Aproximações com a cidade [fictícia]: Gordon Matta-Clark


resumo resumo

Fernando Guillermo Vázquez Ramos



As a native New Yorker my sense of the city as home runs deep.
Gordon Matta-Clark

Introdução

Gordon Matta-Clark (1943-1978) é um artista que, dentro de uma multiplicidade de apropriações admissíveis (Fig. 1), deve ser estudado salvaguardando sua relação com a arquitetura e com o urbanismo, a favor ou contra eles,[1] não só porque usava edifícios como objetos plásticos, como substrato material de sua obra escultórica, furando-os, cortando-os ou decapando-os, ou ainda porque suas ações se desenvolviam na cidade (em espaços públicos, telhados ou prédios e lotes abandonados), ou porque seu pai, o pintor surrealista chileno Roberto Matta Echaurren, tivesse trabalhado no escritório de Le Corbusier. Mas principalmente por sua formação: ele próprio estudou arquitetura, graduando-se, em 1968, pela Universidade de Cornell, uma das mais prestigiadas escolas dos EUA, que gozava de sólido reconhecimento em pesquisas nos campos da teoria e da história da arquitetura. Foram alunos da Cornell, por exemplo, Peter Eisenman e Richard Meier.

 

 


Figura 1. Apropriações de Gordon Matta-Clark. Pormenor da obra Hair, fotografias de Carol Goodden, 1972). Montagem do autor. Fonte da foto: Diserens (2010, p. 52).


Nessa influente instituição, o futuro artista teve aula com o crítico, historiador e teórico britânico Colin Rowe, que desde 1962 lecionava ali teoria urbana. O renomado professor examinava com seus alunos estadunidenses as afinidades entre a forma da cidade, a arquitetura e as relações sociais. Rowe foi também um entusiasta da pesquisa historiográfica e procurava estabelecer relações formais que fossem claramente determinantes da e na arquitetura. São exemplos seus estudos geométricos e de proporções das vilas palladianas suas comparações entre a forma de projetar de Le Corbusier e o mundo renascentista e ainda as afinidades que apontou entre o neoclassicismo e a obra de Mies van der Rohe, que revelaram à geração dos anos 1960 aspectos ocultos de uma continuidade de interesses formais que a modernidade e seus historiadores, desde Sigfried Giedion (1888-1968), haviam subestimado ou escondido. Sem dúvida, isso ampliou os horizontes de muitos de seus discípulos, entre eles, certamente o jovem Gordon Matta.

A vertente contextualista encontra nessa versão erudita da continuidade cultural do Ocidente sustentada por Rowe o fermento necessário para estabelecer novas relações entre a cidade e a arquitetura que permitiram um entendimento mais profundo da complexidade social ensejada pela própria arquitetura. O crítico argumentava que o formalismo (a importância da forma como principal constituinte do evento arquitetônico) só tem sentido dentro de uma interpretação social das adaptações a que se submete a forma (arquitetônica) para interagir com seu entorno social, a cidade. Nossa proposta parte da premissa de que o trabalho de Gordon Matta-Clark deve ser analisado dentro desse espectro mais amplo da participação social, como “um ato humano essencialmente generoso, uma tentativa individual positiva de entrar em contato com o mundo real por meio de uma interpretação expressiva” (MATTA-CLARK, 2010, p. 156) e didática. Metodologicamente, nos propomos analisar em particular um de seus muitos trabalhos, Fake Estates[2] (1973-1976),[3] pois nele encontramos evidentes pontos de contato com a realidade urbana a partir de uma perspectiva quase disciplinar, que, no entanto, deixa ver todo o seu potencial conceitual (no campo das ideias, da política, da arte conceitual) e estético-plástico (no campo físico dos objetos), onde se encontram o arquiteto, o escultor e o artista mediático. Assim, interessa a relação do artista com a cidade, sua forma de ver e de perceber a cidade, especialmente Nova York, e os ensinamentos que dessa percepção podemos extrair.

 

A cidade como instrumento didático

 

O projeto da “cidade collage”, que Colin Rowe e Fred Koetter (1981) desenvolveram nos anos 1970, é o corolário desse pensamento contextual, complexo, culturalista e contraditório que predominou então. Para os autores, a cidade é um “instrumento didático” (ROWE; KOETTER, 1981, p. 119) que nos apresenta um desafio na definição da natureza da informação instrutiva disponível (o que existe) e em como se há de formular um discurso desejável (de projeto ou de intervenção) de um ponto de vista ético ou estético, dependendo da ótica com que se analise o problema. A cidade ideal renascentista[4] é um exemplo desse pensamento instrutivo, em que a forma se coloca a serviço de uma intencionalidade informativa e sobretudo educativa, do ponto de vista ontológico. A cidade barroca de Canaletto (1697-1768)[5] seria sua versão fantasiosa, mas poderosamente evocativa, o que não deixa de ser uma forma de informação também. Curiosamente, o movimento moderno não se afasta desse modo de aproximação com a cidade, pois havia concebido a cidade e a sociedade em “termos artísticos altamente convencionais – unidade, continuidade e sistema” (ROWE; KOETTER, 1981, p. 135, tradução nossa), depreciando as preexistências e simplificando as relações sociais para unificar o resultado arquitetônico numa forte proposta formal abstrata que, embora apelasse ao discurso ético, permanecia no campo estético.[6]

Nos anos 1970, isso já não era mais possível, pois se intuía que nessa estratégia predominavam componentes de um autoritarismo eticamente questionável e esteticamente redutor ou simplificador. A alternativa proposta por Rowe e Koetter (1981, p. 138, tradução nossa) foi a do “collage como técnica [de intervenção] e [do] collage como estado de ânimo”. Assim, a “cidade collage” obrigaria a “um enfoque no qual os objetos sejam recrutados ou seduzidos a sair de seu contexto, [pois] é – no momento atual [1970] – a única maneira de tratar os problemas últimos da utopia e da tradição” (ROWE; KOETTER, 1981, p. 141, tradução nossa).

Consciente ou inconscientemente, Matta-Clark assume essas premissas de um entendimento ético da cidade e da necessidade de expor plasticamente as contradições estruturais da construção urbana em pelo menos um de seus trabalhos: Fake Estates. Aí, ele recruta alguns “objetos” capazes de informar sobre as contradições “urbanas” e toma-os como “instrumento didático” por meio da arte do collage e da ação pública (da ação do cidadão que participa de um leilão, que paga impostos, que visita suas propriedades) para discutir pelo menos o sentido profundo da própria cidade como “lar”.

