Som tridimensional para deficientes visuais: Interação na arte e no videogame


resumo resumo

Adriane Cristine Kirst Andere de Mello
Milton Luiz Horn Vieira
Victor Nassar



É natural nos indivíduos a vontade por autonomia, e os deficientes visuais não são diferentes. Quando se trata especificamente da independência na locomoção e na localização, querem e devem usufruir do ir e vir em ambientes diversificados de forma segura. Para o desenvolvimento da autonomia do deficiente visual, estão envolvidos fatores sociais, da cultura familiar, políticas de estado, entre outros (SIAULYS, ORMELEZI & BRIANT, 2011). Ao fitar o cenário brasileiro, constata-se que os modos de operação e organização das cidades não facilitam esse procedimento. Embora as pessoas com deficiência estejam amparadas por leis, incluindo o Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015), e ocorram iniciativas inclusivas, na prática alguns projetos voltados para a inclusão podem resultar em aplicações inadequadas. Observa-se o caso das calçadas com guias; mesmo que sejam oferecidas explicações e cartilhas a respeito de como instalar os pisos táteis, na execução acontecem diversas interpretações de uso. Muitas vezes, são utilizados como mera decoração nas beiradas das calçadas, ou mesmo terminando em postes e outros obstáculos, causando o efeito contrário do design funcional para o qual foram projetados. Este é somente um dos muitos exemplos quando se observam os desafios presentes na mobilidade das pessoas com deficiência visual.

Neste estudo em desenvolvimento no Laboratório de Projetos e Métodos Gráficos Computacionais (DesignLab)[1], o foco principal está em criar um dispositivo[2] para auxiliar os deficientes visuais a localizarem-se e locomoverem-se com maior segurança e autonomia pelos espaços das cidades. Fez-se necessário um projeto que articule diferentes áreas, traçando um mapa particular que transita entre: a inclusão social e os estudos a respeito dos deficientes visuais; a arte sonora, nas vanguardas artísticas, como campo que investiga os sons no espaço, como escultura, instalação, arquitetura e paisagem; e ainda as novas tecnologias digitais presentes na arte, nos games e na vida dos cegos.

Ponta-se que o público foco[3], as pessoas com deficiência visual, mesmo não sendo objeto deste artigo, no projeto são estudadas partir de aspectos seu desenvolvimento físico, mental e social, para embasar essas questões são trazidos os estudos de Vygostsky (1997 e 2002), que tratam da inclusão e da educação especial, abordando características do comportamento, dos processos de aprendizagem, das funções psicológicas superiores e da percepção multissensorial.

Procura-se averiguar de que forma a atuação e a diversidade de aplicação de tecnologias e design de sons ambientes, que contextualizam cenas e lugares, podem proporcionar uma maior imersão/interação sonora para os deficientes visuais. Objetivando interatividade e mobilidade parte-se das origens do pensar o som de forma espacial, no contexto histórico, mais restritamente nas experiências da arte sonora (soundart), - vertente que explora as possibilidades do som nas artes visuais. São referências os futuristas, como Luigi Russolo e o manifesto A Arte dos Ruídos, em 1913, até as vanguardas dos anos de 1960 e 1970, com John Cage, entre outros. Exploram as potencialidades dos sons não apenas na música, mas em todos os tipos de ruídos, incluindo o silêncio. Performances e instalações, juntamente com suas necessidades multimídias, originaram novas nomenclaturas, como escultura, instalação e arquitetura sonoras. Todas essas formas de interação do som com o público somam-se a projetos mais recentes que agregam o videogame, mapas e localização de espaços, tendência que faz uso de mídias geolocativas, em jogos que convidam o público para encontros nas cidades. 

Outra base é o pesquisador do som R. Murray Schafer (1991) e (2001). O músico e professor investigou, nos anos de 1970 e 80, sistematicamente, a evolução histórica dos sons ambientes, tratou de forma abrangente aquilo que denominou de paisagem sonora. Procurou fazer perceber os efeitos sonoros que as invenções e tecnologias causam no homem e de que forma alteram seu modo de vida particular e social.

