áreas formais, ocupações urbanas, assentamentos informais, importância metropolitana devido `à proximidade de cidades como Ibirité e Contagem - e outras relacionadas à dimensão hidrológica, a saber, a sub-racial - solo impermeável, ocupação de encostas, intervenções municipais, vazios, enchentes, deslizamentos, não recolhimento de resíduos, problemas de abastecimento, drenagem e saneamento. O Barreiro de Baixo possui 15 escolas e é composta de duas grandes sub-bacias - Olaria e Jatobá. No mapa abaixo, pode-se ver a ocupação Eliana Silva no Barreiro e na parte mais baixa, o córrego do Jatobá

Figura 01. Ocupação Eliana Silva.

Fonte: COAU - Corporação de Ofício de Arquitetura e Urbanismo

 

A região já passou por uma série de intervenções por parte da prefeitura com o objetivo de melhoria da drenagem urbana e saneamento. No caso do Barreiro, foram a construção da bacia de retenção do Olaria e a canalização - e tamponamento em alguns trechos - tanto do Olaria como do Jatobá. Claramente, como bem se sabe, resolver problemas de drenagem não se faz canalizando e tamponando rios, diminuindo permeabilidade do solo em áreas adensadas e ocupadas, mas sim dando espaços ao rio para que seus tempos naturais tenham espaço para ocorrer. Nem mesmo se faz construindo bacias de retenção, que tem problemas relacionados a vazão e capacidade de retenção por problemas técnicos cuja causa é sinônimo de discussões acaloradas dentro do poder público associada a uma não continuidade de programas como o DRENURBS[8].

Além disso, a regional barreiro tem associações da sociedade civil bastante engajadas, com exemplos que serão expostos mais à frente, assim como escolas municipais bastante envolvidas ou desejosas de um envolvimento com o território onde se localizam, o que significa uma potencial gestionário das águas que pode se dar localmente.

Num segundo momento, a metodologia aplicada pautou-se em considerar desconsiderando a escola. Tal paradoxo foi posto assim: considera-se a escola tendo em vista sua localização na sub-bacia e interlocutores relacionados como moradores e funcionários; desconsidera-se a mesma tendo em vista a realidade interna no que tange a currículo e procedimentos pedagógicos internos. Interessa à pesquisa a escola como articuladora de uma vida que ocorre em sua vizinhança e não no que ocorre junto a alunos, direção e matriz curricular. Tal separação foi feita porque o objetivo não é tanto criar procedimentos ou estratégias pedagógicas junto a professores no que diz respeito ao conhecimento produzido internamente pelo e para os alunos, mas sim usar da escola e de seu status simbólico-institucional de um poder público presente (seja município ou estado) como dispositivo provocador de uma sensação de vizinhança.

Portanto, o argumento é que ainda que em 2015 e 2016 os secundaristas tenham ocupado escolas, é preciso ocupar também as proximidades da escola e com outros que não somente os alunos. A hipótese, não nos esqueçamos, é de que a escola pode fazer convergir uma série de iniciativas para promover um pensamento planejador local e isto não se faz somente com alunos. É nesse limiar que se pretendeu agir nesta pesquisa.

 

Experimentos

Lixo: um primeiro contato

 

Um dos principais problemas relacionados à drenagem urbana na regional de estudo diz respeito ao lixo jogado nas ruas, especialmente nas áreas mais baixas ou fundos de vale, lugares para onde são direcionadas as águas das chuvas devido à topografia e à ocupação humana. Com as bocas de lobo entupidas pelo lixo nas ruas e o fato dos lixos de outros lugares serem carregados pelas chuvas para este local, há também um entupimento das estreitas galerias de água pluvial. Junto a isso, há ainda o fato de que a canalização e tamponamento do córrego Jatobá junto à impermeabilidade do solo fazem a água acumular de tal maneira que esta área fica sobrecarregada, inclusive sendo uma das áreas mais sensíveis tanto devido a casos conhecidos contados por moradores[9] como devido a instrumentos como a carta de inundação (a área azulada)[10] já apontarem tal fato.

Figura 02: Carta de Inundação da regional Barreiro. Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte.

Uma vez que a prefeitura não consegue recolher tal lixo e até mesmo os moradores, sem conhecimento da complexa rede hidrológica que perpassa a sub-bacia em que habitam, despejam rejeitos pela rua, fica inviável resolver ou pelo menos atenuar tal problema com uma solução apenas técnica.