O uso de elementos tradicionais da representação da cidade (como plantas e mapas), assim como a inclusão de fotografias (em formatos variados), desenhos, documentos legais (escrituras e recibos) e outros textos (cartas e notas), a organização do material em pastas e sua montagem para uma exposição[7] e o trabalho de filmagem[8] formam um complexo sistema representacional, com o qual Matta-Clark reflete sobre uma visão da cidade que nos é cotidianamente furtada: a da cidade impossível – uma cidade que se encontra “entre” a cidade convencional, como um resquício. A ação artística consiste em recontextualizar (outra forma de descontextualizar) num formato aparentemente científico (isto é, isento e preciso), onde se expõe o absurdo da realidade da construção do solo urbano feito pela consolidação de abstrações geométricas transformadas em lotes, onde a vida deveria ser vivida.

O desejo de(a) cidade pergunta pela cidade possível mostrando a cidade real e suas aberrações burocráticas. Matta-Clark enfatiza o absurdo por meio da representação[9] usando diferentes formas (plantas, fotos e documentos), como para que não se possa duvidar de sua existência, mas que ainda assim ela seja questionada como real. A representação é uma afirmação da existência real do objeto, e é justamente nessa afirmação de realidade que a irrealidade se apresenta de maneira evidente e descarada, embora cética e cartorial. Mas a recuperação desses fragmentos que o artista descobre e compra não deixa de ser uma forma de afirmação da compreensão da construção histórica da cidade, que se faz por superposições e camadas. O que acontece no caso de Matta-Clark é que, inversamente de como o faria um Giovanni Battista Piranesi (1720-1778) quando nos apresenta o acúmulo da historicidade da cidade,[10] se limita a evidenciar os restos indestrutíveis de uma lógica (absurda) de substituições. Com a descoberta de tais fatias inúteis, questiona a própria lógica da produção do espaço urbano capitalista.[11]

A década de 1960 deixou no Ocidente inúmeras contradições e perguntas sem resposta, como as que fazem os Fake Estates. Deixou um sentimento de crise, um “estado de ânimo” de revolta e de contestação só comparável à sensação de ampla liberdade que, ainda que diariamente conquistada e defendida, rejeitou o status quo de uma sociedade moderna dilacerada por suas próprias contradições. Entre elas, o questionamento da (in)humanidade de suas cidades. Uma sociedade baseada numa inquestionável ideia de progresso, que, depois da Segunda Guerra Mundial, se tornou insustentável. O próprio Matta-Clark descreve seu sentimento pela cidade como sendo profundo (deep), e é justamente na descoberta dessa profundidade que se desenvolve toda a sua obra; é no cavoucar, no descamar e no abrir essa profundidade que se pratica a ação estética. Uma procura do espaço entre os espaços, das coisas que se escondem entre aquilo que vemos, ou seja, das coisas que não vemos, mas que existem e revelam a multiplicidade da realidade.

 

Um lar para a generosidade

 

O lar (home) de Matta-Clark nos anos 1960-70 era um lugar complicado.[12] A cidade de Nova York era um importante centro de negócios, mas também sofria com a desestruturação fabril, com as indústrias abandonando amplas zonas no norte e no sul da cidade. O índice de desemprego era muito alto, e as diferenças raciais impunham pioras enormes aos negros e caribenhos que se apinhavam no Harlem ou no Bronx. A cidade vivia também as constantes revoltas de estudantes e de jovens que protestavam contra tudo, mas fundamentalmente contra a descabida guerra do Vietnã (1956-1975). Grandes áreas da cidade foram abandonadas, e processos de reforma urbana passaram a integrar seu dia a dia. As mudanças tinham muitas vertentes, mas quase todas partiam da premissa do enobrecimento (gentrification), retirando população pobre e racialmente malvista para permitir novas formas de vida socialmente aceitáveis (racialmente condizentes), de acordo com os padrões de desenvolvimento capitalistas.

Nesse ambiente moderno, indicaria Marshall Berman (1986), entre repressivo e libertário, entre destrutivo e construtivo, graças a uma mudança nas leis de zoneamento (CRAWFORD, 2010, p. 46), alguns artistas se apoderaram de uma zona de armazéns abandonados ao sul da rua Houston (SoHo, literalmente: South of Houston) e fizeram desse bairro seu novo lar.[13] Não eram muitos e, assim, todos se conheciam,[14] tinham interesses similares e carências idênticas, especialmente no que tange a recursos financeiros. Promoviam e participavam de festas, exposições e espetáculos quase sempre com tendências sociais e políticas de esquerda. Estavam sempre procurando algum lugar para morar, passar o dia, trabalhar, expor, dançar, fazer alguma performance ou simplesmente deixar o tempo passar. Essa constante procura de novos espaços os tornava verdadeiros desbravadores, exploradores e descobridores da cidade, especialmente das áreas degradadas como Lower Manhattan ou o Bronx. Matta-Clark era um especialista nessa busca, fosse para morar,[15] fosse para a ação artística que caracterizava seu trabalho. Mas não só ele. Jane Crawford (2010, p. 50) conta que nesse período as “exposições começavam a ser organizadas em todo tipo de espaços alternativos ou não tradicionais”, incluindo telhados, sótãos, porões, escadas de incêndio e edifícios abandonados.

Alanna Heiss[16] organizou um desses eventos sob a ponte do Brooklyn (Under the Brooklyn Bridge, 1971), um dos lugares abandonados da cidade usados por moradores de rua, além de depósito não oficial de lixo e entulho. Com outros artistas alternativos como ele (Carl Andre, Jan Dibbetts, Mark di Suvero, Michael Heizer e Philip Glass), Matta-Clark participava desses eventos apresentando obras especialmente criadas para cada lugar. Com sua formação de Cornell, decidiu “construir” para os sem-teto uma nova “casa”, usando o lixo disponível: “Minha perspectiva sobre a arte dentro de um contexto social é que é essencialmente um ato de generosidade humana, uma tentativa pessoal de enfrentar o mundo real através da interpretação expressiva” (MATTA-CLARK apud OWEN, 2010, p. 137).

Assim se relaciona o new yorker nativo com sua cidade, que chama de lar, para entender como funciona o ambiente (social) onde se move intensamente, procurando sempre o espaço (físico) que possa ocupar e transformar em lugar (artístico) ou, pelo menos, carregado de (alguma) significação que evocará como (se fosse) arte.

Essa eterna procura do substrato da ideia (artística) que subjaz à estrutura da cidade – às vezes literalmente, em subsolos, catacumbas ou esgotos[17] – pode ser encontrada também na superfície dos terrenos rejeitados, das ruínas e dos lotes inacessíveis. Finalmente, pode aparecer nas alturas dos edifícios abandonados, em suas janelas quebradas (Window Blow-out, 1976)[18] e em pórticos de portas escancaradas (Bronx Floors: Threshole, 1972) que se abrem como bocas sem dentes (Conical Intersect e Day’s End [Pier 52], 1975) a um espaço vazio que, no fim, deixará de existir e virá ao chão pela ação dos bulldozers e das picaretas.[19] Nosso artista continua procurando a generosidade na terra que chama de lar, ainda que seja entre ruínas, lixo e entulho (Garbage Wall, 1971).