Considera-se que, com o desenvolvimento das novas tecnologias digitais e do design em videogames, juntamente com os conhecimentos já consolidados a respeito dos deficientes visuais e da espacialidade sonora, potencializa-se a construção de dispositivos outros que permitam uma locomoção com maior facilidade pelas cidades.

 

O som e arte - primeiras experiências

Perceber os espaços por meio dos sons, abrir-se para a escuta dos sinais e reparar a espacialidade sonora. Nas experiências das artes visuais, desde o início do século XX, - por um lado com os futuristas impulsionados pela revolução das máquinas que tomavam conta das cidades, e, por outro, os dadaístas que investigavam o acaso e o nonsense, incomodados com o materialismo que se instalou após a Primeira Guerra Mundial, -  é que foram criados os primeiros projetos pensando o som para além da música protegida nas salas de concertos e teatros. Em 1913, Luigi Russolo escreveu A arte dos ruídos. Nesse texto/manifesto, proclamou que a vida antigamente era silenciosa, tendo sido no século XIX, com a invenção das máquinas, que nasceu o barulho, que hoje, segundo ele, triunfa sobre a sensibilidade do homem. Sua intenção foi incorporar os ruídos à música para que esta não ficasse fechada na pureza da sala acústica e ocorresse em uma maior aproximação com a vida.

Segundo o próprio Marcel Duchamp[4], foi também por volta de 1913, que ele fez suas experimentações com sons. Em um dos três projetos musicais que pensou, o “Musical Sculpture”[5], combina objetos juntamente com performance, áudio, imagens, além de fatos programados e não programados, improvisos, acasos, acontecimentos. Assinala-se que muitos são os termos e ações geradas a partir daí. A realização da peça idealizada pelo artista resultaria em algo muito semelhante aos eventos que o Grupo Fluxus[6] fez na década de 1960[7].  

John Cage foi um artista Fluxus posicionado entre mídias e vertentes da arte, uma referência, pois suas performances quebraram paradigmas ao pensar os sons de modo amplo. No ano de 1952, em seu trabalho intitulado “4’33’’’, Cage apresentou uma peça na qual o pianista se posicionou em frente ao instrumento, se sentou no banco, se preparou para o início da execução da partitura, fez o movimento gestual de que iria começar a tocar, no entanto, não executou as notas. Ficou parado por exatos quatro minutos e trinta e três segundos. O que se ouviu no teatro foi a ausência de música, porém, não ocorreu um silêncio, era possível ouvir os sons emitidos pela plateia, por meio de tosses, murmúrios, pisadas de sapatos. Ao desviar a atenção do público com a ausência da música, o artista incluiu na sua peça os sons ambientes. A ausência da sonoridade musical, permitiu ouvir outros sonidos. Cage estudou o zen-budismo, que tem como um dos seus princípios a atenção plena e a conexão com o aqui e agora, é possível perceber essa influência em seus trabalhos. Abriu as possibilidades da música para o dia a dia, quando afirmou que o ruído também é um som, que o ato de ouvir é uma experiência ativa multissensorial, que, assim como a interpretação, fazem parte do jogo (CAGE, 2006).

No mesmo ano, o artista produziu outra performance, o chamado "Black Mountain College[8] event”. A apresentação foi organizada, junto com outros artistas, de modo que várias mídias, tais como imagem, performance, música, entre outras, acontecessem ao mesmo tempo, de forma interdependente. O público presente, por sua vez, sentou-se em uma arena formada por quatro triângulos em diagonal formando um X. O modo como as coisas foram dispostas proporcionou uma sonoridade caótica que envolveu espacialmente o público.

 

 
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Desenho da planta baixa do "Black Mountain College event” (1952), elaborado por M.C. Richards, para Cage em 1989, mostrando o público e as posições relativas dos artistas. Reprodução cortesia de M.C. Richards (https://black-mountain-research.com/2015/07/06/untitled-event/).