Dada tal situação, respostas rápidas a tais problemas por parte do poder público poderiam ser desde renaturalização do córrego do Jatobá e permeabilização da área lindeira em 15 metros em cada margem, tal como coloca a legislação sobre cursos d'água; ou mesmo a proibição das pessoas de jogar seus resíduos sólidos nas ruas; ou ainda a reorganização dos horários e itinerários de recolhimento de lixo na região numa discussão junto à prefeitura municipal e à secretaria de limpeza urbana. Todavia, os problemas relacionados a tais respostas são desde ao fato de que a direção da política pública relacionada às águas urbanas nas últimas gestões municipais segue cada vez mais para o sentido oposto ao necessário, com rios sendo canalizados e a falta de uma política pública para a questão; ou ainda o uso da educação urbana como instrumento travestido de infantilização no que diz respeito às águas, onde a sub-bacia nunca é assunto tocado em livros escolares ou mesmo em peças institucionais e quando o é, sem discussão da presença humana; ou uma política de limpeza pública incapaz de dar conta sozinha e sem as intervenções anteriores de tal problema.

Além disso, de nada adianta uma série de intervenções advindas do poder público que não tentam construir qualquer lastro com a população, sem construir parcerias concretas visando uma conscientização ou uma gestão compartilhada do território. Ainda que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas tenha nesta região agentes - cuidadores de nascente - cujo objetivo é potencialmente fazer tal conexão entre poder público e população, estes são poucos, mal reconhecidos e nem pagos. Ou seja, tal parceira não se viabiliza como política pública, ainda que haja um desejo de alguns moradores.

Ao mesmo tempo, nesta mesma região percebeu-se dentro da Oficina de Planejamento Urbano: Problemas de Planejamento e Ocupação de Sub-bacias que existe uma economia política dos resíduos sólidos na medida em que há catadores de lixo organizados em cooperativas que recolhem tal lixo em lugares muito específicos. Mais ainda, os catadores de lixo são normalmente moradores da região, o que significa que são reconhecidos por seus vizinhos, o que se tornou uma questão central para o entendimento do lixo e de sua relação com as águas. Muito dos lugares que mais sofrem com o lixo são lugares não servidos pelos catadores porque muitos trabalham no Barreiro mas em regiões mais distantes pelo medo do estigma que o fato de ser catador carrega e que pode trazer em suas relações pessoais.

Assim, entendeu-se que lidar com o lixo não significa apenas recolhê-lo, mas fazer os moradores compreenderem que tal lixo tem valores diferentes para uns, outros e mais ainda para a cidade. Foram produzidas então no âmbito da pesquisa "Escolas como Agentes de Planejamento Urbano" panfletos como a figura 03 em que nomes de catadores eram dados, histórias eram contadas a partir destes catadores, o reconhecimento destes agentes era visibilizado e elas explanavam a necessidade dos moradores em cuidarem de seus lixos, acondicionando-os da melhor maneira possível e no lugar correto para que fossem recolhidos e contextualizando tal questão no território da sub-bacia, explicando a relação entre as águas, o lixo e o território. A cartilha foi concebida como um dispositivo que deveria ser entregue ao morador pelo catador para que ambos se reconhecessem. E esta deveria ser continuamente produzida pela própria escola, que seria o centro nervoso em que tal informação seria gerada.

Na figura 03 o morador / catador Gilberto desenhado está no centro do panfleto, com setas e textos explicando que ele é morador do Vale do Jatobá e que tem como itinerário o seu bairro e o Mangueiras. Portanto, para se aproximar de seus vizinhos, ele é apresentado como um trabalhador que também é morador. Na parte mais baixa do panfleto, são dadas informações a respeito da necessidade do lixo estar corretamente acondicionado caso contrário, impede o escoamento das aguas no período de chuvas.

Figura 03: Panfleto. Fonte: Pesquisa Escolas como agentes de Planejamento Urbano.

Ainda que muitos catadores tenham se negado a tal experimentação por medo do preconceito que tal visibilização traria, outros poucos se disponibilizaram a tal exposição. Isso significou redimensioná-los não mais como garis ou catadores, mas sim como agentes de saúde pública, tal como a demanda dos garis do Rio de Janeiro do Círculo Laranja surgida durante a greve dos mesmo em fevereiro de 2014. Ao decidir cruzarem os braços e exigir aumento de salário, melhores condições de trabalho e outros benefícios durante o carnaval, período anual em que o lixo produzido pela cidade aumenta consideravelmente, os garis numa mobilização autônoma e independente de sindicatos (que inclusive se colocaram contra eles), se organizaram enquanto movimento social e fizeram exigências. Tornaram-se visíveis com seus corpos ao irem as ruas, abdicando num primeiro momento de representações coletivas institucionalizadas e cooptadas como sindicatos. Mais ainda, ao exigir sua renomeação, o que colocaram em jogo é sua posição, saindo de uma invisibilidade e afirmando sua importância numa organização do lixo e da saúde pública que vai o recolhimento até a relação destes rejeitos com a saúde.