 

 

 

 

 

 

Fake Estates (bens fictícios, propriedades falsas, falsos de raiz)

 

Fake Estates não é realmente uma “obra” de Matta-Clark. Antes de prosseguir, é melhor explicar o que isso significa. Primeiramente, as “obras” de nosso artista não são “obras” no sentido de “objetos”,[20] como um quadro de Picasso, que é uma obra de Picasso. Matta-Clark estava mais interessado na “total transitoriedade”, no “efêmero”; definitivamente, pretendia com suas “obras” fugir do compromisso com o permanente,[21] fugir de uma objetividade material final, estável, da resolução de um “problema” com uma resposta precisa: “a” obra. Ele afirmava que entendia “o trabalho como uma etapa especial em perpétua metamorfose”.[22] Assim, como ações metamórficas que se desenvolvem no tempo, que afetam objetos e trabalham com ideias e com materiais, suas “obras” não podem ser definidas pelo produto final. Até porque tal produto ou existe de maneira fragmentária, ou francamente não existe.

Depois, porque sobre Fake Estates pesa ainda o fato de não ter sido apresentado durante a vida do artista. As “montagens” (fotos, documentos e planos em molduras) que se conhecem (que foram exibidas ou publicadas) de Fake Estates foram feitas por Jane Crawford, quando, com o material original abandonado pelo artista em 1976, montou os “quadros” que hoje conhecemos para a exposição retrospectiva de Matta-Clark de 1992, organizada por Corinne Diserens, no IVAM Centre Julio González, Valência, 3 dez. 1992-31 jan. 1993 (RICHARD, 2005, p. 39).

Finalmente, porque foi um trabalho dilatado no tempo: embora as propriedades tenham sido compradas entre 1973 e 1974, a organização do projeto ficou em aberto, não só porque o artista o “abandona” em 1976, mas porque morre em 1978. É importante lembrar que o trabalho de Matta-Clark é essencialmente performático, embora não teatral nem simplesmente gestual.[23] Assim, podemos imaginar que os objetos recolhidos pelo artista para Fake Estates não são uma obra em si. Há na sua performance uma continuidade entre o que se pensa e faz antes, durante e depois do que se pode chamar de evento principal. Tampouco é “uma” obra a casa fendida, Splitting, 1974,[24] talvez o mais conhecido de seus trabalhos.

A casa já não existe, foi demolida três meses após a intervenção, e a obra não é a casa fendida, ou a fenda da casa, ou as fotografias e filmes que ficaram da ação (antes, durante ou depois), ou as colagens que o próprio artista montou com o material fotográfico produzido durante a ação dos cortes, ou ainda as exposições de partes da casa que aconteceram depois (Splitting: Four Corners, por exemplo). A “obra” (œuvre) é, de fato, a sequência de ações, eventos e objetos que se sucederam (foram criados ou aconteceram) desde que surgiu a ideia de intervir na casa até hoje, quando falamos da casa fendida neste trabalho e sobre a qual nem o artista nem os atuais proprietários da foto têm controle.

Fake Estates é um trabalho semelhante ao realizado em Splitting, só que a fenda já existia antes que Matta-Clark atuasse sobre o objeto (Fig. 2). Ele “assume” o evento estranho do corte da malha urbana por pequenas ou grandes fissuras inexplicáveis e inúteis que, na sua absurda situação, desmascaram a “estranheza” do sistema de delimitação da propriedade privada e da subdivisão do espaço na cidade, que é meramente geométrico, quando não burocrático e notarial. Evidentemente, isto é uma suposição, uma aproximação poética da obra, que requer de um mínimo de explicação, uma vez que a justificativa do artista para encampar a compra desses restos urbanos sempre foi sua estranheza.

 


Figura 2. Montagem comparativa entre Fake Estates e Splitting. Gordon Matta-Clark. Pormenor (imagem modificada pelo autor) de Reality Properties: Fake Estates, “Long Alley”, Block 3398, Lot 116, Nova York, 1974. [25]

 

Quando comprei essas propriedades no Leilão [de bens imóveis] da cidade de Nova York, a descrição delas que mais me empolgou foi a de “inacessíveis”. Eram um grupo de 15 microlotes de terra em Queens,[26] sobras do loteamento no desenho de um arquiteto. Uma ou duas, dignas de prêmio, foram uma faixa de um pé na garagem de alguém ou um pé quadrado [de terra] na calçada. E as outras foram [interstícios de] meios-fios e espaços de sarjetas. O que eu basicamente queria fazer era mostrar espaços que não podiam ser vistos e certamente não podiam ser ocupados. Comprá-los foi minha forma de assumir a estranheza das demarcações da propriedade existentes. A propriedade é tão onipresente. A noção que todos temos dela é determinada pelo fator de utilização (MOURE, 2006, p. 166, tradução nossa).[27]

 

Mas, alguns dos lotes (os mais cumpridos e estreitos)[28] evidentemente são como cicatrizes que fendem o território. E os outros, mesmo os menores,[29] são como lixo urbano, restos sem uso nem benefício para ninguém.[30] A ideia da fenda, da cicatriz, do indesejado, do abandonado, do sem sentido (como a casa partida ao meio) dá uma boa visão do trabalho artístico de Matta-Clark, que se recobre de uma unidade temática, apesar da enorme diferença dos objetos com que trabalha. Desde a intervenção no Museo Nacional de Bellas Artes de Santiago de Chile (1971) e as perfurações nos pisos dos apartamentos abandonados no Bronx (1973) até o buraco na construção abandonada de Paris (1975), perto do Pompidou, Matta-Clark trabalhou com esses restos e essas excrescências que nos confrontam com o sem sentido da sociedade contemporânea. A estranheza não é pop, como quando Warhol serigrafou a Campbell’s Soup Can (1964), uma estetização do mundo do consumo; a estranheza é rude e despretensiosa, procura enfrentar a inutilidade da realidade que nos escapa pelas fendas e pelos buracos que o artista insiste em abrir. Poderia estar mais vinculada à arte póvera, mas inexiste a intencionalidade ideologicamente educativa e desmistificadora dos artistas italianos nas ações do estadunidense, ainda que os materiais utilizados sejam bastante próximos. Sempre o que vale em arte são as intenções, e as intenções de Matta-Clark se dirigem à estranheza em si, à falta de concordância entre o mundo dito real e o mundo real mesmo. A raiz surrealista do mundo paterno talvez seja a marca de nascença que identifica – e diferencia – a apropriação artística do mundo que Matta-Clark realiza.