 

 

 

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Diagrama com o plano de assentos para  "Black Mountain College event” (1952), reconstruído em 1965 (Kirby e Schechner 1965, 52). Reprodução cortesia de TDR / MIT Press (https://black-mountain-research.com/2015/07/06/untitled-event/).

 

            Seis anos depois, em 1958, a empresa Philips encomendou um trabalho multimídia para a Feira Mundial de Bruxelas. Le Corbusier, Iannis Xenakis e Edgar Varese criaram, a partir de arquitetura, artes visuais e música, o "Poème électronique”, um áudio espacial composto por 425 alto-falantes usados ​​para mover o som por todo o pavilhão. No ambiente, os sons subiam e desciam, circulavam por toda a sala.

            Artistas, engenheiros e programadores trabalham juntos em projetos em que a complexidade sonora é arquitetonicamente projetada.

  

 

Falar de arquitetura e som é confrontar uma situação complexa, pois a possibilidade acústica de amplificar, cortar ou afetar a experiência do som viu sua articulação em uma história de arquiteturas acústicas, de salas de concerto, catedrais, cinemas, estúdios de som e gravação. A ciência da acústica mapeia matematicamente o potencial de criação de espaços sonoros para a experiência de ouvir através da construção, da exatidão proporcional e do uso de vários materiais; por sua vez, essa ciência pode diminuir, bloquear ou impedir a presença física do som, amortecendo a reverberação e difundindo a vibração. Desta forma, a experiência acústica está sempre embutida na conversa do som e do espaço, como uma troca recíproca, pois os sons são posicionados dentro das espacialidades dadas e são assim afetados pela sua materialidade, sua relação com outros espaços e com a geografia do ambiente (LABELLE, 2015, p. 194, tradução nossa, grifo do autor).

 

 

Investigar as relações dos sons com o espaço é o que fez Murray Schafer. Com um estudo sistemático da acústica, procurou entender de que modo a sonoridade foi modificando-se no decorrer da história, bem como tais alterações afetaram os comportamentos sociais. A partir de suas observações, o autor criou o termo soundscape[9], traduzido como paisagem sonora - percebendo o quanto ela é dinâmica e transformável e, portanto, passível de se moldar. Ao tratar o ambiente acústico como campo de pesquisa, sua preocupação principal foi ensinar as pessoas como ouvir mais atenta e criticamente os sons aos quais são submetidos no dia a dia.

Os sons presentes nas cidades em sua maioria são executados por indivíduos em seus afazeres diários. Grande parte deles são produzidos para chamar a atenção para alguma coisa. À medida que o mundo foi ficando mais populoso, também aumentaram os barulhos. Com o desenvolvimento industrial, e, mais recentemente, com as novas tecnologias, a poluição sonora tornou-se uma questão problemática (SCHAFER, 2001). Atualmente, ocorre uma preocupação com relação ao uso abusivo dos sons, o que, junto com outros aspectos, deve ser considerado quando a proposta é desenvolver dispositivos sonoros que possibilitem maior autonomia na locomoção e localização das pessoas com deficiência visual.

O território inicial para os estudos da paisagem sonora de Schafer (2001) está situado na interação entre a ciência, ou seja, a acústica e suas propriedades e os modos como os sons são compreendidos; a sociedade, nos âmbitos que afetam o homem; a arte, onde são observáveis as maneiras de criar paisagens sonoras. Quem analisa uma paisagem sonora, para o autor, deve inicialmente descobrir os aspectos mais significativos, aquilo que torna aquele som importante, sua individualidade, sua quantidade e seu predomínio. Desenvolveu um sistema básico de classificação e categorização dos temas da paisagem, diferenciando entre: os sons fundamentais, criados por uma geografia e um clima; os sinais ou sons detectados pelo ouvido consciente, avisos acústicos; as marcas características, que conferem identidade a um lugar.

Quando a pesquisa são os sons, diferentemente das imagens, as barreiras não se apresentam de modo tão evidente. Ressalta-se que o espaço acústico é delimitado por intensidade, frequência e tempo. Diferenças entre o que é ou não um som; sons humanos e tecnológicos; artificiais e naturais; contínuos e separados; os de baixa frequência e os de média e alta (SCHAFER, 1991). Esses autores, cientistas e artistas fornecem os fundamentos para os estudos da espacialidade sonora voltada para auxiliar na localização e locomoção de deficientes visuais.