Especificamente no que diz respeito a tal mudança de nomeação, que num primeiro momento pareceu ínfima, tais profissionais tiveram o seu lugar reposicionado no imaginário da cidade do Rio de Janeiro. Não apenas catam lixo, mas pessoas que se organizam e cuidam da saúde de todos. Na cartilha apresentada na figura 03, o objetivo era o mesmo: colocar o catador como morador, portanto alguém que está nas ruas e não membro de organizações de classe que faz reinvindicações junto a órgãos de classe, e como responsável dentro de uma cadeia de produção, distribuição e descarte do lixo e sua relação com a saúde pública. Analogamente a 2013, o objetivo foi fazer um questionamento político para além de representações democráticas, fazendo (in)surgir no imaginário das pessoas novas posições na sociedade, novas regulamentações, novos nomes e organizações sociais.

A partir deste PRIMEIRO CONTATO, a escola foi provocativamente repensada como o local não apenas onde tais panfletos poderiam vir a ser retirados, mas lugar onde tal informação seria repassada e exposta para que toda a comunidade daquele local entendesse como o contexto do lixo relaciona-se com a água. A escola seria o lugar onde estes participariam da vida em comunidade como agentes de saúde pública que são e se tornaria local onde uma educação urbana emergiria contra um dos principais problemas da bacia relacionados ao lixo.

 

 

Parque: um erro

 

Na área do Barreiro de Baixo há o Parque Ecológico Vida e Esperança do Tirol, atualmente fechado devido a um contingenciamento financeiro da prefeitura que afeta todos os parques da cidade. Mais do que isso, o sucateamento da fundação municipal de parques e praças durante o governo municipal comandado por forças de minimização da figura do Estado vem justamente pra mostrar o desejo neoliberal de destinação dos bens públicos à gestão privada tendo em vista que o argumento é de que o Estado não é capaz de arcar com os custos de manutenção.

Se for vista a relação entre parque e o restante do tecido urbano construído no entorno, percebe-se como tal área responde a um espaço verde inexistente na região, por isso tornando-se objeto tanto de uma pressão imobiliária a fim de torná-la terra produtiva via loteamento e/ou construção de edifícios verticais, como da população em manter tal área como lugar de lazer. Para a sub-bacia, é uma área importante (figura 04), pois nela há duas nascentes e um curso d'água que deságuam no córrego do Jatobá que, por sua vez, em dia de chuvas, aumenta enormemente a vazão de águas. Assim, este parque não é apenas ponto inicial de um curso d'água, mas lugar que auxilia na captação da água durante as chuvas devido a sua área permeável. Mantê-lo como área vazia é imprescindível para a não piora de um frágil equilíbrio ecossitêmico no local causado pela ocupação já consolidada.

Figura 04: Parque Ecológico Vida e Esperança do Tirol. Fonte: Google.

No caso do Parque Ecológico Vida e Esperança do Tirol, moradores organizados já atuam cuidando do parque, tendo a Associação Comunitária Vida e Esperança do Tirol tomando frente de todo o processo segundo sua presidente Marlene Lana. Ainda segundo a mesma, estes têem até mesmo a chave de acesso ao parque, que por sua vez deveria estar sempre de posse do poder público. Ainda assim, há de se mencionar o fácil acesso ao parque pulando o muro. Obviamente que tal manutenção e cuidado não são possíveis para uma associação ou uma ONG como a Macabi que atua na região, mas é um indício de desejo democrático, como pode-se ver tanto em reuniões articuladas pelos moradores - como a realizada em 22 de  junho de 2017 com a presença da 12a Companhia da Polícia Militar, Fundação de Parques de Belo Horizonte (PBH) e comunidade - como em caminhadas, plantios e oficinas realizadas no local, tendo apoio da própria fundação mais recentemente.

Se pensarmos em espaços abandonados pelo poder público que se tornam objetos de cuidado por parte da população organizada, tem-se aí uma discussão a respeito do que é comum: aquilo que é público sendo que tal noção de público não necessariamente passa pelo poder público, institucionalidade representativa do povo (HARDT, NEGRI, 2017). Se for tomado aí o exemplo do que ocorreu em Belo Horizonte, tal dobra mostra linhas de fuga democráticas que chegam a potencialmente este parque. E como ponto inicial, esse é o caso do Espaço Comum Luiz Estrela e o Parque Jardim América.