Como notou Pamela Lee (2001, p. 9 et seq.), há uma importante relação entre o sentimento do lugar, a relação com a cidade e a noção de propriedade, tributária da já mencionada experiência da vida em comunidade do SoHo nos anos 1970. Da mesma maneira que o exercício da propriedade era irrelevante para os artistas que usavam os edifícios abandonados ao sul da rua Houston, a propriedade desses microlotes também parecia irrelevante a qualquer usuário da cidade. Certamente não podiam ser usados, mas existiam, eram reais, pagavam-se impostos por eles, podiam ser comprados (e vendidos). Percebidos assim, apresentavam para o artista uma espacialidade própria, que, mesmo anômala, expunha a cidade. Justamente por essa falta total de sentido, prático ou conceitual, o anômalo, a existência evidente dessas “falsas” propriedades instigou – pelo menos Matta-Clark – a pensar artisticamente sobre o sentido profundo do espaço, do uso que dele podemos (ou não podemos) fazer e de nossa percepção da propriedade como determinante da existência no mundo capitalista.

Gwendolyn Owens (2010, p. 135) já chamou atenção para a importância da linguagem no trabalho de Matta-Clark: “era tão criativo com a linguagem como era com um lápis, uma câmera ou com a motosserra com a qual ‘cortava’ edifícios”. Fake Estates é um exemplo desse uso de frases de efeito ou trocadilhos. A expressão que Matta-Clark subverte aí é Real Estates (“bens de raiz”), normalmente entendidos como “propriedades”, mas, mais precisamente, como partícula de um bem cuja circunstância (no sentido da acepção comumente associada a Ortega y Gasset) a mantém intimamente ligada ao solo (à terra), unida de modo inseparável, física e juridicamente, ao terreno. Portanto, não é o próprio terreno (o “eu”), mas algo que está “inseparavelmente unido” a ele (a “circunstância”). Poderia ser uma construção, mas uma construção pode ser separada de seu “terreno”, como ficou demonstrado na exposição do grupo Anarchitecture,[31] de que Matta-Clark fazia parte. Só uma “propriedade” é “inseparável” do solo, quando este é um terreno: o espaço – que fica contido pelos limites (físicos) estabelecidos juridicamente (escritura).

Assim, Matta-Clark experimenta o usufruto da propriedade de um bem como o que é: alguma coisa intangível (um eu mais sua circunstância). Ser dono de um “objeto” que, sendo real, não pode ser visto ou usado. Ter em mãos a documentação necessária que certifica que se é dono daquilo que está desenhado e registrado, que pode ser referido, medido e fotografado. Uma quimera que permite e exige a representação, ainda que não possa ser usada, porém no entendimento da sociedade, mantém valor e existência legal. Por exemplo, um terreno de 30 cm de largura por 30 m de cumprimento (!?)[32] é um “lote”? Bem, em todo caso, custou 25 dólares e sobre ele o governo municipal cobrou impostos. Pouco importa o que se pode ou não se pode fazer nele. Essa “baixa tendência do valor de uso [...] é a base real da aceitação da ilusão geral no consumo das mercadorias modernas” (DEBORD, 2008, p. 33), um simulacro de realidade: falsas propriedades que nos obrigam a ver o que não vemos – o espaço, que, no entanto é real.

De acordo com os conceitos de Guy Debord (2008), essas “propriedades” seriam só dinheiro, uma representação da equivalência com a realidade. Mas, ainda assim, o dinheiro pago por elas é uma falsa finalidade, no sentido de que a finalidade real do artista não foi possuir as propriedades fisicamente ou seu valor de troca, mas sim expô-las como o que são: espaços reais, carregados de existência, ainda que absurda. Interessava-lhe representar o espaço como evento a ser debelado, redimido.

Para tanto, Matta-Clark reuniu uma documentação oficial que nos indica a existência dessas propriedades. Temos um plano da cidade onde se determinam as ruas que rodeiam a propriedade. Temos, no mesmo plano, a localização precisa dessa propriedade, com suas medidas relacionais, frente e profundidade. Podemos determinar quem são seus vizinhos e qual é sua orientação. Temos todos os dados analíticos necessários para determinar o objeto a que nos referimos. Sabemos também que é uma propriedade reconhecida administrativamente, uma vez que existe um documento oficial da cidade de Nova York que indica sua condição legal e quem é seu proprietário: uma escritura. São dados existenciais – pelo menos poderíamos assumi-los como tais – que nos revelam o objeto como “sendo” ou “estando” na cidade. Finalmente, temos as fotografias ou as colagens que o artista inclui para demonstrar o próprio fato da existência daquele espaço, que, ainda em sua insignificante dimensão, se nos apresenta como visível, logo, existente! Então, por que são falsas?

Matta-Clark enfatiza a presença indiscutível dos 15 “bens”[33] como “um grupo” (Fig. 3). Temos 15 “propriedades reais” (Reality Properties), sobre as quais o artista fala sempre em conjunto ou referindo-as umas às outras. Assim, não são 15 “obras”.[34] Elas não podem ter autonomia, isto é, não se pode acolher, na visão autônoma da(s) peça(s), “um pseudomundo à parte, objeto de mera contemplação” (DEBORD, 2008, p. 13) – montado para cada uma delas como objeto independente. Para pensar nessa obra como “objeto artístico”, e não como mero espetáculo, é preciso entender o mundo que se nos apresenta em sua complexidade e em sua forma mais abrangente. Qual seria esse mundo? Qual é o objeto dessa obra de Matta-Clark?

 

 


Figura 3. Imagens da localização das 15 propriedades de Fake Estates, Queens e Staten Island, em 2005. Montagem do autor. Fonte das imagens: Kastner et al. (2005, p. 24-25).

 

Não é cada um dos terrenos, os 15 “bens de raiz” que comprou, nem é a ação de tê-los comprado, nem o dinheiro gasto com eles. Não são tampouco as 15 propriedades juntas, não só porque nunca foram expostas dessa forma durante a vida do autor, mas também porque uma delas nem podia ser fotografada e a documentação sobre ela era incompleta; ainda assim, foi comprada e faz parte do grupo.

Pensando na forma de trabalhar do artista, percebemos que procurava mostrar “espacialidades ocultas” de objetos maiores sobre os quais pudesse atuar, geralmente cortando-os de algum modo. Sempre há um objeto maior no qual o corte, a fenda, se inclui como algo menor, mas que dá um novo sentido à totalidade, geralmente abrindo o espaço, decepando-o. Pensando assim, deveríamos inverter a relação entre “corte” e “objeto”, pelo menos nesse caso, entendendo que, dessa vez, Matta-Clark assume como “corte” um elemento preexistente, o microlote que, na nova representação, como objeto artístico, evidencia um sistema complexo maior, que só poderia ser o “espaço urbano”, a cidade em seu sentido e o sentimento do espaço como razão de ser de sua existência.[35]

O registro do indecifrável sentimento da espacialidade urbana, sua incongruente realidade que vai do espaço in-útil ao espaço sem-uso, do espaço degradado ao espaço perdido, rasgado na irredutível espacialidade da cidade (Fig. 4), que independe da representação, mas ao mesmo tempo a exige. A circunstância daquilo que está intimamente ligado à terra. “No mundo realmente invertido, a verdade é um momento do que é falso” (DEBORD, 2008, p. 16).