Com o desenvolvimento das tecnologias digitais, a arte sonora igualmente se transformou. A partir das bases históricas das vanguardas, múltiplas vertentes tomaram o campo artístico em conexões cada vez mais complexas e com categorias que transbordam definições ou padrões. Arte quebrou paradigmas e abriu caminho para as virtualidades sonoras presentes atualmente nos games e seus ambientes imersivos.

Se no início das experiências era necessário que vários músicos se espalhassem pela sala, ou ainda, que as caixas de som percorressem paredes, hoje é possível ter um som tridimensional no fone de ouvidos ligado a um celular. Vários artistas utilizam as ferramentas acessíveis nos aparelhos móveis.         

 

 

 

 

A inevitabilidade de avanços que promovem mobilidades nunca antes vistas, somada à sua popularização crescente, vem abalando ceticismos e endossando as potencialidades dos dispositivos celulares como ferramentas em rede, seja como dispositivos cinemáticos ou como estruturas complexas para a expressão artística (BAMBOZZI, 2011, p. 179).

 

 

Dentre as muitas iniciativas e grupos de artistas, cita-se o projeto de gameart “Rider Spoke”[10], de 2007, desenvolvido pelo coletivo inglês Blast Theory, que atua criando projetos em arte e novas tecnologias, desde 1991. Apesar de não proporcionar uma tridimensionalidade sonora, convida para a realização de percursos por ruas. Trata-se de um jogo no qual os participantes passeiam pela cidade com uma bicicleta que possui um celular com GPS preso ao guidão. Os encontros acontecem à noite, e os participantes devem locomover-se e localizar-se em determinados pontos para gravar mensagem a respeito de suas vidas e assim seguir pedalando até encontrar outros lugares que contêm as mensagens de outros participantes (LADLY, 2011). Essas mídias locativas, possibilitam a saída da tela do computador e dos espaços fechados, proporcionando distintos tipos de interações no contexto da cidade.

 

 

 

O espaço virtual - preparando o estudo

Diferentes tecnologias podem auxiliar a percepção espacial dos indivíduos, utilizando sistemas digitais, aparatos físicos ou sensores. Deficientes visuais podem utilizar artefatos físicos, como bengalas, explorando o sentido táctil para auxílio na identificação de obstáculos nos caminhos. Outras soluções para a locomoção de deficientes visuais envolvem a utilização de cão-guia, que por sua vez conduz o indivíduo a partir de suas próprias orientações espaciais. Nesse sentido, o estudo da tridimensionalidade sonora pode colaborar para ampliar as possibilidades e diversificar os meios de percepção especial, auxiliando os indivíduos a poder locomover-se, interagir, subir, descer, atravessar, entrar e sair por espaços.

Neste estudo a tridimensionalidade sonora trata de perceber os espaços por meio dos sons, explorando o sentido da audição para compreender a espacialidade de um local. Tem-se a identificação da origem do áudio, sobre o ponto em que está sendo gerado. A partir disso, pode-se obter a construção de um mapa sonoro, para fins de localização em um ambiente.

Para desenvolver os códigos e softwares, que possibilitem as experiências empíricas o projeto, conta com a parceria do programador Ricardo Andere de Mello (Gandhi)[11], que atua em diversas áreas, e no momento tem se dedicado aos jogos eletrônicos. O ambiente de coleta de dados deverá ser um espaço amplo e que permita a disposição de objetos e sons para interação que estão presentes no cotidiano dos pesquisados. O DesignLab[12] possui a estrutura para a construção dos ambientes de simulação e testes dos dispositivos. Se num primeiro momento a espacialidade sonora é analisada na arte e nos videogames imersivos, em um segundo momento o intuito é aumentar a interatividade. Quando o cenário dos acontecimentos não está na tela do computador, mas ao redor do jogador/participante, este necessita o deslocamento do corpo. A intenção é liberar a mão do joystick e andar pelo ambiente sonoro. Ao locomoverem-se pelo espaço, os participantes poderão esbarrar em diversos tipos de obstáculos. A princípio, o usuário utilizará um fone de ouvido, que permitirá a determinação da orientação e localização do usurário no ambiente, assim como a transmissão do som espacial. Diferentes sons serão coletados e distribuídos espacialmente, por exemplo: carros, semáforos, pessoas conversando e andando, ou seja, ruídos, barulhos que integram paisagens sonoras de situações comuns do dia a dia, objetivando aumentar a imersão do deficiente visual na simulação de situações do mundo real.