Sobre o primeiro:

 

No dia 26 de outubro de 2013, um grupo de artistas e ativistas de Belo Horizonte ocupou um casarão histórico, de propriedade do governo estadual, que estava abandonado há 19 anos. A abertura do emblemático casarão, um marco para a cidade, dava início ao Espaço Comum Luiz Estrela, criado com o objetivo não apenas de salvar o imóvel tombado da total deterioração, mas também de se converter em um espaço livre de formação artística, aberto e autogestionado. Desde então, o prédio da Rua Manaus, número 348, vem recebendo em seu pátio externo uma série de atividades culturais.[11]

 

 

Tal espaço hoje vive de doações em crowdfunding online[12] e entre os membros dos grupos artísticos que ali se utilizam. Além disso, conforme colocado em entrevista junto a uma das arquitetas responsáveis pela restauração do casarão, de ali de dentro uma série de iniciativas foram gestadas para abrir o casarão ao lado de fora, cumprindo sua missão coletiva / comum: sarau de poesia, promoção de oficinas a população da cidade, feiras de alimento orgânico e artesanato assim como peças de teatro criadas e feitas pela companhia de teatro e em fevereiro, durante o carnaval, o blocomum.

Mas mais importante é o fato de que em dezembro de 2013, numa parceria firmada entre governo do estado de Minas Gerais, Ministério Público e os membros da ocupação, aos últimos foi dada a responsabilidade reconhecida pelo Estado de gerir o espaço, fazendo nele tanto as obras emergenciais necessárias assim como a própria revitalização do antigo edifício, abrindo assim um precedente pouco comum nas cidades brasileiras, o imóvel se tornou legalmente posse de um movimento de ocupação.

Já o Parque Jardim América não se encontra em estágio tão avançado quanto o Espaço Comum Luiz Estrela e não tem o momento / acontecimento 2013 como contexto facilitador de tal delegação de responsabilidade como aconteceu, mas apresenta possibilidades que apontam para o mesmo horizonte. Como colocado na página de facebook do próprio movimento pelo parque:

 

 

 

(...) surgiu em 2011 com participação de moradores vizinhos a chácara após tomar conhecimento através do DOM (Diário Oficial do Município), do processo de pedido de licenciamento para o desmatamento da área verde com o objetivo de implantar um empreendimento imobiliário, tendo como interessada a construtora Masb.

 

Diante dessa informação os moradores fizeram um abaixo assinado e encaminharam ao Ministério Público de Minas Gerais, bem como a Secretária Municipal de Meio Ambiente, a fim de demonstrar a importância ambiental da área verde em questão, que apresenta vegetação expressiva com espécimes arbóreas de grande porte (árvores centenárias), e grande valor histórico por ser a última área remanescente da extinta fazenda das Goiabeiras que deu origem ao bairro em 1929.[13]

 

Ainda que o parque não se configure como um espaço comum aos moldes do anterior, tal espaço a partir de uma rede de apoio constituído por MAMBH- Movimento das associações municipais de BH, Mata do Planalto, MOC – Movimento de organização comunitária, ACSCD – Associação cultural social comunitária, Fundação Relictos, Projeto Manuelzão, ACPC – Associação Comunitária Prado e Calafate, Brigadas Populares, Grupo de pesquisa Indisciplinar/UFMG e Parque Augusta/SP já se encontra existente ainda que não institucionalmente reconhecido. Blocos de carnaval, passeatas, caminhadas pelo parque entre outros eventos são meios de tornar o Parque Jardim América numa realidade.

Voltando ao Parque Ecológico Vida e Esperança do Tirol, junto à ONG Macabi a Escola Municipal Helena Antipoff já cede o espaço para reuniões e processos de sensibilização e mobilização da população frente aos desafios inerentes ao desejo de se cuidar do parque. Portanto, se de um lado há uma associação de moradores cuidando do parque e de outro, uma escola junto a uma ONG atuante da bacia como um todo, o diagnóstico foi centrado na ideia de que bastaria uma convergência de interesses e forças. E a escola aí torna-se elemento central pois ela seria instituição do poder público ao mesmo tempo que articuladora de iniciativas locais interessadas em tomar o parque como espaço comum.

No âmbito da Oficina de Planejamento Urbano: Problemas de Planejamento e Ocupação de Sub-bacias, houve tentativas de se construir tal sinergia através da Escola Estadual Ministro Alfredo Vilhene Valadão, por esta ser mais próxima e já pública, agregando ainda mais forças políticas. No entanto, a diferença entre a esfera municipal, da fundação municipal de parques e praças, em relação a estadual, da escola, juntamente com uma pouco disposição da segunda em relacionar-se com o território fez com que este experimento resultasse em UM ERRO. Ao invés de usar a escola já articulada - o caso da escola municipal Helena Antipoff - e potencializar iniciativas locais, a decisão em tentar articular mais atores ao processo resultou infrutífera. Isso aponta por um lado para o fato de que quanto mais local for a iniciativa e menos agentes políticos e mais agentes socioespaciais dela participarem, maiores as chances de tais se transformarem em reais movimentações cidadãs.