 

 


Figura 4. Gordon Matta-Clark, Reality Properties: Fake Estates, “Jamaica Curb”, Block 10142, Lot 15, Nova York, 1974. Montagem do autor. [36]

Fake Estates é uma obra sobre a cidade, sobre sua espacialidade oculta, profunda. Organizada de forma profissional por um arquiteto-artista que usa planos, mapas, medidas, plantas, documentos e fotografias, como perspectivas ou como cartas geográficas realistas, para determinar, de forma “invariável e verdadeira” – defenderia Leon Battista Alberti –, um objeto complexo que deve ser apresentado à sociedade. A representação pseudotécnica de cada lote isolado é, contudo, uma falsidade também, pois, como afirma Debord (2008, p. 15), “não é possível fazer uma oposição abstrata entre o espetáculo e a atividade social efetiva: esse desdobramento também é desdobrado”. Matta-Clark tenta fugir da sinuca denunciada pelo mestre mostrando que “o espetáculo que inverte o real é efetivamente um produto” (DEBORD, 2008, p. 15): ao trabalhar a obra como produto técnico de plantas e elevações (ou fotografias), procura retirar-lhes o conteúdo de espetáculo (da arte). As montagens posteriores ao falecimento do artista talvez pequem por ser demasiado “obras” para expor e “pendurar nas paredes”, o que não parece adequado, posto o que o próprio Matta-Clark (in MOURE, 2006, p. 252, tradução nossa) pensava a respeito: “Por que pendurar coisas na parede quando a parede em si é um meio muito mais desafiador?”. A parede tem uma profundidade que pode ser escavada, recortada, descamada (Bronx Floors, 1972-73, ou Bingo, 1974), além de sua dimensão frontal de superfície (da coisa superficial que ela parece ser). Da mesma forma, a multidimensionalidade dos lotes sem sentido de Fake Estates se manifesta quando o artista os separa de sua dimensão burocrática (plana, superficial, simplesmente legal) colocando-os em relação como uma dimensão artística primeiro (formatados plasticamente como plantas, fotos, documentos etc.) e depois urbana, apresentando-os como um grupo que se relaciona com a cidade.

No entanto, a finalidade do artista com esse material (desenhos, imagens) não é descrever o “objeto em si”, mas chamar atenção para as fendas, os cortes, os desentrosamentos que a cidade nos apresenta diariamente. Uma forma de “levar luz às vísceras da cidade” (MELLADO, 2010, p. 64). Tal como a rachadura da casa da rua Humphrey, essas fendas abrem um novo entendimento sobre o objeto que se nos apresenta. Assim, no caso de Fake Estates, temos de voltar nosso olhar para a cidade.

Com sua atitude, com sua descoberta, Matta-Clark talvez pretendesse reavivar nossa consciência da cidade por meio de sua representação. Mas, em nossos dias, é impossível ter uma percepção unitária da cidade, como acontecia até há não muito tempo – digamos, até o século XVIII ou XIX –, quando era possível representar uma cidade como um todo visível (Fig. 5). A totalidade é hoje uma abstração. Não só não há “a cidade”, como simplesmente não há “cidade”. Assim, toda afirmação sobre a cidade é pura tautologia, pois, definitivamente, a multiterritorialidade (HAESBAERT, 2004) – uma reterritorialização espacialmente descontínua e extremamente complexa de natureza heterogênea[37] – domina a cena metropolitana subjugando e deformando o espaço, que não obstante teima em persistir.[38]

 

 


Figura 5. St. Vicente, pormenor da gravura de Ian Iansz apresentando as cidades São Vicentes e de Santos. Fonte: Spielbergen (1621, p. 12).

 

A impossibilidade de uma apreensão completa da cidade pode ser o ponto crucial do interesse do artista por aqueles lotes perdidos no Queens e em Staten Island. A compreensão de uma obra desse porte requereria, certamente, circular por ela. Se o intuito fosse expor fotos e mapas, por que comprar os lotes? A compra só se justifica se o interesse fosse atuar na cidade – caminhando por ela, por exemplo.

You have to walk[39]

 

Assim, a estratégia de percepção da totalidade deve ser outra:

 

E essa incapacidade de perceber a obra de uma vez só faz com que seja preciso circular continuamente de um espaço a outro e tentar juntá-la tanto num processo de memória como numa exploração do espaço [...] a obra tem que ser reconstruída a partir de uma série de perspectivas e, de certo modo, o conceito final é mais o resultado de um desenho do que de qualquer leitura puramente superficial (MATTA-CLARK apud OWENS, 2010, p. 139).[40]

 

Grande parte das obras de Matta-Clark se sustenta nesta definição: “você tem que caminhar”.[41] Para entender melhor suas intenções, são necessários o movimento e também o tempo do movimento. Talvez seja porque as obras foram feitas a partir dele, do movimento e do tempo do artista, e não do material que se nos apresenta: pedra, madeira, lixo, imagem, desenho. Ele acreditava que o tempo e a energia despendidos na ocupação dos espaços abandondos do Soho significavam que eles pertenciam a quem trabalha neles. A propriedade se faz com tempo e esforço; as coisas pertencem a quem lhes dedica seu tempo. Talvez porque o movimento justifica o espaço, que não teria nenhum sentido se fôssemos entes estáticos: pedras ou lixo. E é o espaço o grande protagonista da obra de Matta-Clark, apesar de ele ter afirmado que não sabia o que significa a palavra espaço.[42] O que não deixa de ser sincero e verdadeiro, pois como saber seu significado dentro da complexidade do mundo moderno?

Mas de que espaço estaríamos falando? Do espaço inacessível dos terrenos comprados por Matta-Clark? Dos espaços entre as paredes a que se refere em muitos de seus escritos?[43] Dos espaços abertos pelas fendas e pelos cortes que fez em edifícios dos mais diversos usos, países e estilos? Do espaço interior? Do exterior? Do que está “entre”? Do que não está mas é? Ou do que está mas não é?

Ao nosso artista, pouco lhe importava chegar a alguma resposta. Não lhe interessava resolver problemas; deixava isso para os arquitetos! Mas o fato de ele afirmar que não sabia o que significa a palavra espaço não quer dizer que o espaço não lhe interessasse. Pelo contrário, foi o espaço o tema central que ele trabalhou toda a sua curta vida profissional, como arquiteto e como artista.

 

Pistas (clues)

 

O espaço de Matta-Clark[44] é um espaço que integra o movimento e o tempo, o deslocamento como elemento central de sua construção, mas também de sua leitura e compreensão. Matta-Clark (in MOURE, 2006, p. 321)[45] gostava de deixar sempre pistas do processo da obra: “pistas, eu acho, são coisas muito válidas que devemos fornecer”.