 

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Infográfico do ambiente para coleta de dados

 

A princípio, para a preparação do ambiente de testes, será utilizado um sistema de localização da Decawave, chamado de DWM1001, em sua segunda versão, pois tal sistema  possui precisão de centímetros. Um conjunto de ferramentas é necessário para o  prosseguimento[13]  da coleta de dados. A orientação do sistema será detectada  por meio de um chip de Inertial Measurement Unit - IMU, que se serve de vários sensores (acelerômetro, magnetômetro, giroscópio), e um processador específico utilizando o filtro de Kalman[14] para conseguir um excelente grau de precisão  na orientação. O chip escolhido é o BNO080 da Bosch e Hillcrest labs[15] e será operado por algum outro processador capaz de transmitir as informações, como o ESP32 ou o NRF52 da Nordic. Contudo, essas opções ainda estão em aberto. O som deverá ser inserido em um ambiente virtual montado em um editor existente, como o do Unity3D e um sistema que receba as informações de localização e posicione o dummy player na cena, e um outro sistema, a ser desenvolvido no decorrer do estudo e que deverá enviar em tempo real o som tridimensional ao headphone do usuário deficiente visual.

Algumas dificuldades técnicas estão previstas, porém, o maior desafio, além da produção do conteúdo, é a latência que ocorre  entre o envio da orientação,  da localização do usuário e do retorno do som tridimensional ao seu ouvido. Essa latência não pode ser muita, pois afeta relevantemente a experiência do usuário, devendo ficar abaixo de 100ms. Ainda assim, o uso de técnicas de games, como o dead reckoning[16], podem ajudar a reduzir essa latência, prevendo a movimentação do usuário e sincronizando o audio. Por esse motivo, após o término do protótipo, deverá ocorrer um ajuste rigoroso das tecnologias envolvidas.

 

Perceber para construir

Em uma sociedade na qual a diversidade é cada vez mais debatida, a realidade pesa sobre aqueles que dependem de alguma necessidade especial para ter as mesmas oportunidades e benefícios dos demais. Sim, contraditoriamente, para as diferenças serem respeitadas e aceitas, deve haver a igualdade de acessos que permitam a essas pessoas um lugar ativo na sociedade. Portanto, a inclusão social acontece quando são disponibilizadas condições e ferramentas que possibilitem o mínimo de equidade entre os indivíduos. Dentre os muitos aspectos que envolvem a inclusão e a educação das pessoas com deficiência, nesta pesquisa, o foco está no desenvolvimento de um dispositivo de som tridimensional que permita maior autonomia para os deficientes visuais na localização e na locomoção em ambientes fechados e abertos. As influências das artes visuais e as tecnologias digitais usadas em videogames possibilitam outras formas de imersão e interação em ambientes, abrindo para o design de diferentes maneiras de experimentar e sentir o som.

Muitos são os estudos a respeito da espacialidade sonora; um exemplo de dispositivo é o de gravação binaural, recurso criado em 1881,  pelo francês Clément Ader e desde então altamente explorado, justamente por tratar-se de uma técnica de captação e reprodução que alcança um efeito de som em três dimensões, a partir de um procedimento relativamente simples: dois microfones na cabeça de um manequim (BRAXTON, 2017). A partir da constante transformação tecnológica, muito tem sido desenvolvido. De que modo essas novas tecnologias do campo do design sonoro em videogames podem auxiliar o deficiente visual na sua vida diária? 