Por outro lado, há de concordar com a crítica de Brenner (2016) a respeito desse elogio do local. Em se texto ao analisar a relação entre as práticas de urbanismo tático – aquelas práticas de intervenção efêmeras ou não no espaço da cidade surgidas em pontos locais, num contexto de crise de governança e planejamento em âmbitos mais complexos – e sua ineficácia em interferir em processos maiores de planejamento da cidade, ele aponta como práticas precisam ser multi-escalares. Ou seja, articular participação coesa local com interferência em processos de decisão maiores que ocorrem em instâncias representativas. Foi assim que o espaço comum Luiz Estrela foi possível em 2013: coesão local com negociação institucional em um contexto de alta energia nas ruas por mais democracia.

Ocupações: assessoria

 

Na área do Barreiro de Baixo, na sub-bacia do córrego do Olaria há uma série de terrenos ocupados por uma população sem teto na cidade de Belo Horizonte, como mostra o mapa abaixo: Camilo Torres, Irmã Dorothy, Eliana Silva, Nelson Mandela e Paulo Freire, conforme exemplificado na figura 05. Estes são organizados e assessorados pelo MLB - Movimento de Luta nos Bairros, vilas e Favelas de Minas Gerais junto a grupos de pesquisa de universidade públicas e outras organizações não governamentais.

Figura 05: Ocupações no Barreiro e escola Itamar Franco. Fonte: Google.

 Dentro da disciplina Oficina de Planejamento Urbano: Problemas de Planejamento e Ocupação de Sub-bacias descobriu-se que a escola Municipal Presidente Itamar Franco já tem uma relação intensa e frutífera junto às ocupações, tanto trazendo para seu espaço como alunos e parceiros muitos dos jovens que moram nestas, como agindo no maior problema que ela tem: legitimidade junto não apenas aos moradores do bairro, mas principalmente à prefeitura e suas políticas públicas que demandam endereço e reconhecimento legal da terra. Assim, a escola vem ajudando em processos como a instalação de uma rede de abastecimento e saneamento de águas junto à COPASA no local, assim como junto aos correios no que diz respeito ao recebimento de correspondências.

Tomando a sub-bacia como território de análise, tem-se que uma das questões mais preocupantes diz respeito ao fundo de vale no espaço central das ocupações. No período de chuvas, este fundo de vale por ser uma área muito permeável porque não ocupada devido a uma conscientização / mobilização junto aos diversos membros da ocupação torna-se, por outro lado, lugar para onde podem convergir as águas advindas dos pontos mais altos. Assim, tão importante quanto manter tal área vazia, é manter seu entorno permeável minimamente. E para que isso ocorra, é preciso uma aproximação entre aqueles que estão mais próximos da área mais baixa - a população das ocupações - e aqueles nas áreas mais altas - o entorno.

Para tal, descobriu-se a existência de um projeto de uso da rotatória veicular existente na via perimetral que corta e dá acesso à escola e às ocupações, como visto abaixo. Ainda que este espaço seja um depósito de lixo justamente porque não é ocupado por nenhum de seus vizinhos, sua transformação em espaço de encontro tornou-se argumento para uma intervenção. Tornar este espaço um espaço de encontro entre a ocupação e o entorno para que o segundo possa reconhecer o primeiro não como uma ameaça, mas como um vizinho tornou-se central.

Figura 06: Escola Itamar Franco e rotatória. Fonte: Google.

Assim, no contexto da pesquisa, o programa municipal "Adote o Verde" foi pensado como política pública que poderia auxiliar nesta iniciativa sendo que uma vez adotada, poderia permitir legal e legitimamente a ocupação do espaço. A escola seria a propositora de tal política e sua aplicação seria construída junto a sua parceria já existente com a ocupação.

Impressionou-nos ao participar dos eventos que ocorrem dentro da escola sua capacidade e abertura democráticas, tanto tendo em vista sua já colocada disposição em discutir e auxiliar a ocupação como também nas assembleias e em outros ajuntamentos organizados para se tomar decisões como Câmara Mirim e Orçamento Participativo Adolescente, ambas iniciativas que encontram lastro ou origem na câmara dos vereadores e no poder público executivo municipal, respectivamente. Entretanto, também causou espanto perceber que tais iniciativas internas e que têem lastro junto à ocupação não são percebidas como potentes em sua dimensão espacial. Assim, mais ainda o que foi percebido foi a necessidade de se dar início a um processo de ASSESSORIA técnica, visto que a questão não é ajudar ou ensinar algo, mas apontar horizontes onde suas lutas podem ser melhor organizadas e serem mais efetivas.

Além de indicar na assembleia da escola a possibilidade do que a adoção da rotatória em frente à escola via Programa Adote o Verde pode gerar, foram criadas cartilhas para que se tornasse uma possibilidade visível a ocupação daquele espaço. Ainda que em estágios iniciais, elas já apontam uma possibilidade via mobilização que ali, já existe e é base para a relação profícua entre eles.