Atualmente, não é normal termos essa noção de movimento nos planos de cidade, fora os efeitos práticos de um GPS. Antigamente, no entanto, havia mapas que incluíam essas informações de forma natural, humana. O Mapa de Culhuacán y cercanias (VARGAS SÁNCHEZ; AYALA ALONSO, 2009, p. 263) (Fig. 6), de 1580, é um mapa híbrido, parte mexica e parte espanhol, que representa a cidade de Culhucán, fundada por teotihuacanos em tempos pré-hispânicos e que hoje pertence a um dos distritos da Cidade do México. É um mapa único, no uso de uma forma representativa típica da linguagem gráfica e mítica dos antigos habitantes do Vale de México ao lado de técnicas representacionais dos espanhóis do século XVI.

 

 


Figura 6. Mapa de Culhuacán, México, 1580. Disponível em: <http://www.lib.utexas.edu/benson/rg/culhuacan.jpg>. Acesso em: 25 ago. 2019.

 

Nele, vemos diferentes monumentos e edifícios representativos, mas também as pontes e os terrenos disponíveis para cada uma das atividades da cidade. Entre eles, se encontram as ruas e os córregos que cruzam a cidade seguindo o tabuleiro filipino ou a geometria livre da natureza. Já as ruas estão identificadas com marcas de pés, como se alguém caminhasse por elas. São referências ao uso humano da cidade e à necessidade de vida que lhes dá o movimento humano. As marcas seguem padrões similares, mas direções diferentes: umas vão, outras vêm, como se as ruas tivessem sentidos de circulação, o que não existia na época. Mas esse ir e voltar das pisadas identifica e unifica a cidade numa ideia de totalidade usada pelo homem – nesse caso, a pé. Ainda que se trate de um exemplo pouco dado na tradição ocidental, era bastante comum nas representações pré-hispânicas. Existia entre aqueles povos um sentido de movimento que acompanhava suas representações, talvez porque migrassem.

A migração pela cidade, que é hoje um território imenso, é o que nos propõe Matta-Clark quando apresenta seus “falsos bens” fragmentados.[46] Um pouco como ele mesmo fazia quando percorria as ruas atrás das falsas propriedades, procurando recompor o espaço interno da cidade perdida, tomado pela necessidade de entender a disparidade dos objetos apresentados e unindo-os no percurso pela cidade – é o objeto final que a obra inacabada nos oferece. Faltou-lhe colocar as pisadas para nos indicar o caminho, mas isso talvez seja pedir demais a um homem moderno, ainda que seja um artista. Contudo, posto que nada é explicito na obra de Matta-Clarck, devemos supor que é a nós que incumbe encontrar esses caminhos seguindo as pistas que ele nos deixou, isto é, caminhando (Fig. 7).

 

 


Figura 7. Pisadas. Pormenor de uma ilustração do Codex Boturini. Adaptado pelo autor. Fonte do original, disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/Boturini_Codex>. Acesso em: 25 ago. 2019.

 

[In]conclusões

 

Por respeito ao artista, que nos permitiu e instigou a pensar as relações expostas aqui, este texto não apresenta conclusão nenhuma. E não poderia ser de outro modo, pois correríamos o risco de concluir sobre uma “obra” em si inconclusa, abandonada, como é Fake Estates. Tecemos estas divagações nas emaranhadas intenções complexas e cheias de estratificações de Matta-Clark procurando – como ele e com ele – cavar fundo no sentido do espaço, que nos pareceu, intuitivamente, ser o leitmotiv de uma escuta atenta do que ele talvez nos tenha querido dizer.

Ainda assim, podemos mencionar algumas inquietações. Qual teria sido o destino de Fake Estates se o artista não tivesse falecido? Evidentemente, é impossível saber, mas pensamos que a montagem de Jane Crawford, de 1992, talvez não tenha sentido para uma visão de mundo que nos parece possível para Matta-Clark. Assim, parece justo pensar em outra alternativa, pois nem a viúva sabia com certeza o que ele faria com esse material,[47] mas emoldurá-lo para pendurá-lo numa galeria não deve ser a (única) ação que o artista teria imaginado. A própria proposta de Crawford (2010, p.47) nos deixa perplexos, porque ela mesma reconhece que “as instituições não eram espaços que oferecessem um ambiente de liberdade” e ainda que a “própria cidade era a paleta” de Matta-Clark, assim como reconhecia que ele pertencia a um grupo de artistas que “procuravam evitar as galerias e demais ‘instituições elitistas’” (CRAWFORD, 2010, p. 49). Portanto, reconhecia que se tratava de um artista cuja obra tendia a ser realizada na cidade, fora do ambiente fechado do museu ou das galerias, que só considerava úteis “como agências de distribuição de informações” (MATTA-CLARK; WALL, 2010, p. 163).[48]

Veja-se o exemplo de Open House (19-21 maio 1972),[49] que foi concebido como um evento para marcar as atividades da galeria de Horace e Holly Solomon, mas não transcorreu dentro do 98 da rua Greene, e sim na rua, em frente à galeria. O exemplo de Dumpster Duplex, um objeto similar a Open House, é bastante esclarecedor. Consistia também numa caçamba onde Matta-Clark construiu seu labirinto de restos de obra, como em Open House, agregando-lhe um mirante (o duplex) que se acessava por uma escada. Estacionada na rua, em frente à galeria 112 Greene Street, era a contrapartida da instalação Wallspapaer (21 out./10 nov. 1972), do mesmo artista, que acontecia dentro da galeria. Contudo, a obra consistia em “muros expostos descascados [...] compilados fotograficamente e impressos em offset, para formar jornais colocados como papel de parede sobre um dos muros” (CUEVAS, 2010, p. 25) da galeria, transformando-o numa visão da decadência urbana, isto é, “dando ao interior a aparência de uma parede exterior de rua” (MAMCO, 2016).

Essa procura do espaço aberto, da construção na cidade, da cidade em si parece dar algumas pistas das intenções do autor para com aquele material documental. Primeiro, a existência de uma trama urbana onde os lotes aparecem em quase todos os jogos de documentos que o artista reuniu para cada um deles. Não foram só documentos cartoriais, mas plantas e mapas, determinação de quadras fiscais e imagens dos lugares, como se fossem peças de um quebra-cabeça[50] gigante que poderia abarcar a cidade toda. Em geral, essas imagens são apresentadas hoje emolduradas como se fossem unidades autônomas, mas, como vimos, devem ser consideradas um grupo. Vista assim, a somatória desses pedaços de cidade apresenta alguma afinidade, ao menos formal, com os mapas situacionistas dos anos 1960, por exemplo, o já mencionado The Naked City, 1958, de Guy Debord.