Historicamente, artistas trabalham em colaboração com laboratórios de ciência e tecnologia. Observar os resultados dessas parcerias abre para compreensão das relações necessárias para o desenvolvimento desse projeto em particular. A arte sonora apresenta-se como um campo de investigação da percepção, da sinestesia, da fenomenologia dos acontecimentos, bem como dos recursos e dos aparatos técnicos. O som é, por essência, relacional, pois propaga, reverbera. Quando as potencialidades de sua atuação são estudadas como um ambiente em três dimensões, a percepção auditiva sente a construção e a arquitetura espacial (ITURBIDE, 2003). Artistas multimídias fazem uso das mais avançadas tecnologias para produção de instalações e performances, apropriam-se do som para provocar atenção, envolvimento e reflexão. As diversas iniciativas no campo das artes visuais, desde o futurismo, o dadaísmo e os eventos promovidos pelo Grupo Fluxus, e suas experimentações intermedia[17], até as variadas vertentes contemporâneas que fazem das últimas invenções das tecnologias digitais meio de expressão e de construção de relações de troca com o outro, abrem para distintas possibilidades.

As multimídias e multidisciplinaridades, igualmente, são necessárias para o desenvolvimento de conexões outras. É nas trocas entre especificidades que novas perspectivas são lançadas sobre o objeto de estudo. A inclusão social atualmente encontra-se respaldada por leis que garantem o cumprimento de algumas necessidades dessas pessoas. Tratando especificamente das pessoas com deficiência visual, a investigação de dispositivos tecnológicos sonoros tridimensionais que visem uma maior autonomia e mobilidade para deslocar-se por espaços fechados e abertos poderá contribuir para ampliar sua qualidade de vida.

 

Referências

AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Revista Outra travessia, Florianópolis, n. 5, 2005. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/12576>. Acesso em: 10 jan. 2015.

BAZZICHELLI, T. Networking: The net as Artwork. Milan: Digital Aesthetics Research Center, 2008.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de Julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.html>. Acesso em: 05 out, 2018.

BRAXTON, Boren. History of 3D sound. In: ROGINSKA, Agnieszka  e GELUSO, Paul (Orgs.) Immersive Sound: the art and science of binaural and multi-channel audio. New York: Routledge, 2017.

CAGE, J. De segunda a um ano. São Paulo: Hucitec, 1985. (publicado orig. 1967).

CAGE, J. Silencio. Madrid: Árdora Ediciones, 2007. (publicado orig. 1961).

DUCHAMP, M. O ato criador. p. 71-74 In: BATTCOCK, G.. A nova arte. São Paulo: Perspectiva, 2013.

FERREIRA, G.; COTRIM, C. Dick Higgins. p. 139-140. In: FERREIRA, G.; COTRIM, C. (Org.). Escritos de artistas, anos 60/70. Rio de Janeiro: Ed. Zacarias, 2006.

ITURBIDE, M. R. La instalación sonora. N.4 Coenca: Universidad de Castilla La Mancha, Revista Ólodo Jan, 2003. Disponível em: <https://previa.uclm.es/artesonoro/Olobo4/html/rocha.html>. Acesso em: 20 jun, 2018.

LABELLE, B. Background Noise - Perspectivas sobre Arte Sonora. 2. ed. London: Boomsbury Publishing, 2015.

LADLY, M. Portáteis e Lúdicos: aparelhos afetivos e ambientes reponsivos. In: BEIGUELMAN, G.; LA FERLA, J. (Org.). Nomadismos Tecnológicos. São Paulo: Ed. Senac, 2011. p. 91-98.

RUSSOLO, L. The art of noises. New York: Pendragon Press, 1986.

RUSSOLO, L. A Arte dos Ruídos: Manifesto Futurista (1913). In: MENEZES, F. (Org.). Música Eletroacústica. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1996. p. 51-55.

RUSSOLO, L. Consoantes: os ruídos da língua. In: MENEZES, P. (Org.). Poesia sonora: poéticas experimentais da voz no século XX. São Paulo: EDUC, 1992. (publicado orig. 1916). p. 23-29.