Pensando 2013 não como evento em si mesmo, mas tendo seus antecedentes e desdobramentos como desejos que terão neste ano de 2013 visibilidade máxima potencial para uma nova vida nas cidades, o que ocorre nas assembleias desta escola tem relação direta com tal acontecimento, sendo devedoras ou propagadoras. Pouco importa 2013 como origem, mas sim o fato de expor um modus operandi que tem continuidade também na escola. Vejamos:

Durante junho de 2013 foram realizadas assembleias horizontais debaixo do viaduto de Santa Tereza, em que pessoas comuns colocavam questões e novos coletivos tentavam se constituir, sendo que vários grupos de trabalho foram organizados. Ainda que a efervescência das ruas tenha sido cooptada e grupos foram dissolvidos, vários destes foram centrais pois se desdobraram em coletivos como Tarifa Zero, que há pouco conseguiu a criação de uma linha de ônibus junto aos moradores do Aglomerado da Serra para acesso ao centro de maneira mais rápida[14] e iniciativas cidadãs de ocupação da política institucional, como é o caso do MuitXs - Cidade que Queremos. No caso deste último, com a eleição de dois representantes da iniciativa cidadã na câmara dos vereadores e seu compromisso político de articulação de movimentações mais localizadas, foi criado nosso início deste ano o edital "Cê fraga"[15] que nada mais é que uma cartografia e apoio a iniciativas locais que congreguem confluências entre moradores, grupos organizados e outros, tal como explanado no caso da escola Itamar Franco - Ocupações. O que é comum é o fato de compreenderem que, a partir de sinergias locais de atores sócio-espaciais específicos, uma nova forma de se planejar e pensar a cidade pode emergir.

Ao mesmo tempo, há de se ter em mente que 2013 não é uma luta que surgiu em 2013, mas que teve como ápice tal ano. O MPL em São Paulo conseguir organizar tais manifestações porque um trabalho de base já vinha sendo feito há tempos. Assembléias populares discutindo a questão do transporte já vinham ocorrendo anos antes nas periferias paulistanas, tendo como referencia movimentações cidadãs no sul do país (kunsch, 2013). Paralelamente, em Belo Horizonte, discussões populares transformadas, via assembleias, em movimentações não é algo ocorrido em 2013. As ocupações urbanas já vêm desde 2004, com movimentações populares como Brigadas Populares e MLB dando assessoria a elas, transformando-se elas mesmas em tentativas de territórios autogestionados[16]. As ocupações do Barreiro, vizinhas a escola, tanto tem muito a aprender como a ensinar em termos de democracia e gestão do espaço.

 

Conclusões

Aqui há percursos, becos sem saídas, inícios de processos. Nestas três experimentações foram apresentadas como algumas iniciativas que fazem analogias em protocolos e estratégias no contexto de 2013, podem produzir novas formas democráticas. Ou o círculo laranja carioca com a redenominação do gari como agente de saúde pública; ou a gestão de parques pela própria população, tratando-o como bem comum à semelhança de pactos e acordos como aquele feito a respeito do Espaço Comum Luiz Estrela ou semelhantes a luta por áreas desocupadas e abertas como o Jardim América em Belo Horizonte; ou o reconhecimento do local como esfera a partir do qual novas iniciativas mais efetivas no território podem surgir, redimensionando o papel de poder público como aquele que deve delegar poder e promover parcerias junto a iniciativas cidadãs e não como aquele que centraliza e resguarda para si o papel e protetor e definidor do que é público.

2013 não significa uma cartilha de estratégias e táticas de um urbanismo por vir ou ainda um conjunto de regras para novas práticas de planejamento urbano, mas a afirmação do que é específico, singular e contingente como prática positiva de produção espacial mais efetiva em que o poder público deixa de ser o ator político central pois ele mesmo nunca é sócio espacialmente presente no cotidiano de moradores.

Mas central aqui se tornam as estratégias criadas tendo como norte as jornadas de 2013 (antecedentes e desdobramentos) envolvendo o papel e a responsabilidade que a escola tem no contexto territorial: ela se torna aquela que resguarda informações acerca da vida em vizinhança a partir do lixo e das águas; ela é aquela que agencia interesses a fim de repensar os espaço do bairro; ela é aquela que necessita de autonomia para transformar tal convergência de interesses em desdobramentos em termos de planejamento urbano.

 

Referências

ÁGUAS URBANAS ECOLOGIAS POLITICAS, 2014. Site da disciplina Oficina de Planejamento Urbano: Problemas de Planejamento e Ocupação em Sub-bacias. Disponível em: <https://aguasurbanasecologiaspoliticas.crowdmap.com/>. Acessado em: 20 de fevereiro de 2019.