Vale aqui uma digressão. Matta-Clark “abandonou” Fake Estates, pois, como já apontamos, ele recolheu o material numa caixa e o entregou-o a seu amigo Norman Fisher e, ainda que em alguma declaração da época (1973) tenha insinuado que poderia montar com ele uma exposição fotográfica numa galeria (MATTA-CLARK apud RICHARD, 2005, p. 45), nunca o fez. O que deixou foi um quebra-cabeça por armar, cujas peças jogadas sobre a mesa poderiam se parecer com a cidade despida de Debord. Uma imagem desconcertante de uma cidade que se mostra tal como é, sem adereços, nua. Capaz de um didatismo social que revela a inutilidade da geometrização cartográfica do urbanismo moderno que na sua abstração ensejou o surgimento desses falsos lotes pelos quais Matta-Clark perambulou uma vez.

Voltando a Debord. Poderia ter sido a deriva o interesse de Matta-Clark? Pensamos que não, ainda que o caminhar fosse a ação por excelência de seu trabalho. A deriva impõe um andar sem direção e também sem intenção. As peças do quebra-cabeça de Matta-Clark demonstram uma intenção que surge de sua estranheza; assim, apesar de a estrutura do mosaico situacionista se adapte bem à performance de nosso artista, a intencionalidade debordiana não. Mas, se misturamos a ideia de levar a arte à cidade com a estrutura desse quebra-cabeça, enfatizando a ação de um caminhar intencional, podermos encontrar uma ideia bastante plausível: a construção de um “instrumento didático” que transformasse a cidade numa enorme galeria de arte, onde as peças (do quebra-cabeças) de Fake Estates (os 15 lotes) fossem entendidas como obras museograficamente colocadas nesse gigantesco espaço. A interconexão das obras, seguindo as setas do plano de Debord, seria feita pelo caminhar humano, como no mapa mexica de Culhuacán, dando um aspecto de integração entre a cidade e a arte (Fig. 8).

 

 


Figura 8. Montagem sobre vista de satélite das áreas de Queens e Staten Island, com as imagens dos locais dos 15 lotes de Fake Estates. Fonte das imagens: Kastner et al. (2005, contracapa).

 

Que outra coisa seria essa visão ampla da cidade como portadora de obras de arte, senão a de uma gigantesca exposição (Fig. 9) de que a cidade seria não só o pano de fundo para as obras, mas a obra em si?

 

 


Figura 9. Montagem das imagens dos locais de Fake Estates sobre cavaletes do Masp (Lina Bo Bardi), numa vista de satélite das áreas de Queens e Staten Island. Fonte das imagens: Kastner et al. (2005, p. 24-25/capa/contracapa), cavaletes do Masp fotografados pelo autor.

 

Como fez Lina Bo Bardi com o Masp, obra de arte que contém arte, a transformação da cidade em obra de arte significativa proposta por Matta-Clark demanda a compreensão de tal objeto (a cidade) em instrumento didático capaz de criar uma “complexidade que nada tivesse a ver com a geometria, nem com o mero encerramento ou confinamento, tampouco com barreiras, mas que remete à criação de alternativas” (MATTA-CLARK apud RANGEL, 2010, p. 31). Alternativas que sejam capazes de tirar-nos da degradação. A obra de Matta-Clark transforma a cidade numa galeria a céu aberto, onde devemos caminhar para nos encontrarmos com as obras que flutuam no espaço (lotes impossíveis, mas reais). O artista nos brinda com uma cidade que exige uma nova interpretação, tanto para si quanto para a arte que ela poderia vir a albergar.

 

Referencias

ALBA, Antonio Fernández. La metrópoli vacía: aurora y crepúsculo de la arquitectura en la ciudad moderna. Barcelona: Anthropos, 1990.

ATTLEE, James. Towards Anarchitecture: Gordon Matta-Clark and Le Corbusier. Tate Papers, London, n. 7, Spring 2007. Disponível em: <http://www.tate.org.uk/download/file/fid/7297>. Acesso em: 25 ago. 2016.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

CARERI, Francesco. El andar como práctica estética. Barcelona: Gustavo Gili, 2002.

CLAUSEN, Barbara. Performing histories: Why the Point Is Not to Make a Point… Afterall Journal, London, n. 23, Spring, 2010. Disponível em: <http://www.afterall.org/journal/issue.23/performing.historieswhy.the.point.is.not.to.make.a.point.barbara.clausen>. Acesso em: 25 ago. 2016.

CRAWFORD, Jane. Gordon Matta-Clark uma comunidade utópica: o Soho na décade de 1970. In: MUSEO DE ARTE DE LIMA (Org.). Gordon Matta-Clark. Desfazer o espaço (Catálogo da exposição). Lima/São Paulo: Museo de Arte de Lima/Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010. p. 43-57.

CUEVAS, Tatiana. Desfazer o espaço. In: MUSEO DE ARTE DE LIMA (Org.). Gordon Matta-Clark. Desfazer o espaço (Catálogo da exposição). Lima/São Paulo: Museo de Arte de Lima/Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010. p. 23-29.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

DISERENS, Corinne (Ed.). Gordon Matta-Clark. Nova York: Phaidon, 2010.

GODDARD, Donald. Odd Lots Revisiting Gordon Matta-Clark’s Fake Estates. Art Review/New York Art World, Nova York, 2006. Disponível em: <http://www.newyorkartworld.com/reviews/matta-clark.html>. Acesso em: 25 ago. 2016.

HAESBAERT, Rogério da Costa. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

KASTNER, Jeffrey et al. Odd Lots: Revisiting Gordon Matta-Clark’s Fake Estates. Nova York: Cabinet Books/The Queens Museum Of Art/White Columns, 2005.

KROESSLER, Jeffrey A. Gordon Matta-Clark’s moment. In: KASTNER, Jeffrey et al. Odd Lots: Revisiting Gordon Matta-Clark’s Fake Estates. Nova York: Cabinet Books/The Queens Museum Of Art/White Columns, 2005. p. 30-37.

LEE, Pamela. Object to be destroyed: The Work of Gordon Matta-Clark. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2001.

MAMCO. Musée d’Art Moderne et Contemporain. Genebra. Catálogo da exposição “Gordon Matta-Clark, Open House, 1972 (1985)”. Disponível em: <http://www.mamco.ch/expositions/encours/Gordon_Matta_Clark_EN.html>. Acesso em: 25 ago. 2016.

MATTA-CLARK, Gordon. Declaração sobre Day’s End, 1975. In: MUSEO DE ARTE DE LIMA (Org.). Gordon Matta-Clark. Desfazer o espaço (Catálogo da exposição). Lima/São Paulo: Museo de Arte de Lima/Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010, p.156-157.

MATTA-CLARK, Gordon; WALL, Donald. Excertos do rascunho de uma entrevista com Donald Wall para Arts Magazine. In: MUSEO DE ARTE DE LIMA (Org.). Gordon Matta-Clark. Desfazer o espaço (Catálogo da exposição). Lima/São Paulo: Museo de Arte de Lima/Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010. p. 158-172.