 SCHAFER, R. M. O ouvido pensante. São Paulo: Editora Unesp, 1991.

SCHAFER, R. M. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto de nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Editora Unesp, 2001.

SIAULYS, M. O.; ORMELEZI, E. M.; BRIANT, M. E. (org). A deficiência visual associada à deficiência múltipla e o atendimento educacional especializado: encarando desafios e construindo possibilidades. São Paulo: Laramara, Associação Brasileira de Deficiência Visual, 2011.  

VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas V: juntamentos de defectologia. Madri: Visor, 1997.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

 

 

Data de Recebimento: 30/01/2019
Data de Aprovação: 25/04/2019

 

 

[1] Programa de Pós-Graduação em Design e Expressão Gráfica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

[2] “[…] qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (AGAMBEN, 2005, p.13).

[3] Ressalta-se que apesar da pesquisa se dirigir aos deficientes visuais, é sabido que qualquer usuário do dispositivo poderá experenciar a melhora do som tridimensional. 

[4] Considerado por muitos autores um dadaísta, o artista é difícil de categorizar tendo em vista a sua produção múltipla e complexa.

[5] Trata-se de algumas anotações, que mais tarde foram incluídas no seu projeto "The Bride Stripped Bare by her Bachelors Even (The Green Box)", 1934.

[6] Um movimento internacional, atuando nos Estados Unidos, na França, na Dinamarca, na Holanda, na Checoslováquia e no Japão. Para Friedman (2007), o coletivo era um laboratório, guiado por estas doze ideias: globalismo, a unidade entre arte e vida, intermídia, experimentalismo, chance, brincadeira, simplicidade, implicatividade, exemplatividade, especificidade, presença no tempo e musicalidade. Grupo interdisciplinar contando com poetas, artistas, compositores, incluindo nomes como George Maciunas, Joseph Beuys, Dick Higgins, John Cage, Alice Hutchins, Yoko Ono, Nam June Paik, Ben Vautier, Robert Watts, Benjamin Patterson, Emmett Williams, Ken Friedman, só para citar os que fizeram parte no início.

[7] Disponível em: <http://ubu.com/sound/duchamp.html#music>. Acesso em: 23 jul. 2018.

[8] O Black Mountain College foi uma instituição estadunidense de ensino superior focada sobretudo no ensino de artes, com influência das propostas pedagógicas de John Dewey. Foi fundada em 1933 em Asheville, na Carolina do Norte. Fechou em 1957; enquanto aberta, formou uma série de intelectuais e artistas da cultura dos EUA ao longo do século XX. Disponível em: <(http://www.blackmountaincollege.org/history)>. Acesso em: 20 maio. 2015.

[9] Outros termos que elaborou para tratar da paisagem sonora: ecologia acústica; esquizofonia; marca sonora; som fundamental, sonografia e mais.

[10] Disponível em: <https://www.blasttheory.co.uk/projects/rider-spoke/>. Acesso em: 12 set. 2018.

[11] Adriane Kirst e Ricardo Mello já trabalham como dupla desde 2011, desenvolvendo projetos em artes visuais e novas tecnologias, fazendo uso de múltiplos dispositivos e abordagens.

[12] No site do laboratório, é possível conhecer um pouco dos projetos e estrutura : http://designlab.ufsc.br.

[13]  Disponível em: < https://www.decawave.com/products/mdek1001>. Acesso em: 2 abr. 2018.

[15]  Disponível em: <https://www.hillcrestlabs.com/products/bno085>. Acesso em: 20 jun. 2018.

[16] Trata-se do processo de calcular a posição atual de uma pessoa usando uma posição previamente determinada, ou ainda, consertar, e avançar essa posição com base em velocidades conhecidas ou estimadas ao longo do tempo e curso decorridos.

[17] “A partir de 1965, Higgins define o termo intermedia, conceito que supõe interseções entre mídias, espaços que não representam a fusão, mas a relação complexa no ínterim de posições” (FERREIRA, COTRIM, 2006, p. 139-140).