 

ARIZA, Miguel. Água na didática: visões de um silenciamento político. 2016. Disponivel em: <https://medium.com/@ufmg/%C3%A1gua-na-did%C3%A1tica-vis%C3%B5es-de-um-silenciamento-pol%C3%ADtico-87bcca5a824e>. Acessado em: 20 de fevereiro de 2019.

BRENNER, Neil Seria o urbanismo tático uma alternativa ao urbanismo neoliberal?. In: Revista E-metropolis, N. 27, ano 07, p.06-18. Dez/2016.

BITENCOURT, Rafael Reis, NASCIMENTO, Denise Morais, GOULART, Fabricio Frederico. Ocupações Urbanas na região metropolitana de Belo Horizonte. Belo Horizonte, 2016.

CBH. Site da Agencia Nacional das Aguas, 2018. Disponível em: <http://www.cbh.gov.br/>. Acessado em: 20 de fevereiro de 2019.

HARDT, Michael, Negri, Antonio. O Bem Estar Comum. Rio de Janeiro: Record, 2017.

KUNSCH, Graziela (org.). Urbania 05, 2013. Disponivel em: <https://naocaber.org/wp-content/uploads/2016/07/urbania5_web_pags-juntas.pdf>. Acessado em: 20 de fevereiro de 2019.

LATOUR, Bruno. Reagregando o Social. Uma introdução à teoria ator-rede. São Paulo / Salvador: EDUSC / EDUFBA, 2012

LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: EdUFMG, 2000.

MOUFFE, Chantal. The Democratic Paradox. New York: Verso, 2009.

NASCIMENTO, Denise Morais. Saberes Auto-construídos. Belo Horizonte: C/ Arte, 2015.

NUNES, Rodrigo. Organization of the organizationless. Collective action after networks. PML Books, 2014.

 

PBH. Site da prefeitura municipal de Belo Horizonte, 2018. Disponivel em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/>. Acessado em: 20 de fevereiro de 2019.

SILVA, Margarete Maria de Araújo. Aos destituídos, as cabeceiras: o lugar das favelas em Belo Horizonte. In: Revista UFMG. Belo Horizonte, v. 20, n.2. p.94-123. Jul-Dez/2013

 

 

Data de Recebimento: 31/08/2018
Data de Aprovação: 01/02/2018


 [1] Tal pesquisa coordenada por mim foi financiada pelo CNPQ. A data de Junho de 2013 mais do que uma data exata e específica representou o início de manifestações populares por todas as grandes cidades do país e, em Belo Horizonte não foi diferente. Expôs uma relação tensa entre Estado a procura de novos modos de impulsionar uma economia em franca ascensão durante os anos de governo PT, Mercado ávido por novas oportunidades de negócios e Sociedade civil organizada e não organizada expandida pelo aparecimento da discutida nova classe média somada a um desejo por maior participação deliberativa e direta sobre os rumos do país na medida em que a FIFA WORLD CUP 2014 visou claramente atender a interesses de poucos  (construtoras e empresariado em geral) e pareceu ampliar o fosso de desigualdade no Brasil através de violentas desocupações de áreas invadidas e direcionamento do uso da verba para construção de grandes equipamentos em áreas já servidas. Para o campo do urbanismo e cidade, significou a exposição ampliada de estratégias e táticas já existentes de ocupação e uso do espaço da cidade em contraposição ao controle dos mesmos pelo poder público e capital imobiliário. Assim, tal pesquisa busca mapear e produzir a partir de entrevistas, vídeos, fotografias, notícias e quaisquer outros produtos documentais narrativas que coloquem justamente tal embate ocorrido nas ruas de Belo Horizonte, buscando cartografar tanto o momento de convulsionamento espacial assim como suas predisposições e consequências territoriais e políticas considerando-as potencialidades.
[2] Cf. Nunes (2014) que discute a relação entre horizontalidade e liderança de forma a não colocá-los como contrapontos, mas complementares em qualquer ação política cujo interesse sejam autonomia coletiva.
[3] Annette Krauss é uma artista e professora que trabalha explorando as possibilidades de práticas participativas, com trabalho/pesquisa aborda a interseção entre arte, política e vida cotidiana. O projeto Currículo Oculto lida com o campo da comunicação dentro da escola, tentando contemplar seus pontos cegos, nichos ocultos e práticas mudas que estão contidas dentro das rotinas diárias da escola. (KUNSCH, 2013).
[4] Criado em 2016, o EcoEscola BH é um programa da Smed que tem por objetivo fortalecer, incentivar, certificar e divulgar ações de Educação Socioambiental. O Programa possui como eixos de ação  a formação para professores, monitores, funcionários e servidores das escolas; o acompanhamento pedagógico das ações socioambientais desenvolvidas nas unidades escolares; a certificação das escolas municipais de Ensino Fundamental, Unidades Municipais de Educação Infantil (Umeis) e instituições socioeducativas que apresentem ações relevantes em prol do meio ambiente com o Selo Boas Práticas (uma parceria da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e da Defesa Civil); a publicação das ações do Programa EcoEscola BH e das escolas,  por meio de Boletins Informativos e da Revista EcoEscola BH. (PBH, 2018)
[5] O Programa Escola Aberta oferece uma diversificada programação, durante todo o ano, aos sábados e domingos, em 170 escolas municipais da cidade: diversas oficinas de esportes, informática, artesanato, dança, música, entre outras, para os públicos de diferentes idades.A abertura das escolas nos fins de semana potencializa a parceria entre a instituição e a comunidade ao ocupar criativamente o espaço escolar com a oferta de atividades educativas, culturais, esportivas, de formação inicial para o trabalho e geração de renda. (PBH, 2018).
[6] O Programa Escola Integrada está presente na totalidade das escolas da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. Durante o tempo que passam no contraturno escolar, os estudantes realizam atividades diversas que contribuem efetivamente no seu desenvolvimento pessoal, social, moral e cultural.As atividades desenvolvidas nas oficinas atendem às seguintes áreas: acompanhamento pedagógico; arte e cultura; educação socioambiental; educação e diversidade; direitos humanos e cidadania; cidade, patrimônio cultural e educação; educomunicação e uso de mídias; esporte e lazer; prevenção e promoção à saúde e investigação no campo das ciências; leituras na Educação Integral. (PBH, 2018).
[7] Os Comitês de Bacia Hidrográfica são organismos colegiados que fazem parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e existem no Brasil desde 1988. A composição diversificada e democrática dos Comitês contribui para que todos os setores da sociedade com interesse sobre a água na bacia tenham representação e poder de decisão sobre sua gestão. Os membros que compõem o colegiado são escolhidos entre seus pares, sejam eles dos diversos setores usuários de água, das organizações da sociedade civil ou dos poderes públicos. Suas principais competências são: aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia; arbitrar conflitos pelo uso da água, em primeira instância administrativa; estabelecer mecanismos e sugerir os valores da cobrança pelo uso da água; entre outros. (CBH, 2018)
[8]Priorizar a reintegração dos cursos d’água à paisagem, abrindo mão da canalização como única solução para a drenagem. Esta foi a tônica do Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte – DRENURBS, que trouxe uma concepção inovadora em relação aos recursos hídricos no meio urbano. Este programa ocorreu durante a primeira década do século XXI, sendo que hoje encontra-se desativado. (PBH, 2018)
[9]Cf. AGUAS URBANAS ECOLOGIAS POLITICAS, 2014.
[10]A Carta de Inundações de Belo Horizonte é um instrumento elaborado com base em estudos de modelagem hidrológica e hidráulica que permitiram maior conhecimento das bacias hidrográficas da cidade e possibilitaram a identificação de trechos críticos ou sujeitos às ocorrências de inundações. A Carta de Inundações de Belo Horizonte apresenta as manchas de inundação distribuídas pelo território do Município. (PBH, 2018).
[11] Retirado da página de Facebook: https://www.facebook.com/pg/espacoluizestrela/about/?ref=page_internal. Acessado em 26 fev. 2018.
[12] Cf. https://www.evoecultural.com/luizestrela/
[13] Retirado da página de facebook: https://www.facebook.com/pg/ParqueJAbh/about/?ref=page_internal. Acessado em 26 fev. 2018.
[14] Cf. https://www.otempo.com.br/cidades/%C3%B4nibus-popular-do-aglomerado-da-serra-come%C3%A7a-a-rodar-na-quarta-1%C2%BA-1.1536928
[15] CÊ FRAGA? é uma chamada pública aberta a qualquer cidadã ou cidadão que queira indicar iniciativas sociais e culturais, realizadas em Belo Horizonte, que potencializam as lutas por culturas urbanas, populares ou tradicionais, educação, moradia, agroecologia, promoção das artes, economia solidária, mobilidade, direitos humanos e radicalização da democracia ou que contribuam para a emancipação de mulheres, pessoas jovens, negras, indígenas e LGBTIQs.

[16] Para uma história das ocupações urbanas de Belo Horizonte, há muito ainda a ser escrito. No entanto, algumas publicações já mostram não apenas sua geografia, mas também foram de organização e produção do espaço. Enquanto Bittencourt, Nascimento, Goulart (2016) constroem um mapa geral das ocupações na região metropolitana de Belo Horizonte, Nascimento (2015) aponta suas formas de organização e produção material do espaço.