MELLADO, Justo Pastor. Roberto Matta e Gordon Matta-Clark, a ruptura de uma filiação. In: MUSEO DE ARTE DE LIMA (Org.). Gordon Matta-Clark. Desfazer o espaço (Catálogo da exposição). Lima/São Paulo: Museo de Arte de Lima/Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010. p. 59-67.

MOURE, Gloria (Ed.). Gordon Matta-Clark. Madri: Polígrafa, 2006.

MUSEO DE ARTE DE LIMA (Org.). Gordon Matta-Clark. Desfazer o espaço (Catálogo da exposição). Lima/São Paulo: Museo de Arte de Lima/Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010.

OWENS, Gwendolyn. Matta-Clark e a arte da escrita. In: MUSEO DE ARTE DE LIMA (Org.). Gordon Matta-Clark: desfazer o espaço (Catálogo da exposição). Lima/São Paulo: Museo de Arte de Lima/Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010. p. 135-139.

RANGEL, Gabriela. Desfazer o labirinto. In: MUSEO DE ARTE DE LIMA (Org.). Gordon Matta-Clark: desfazer o espaço (Catálogo da exposição). Lima/São Paulo: Museo de Arte de Lima/Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2010. p. 31-41.

RICHARD, Frances. Spaces Between Places: The evolution of Fake Estates, Part I. In: KASTNER, Jeffrey et al. Odd Lots: Revisiting Gordon Matta-Clark’s Fake Estates. Nova York: Cabinet Books/The Queens Museum Of Art/White Columns, 2005. p. 38-50.

ROWE, Colin; KOETTER, Fred. Ciudad collage. Barcelona: Gustavo Gili, 1981.

SPIELBERGEN, Joris van (George de). Miroir Oost et West-Indical. Amsterdão: Chez Iian Iansz, 1621. Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b550101831/f5.image>. Acesso em: 25 ago. 2019.

URSPRUNG, Philip. Anarchitecture: Gordon Matta-Clark and the Legacy of the 1970s. Gazette, Singapura, n. 17, 2012. Disponível em: <http://www.fcl.ethz.ch/assets/Gazette-17-Anarchitecture-Gordon-Matta-Clark-and-the-Legacy-of-the-1970s.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2016.

VARGAS SÁNCHEZ, Concepción; AYALA ALONSO, Enrique (Org.). Memorias del Seminario Internacional Arquitectura y Ciudad. Métodos historiográficos: análisis de fuentes gráficas. México: Universidad Autónoma Metropolitana, 2009.

WALKER, Stephen. Gordon Matta-Clark: art, architecture and the attack on modernism. Nova York: Tauris, 2009.

 


Data de Recebimento: 04/02/2019
Data de Aprovação: 08/09/2019

 

 

 

[1] Em depoimento de 1975 a Donald Wall, Matta-Clark afirmou: “Não trabalho com a arquitetura no esentido convencional” (MATTA-CLARK; WALL, 2010, p. 158). No entanto, o sentido da afirmação é mais uma rejeição à profissão (no sentido convencional) que à arquitetura, pois afirma depois que lhe interessa discutir a “impossibilidade” da arquitetura (p. 164).

[2] Matta-Clark não deu um nome específico à “obra”. Os que se usam hoje (Reality Properties: Fake Estates, Fake Estate e Reality Positions: Fake Estates, por exemplo) foram dados nos anos 1990 (RICHARD, 2010, p. 38). Inicialmente, pode ser considerada uma “colagem de fotografias e documentos relativos à compra de propriedades ao redor de Manhattan [sic] e Queens, [e um] vídeo de Jaime Davidovich” (MUSEO DE ARTE DE LIMA, 2010, p. 224). Aqui, diremos Fake Estates, porque é a designação mais usada e mais curta.

[3] O projeto começou com a compra de 15 propriedades em 1973-74. O material esteve com Matta-Clark até 1976 (CRAWFORD, 2010, p. 51), quando ele o entregou a seu amigo, o colecionador de arte, Norman Fisher. Em 1979-80, o material foi dado à viúva de Matta-Clark, Jane Crawford (GODDARD, 2006) que, em 92, o montou e emoldurou da forma como é exposto até hoje.

[4] Por exemplo, La città ideale, 1475, de Piero della Francesca.

[5] Por exemplo, Capriccio com edifici palladiani, c.1755.

[6] Por exemplo, o Plan Voisin de Le Corbusier para Paris, 1922. Mas também o Chester Terrace de John Nash para Londres, 1825.

[7] Que nunca aconteceu na vida do artista.

[8] “Reality Properties: Fake Estates. Queens Project”, 1975, vídeo de Jaime Davidovich (7 minutos, p&b) documentando a visita de Matta-Clark e sua amiga Betty Sussler aos lotes do Queens.

[9] Uma técnica surrealista, como no cachimbo de Magritte (La trahison des images, 1929), por exemplo.

[10] Por exemplo, La via Appia e Ardeatina em Le Antichità Romane, 1756.

[11] No mesmo momento que Matta-Clark “descobre” a estranheza da geometrização urbana, autores como Henri Lefebvre (La production de l’espace, 1974) questionavam a “produção do espaço” urbano capitalista.

[12] Era o campo de batalha entre Jane Jacobs e Robert Moses (BERMAN, 1986, p. 274 et seq.; KROESSLER, 2005).

[13] Descrevendo a peça Roof Piece, da coreógrafa e dançarina Trisha Brown realizada em 1973, Barbara Clausen (2010) afirma que, apesar de só uma das fotografias de Babette Mangolte ter sido publicada no The New York Times, “It quickly became the poster image of the downtown New York art scene in the 1970s”.

[14] Babette Mangolte (2016) descreve o SoHo como: “a quiet place mostly habited by artists who all knew each other”, contrastando com a descrição do Bronx de Berman (1986, p. 275).

[15] Conhecem-se pelo menos quatro endereços seus no bairro, de 1970 a 1978 (MUSEO DE ARTE DE LIMA, 2010, p. 222).

[16] Amiga de Matta-Clark, Heiss fundou o PS 1 (Institute for Art and Urban Resources Inc), organização dedicada a transformar edifícios abandonados de Nova York em estúdios (ou espaços expositivos) para artistas.

[17] Matta-Clark percebia o subsolo como “one of the last repositories of history in North America that had not disappeared under parking lots” (ATTLEE, 2007). Por exemplo, Substrait (Undergound Dailies), Nova York, 1976; e Sous-sols de Paris (Paris Underground), Paris, 1977. O último está disponível em: <https://vimeo.com/8695651>. Acesso em: 25 ago. 2016.

[18] Fotografias do Bronx apresentadas no Institute of Architecture and Urban Studies, Nova York, junto a trabalhos de arquitetos como Peter Eisenman e Michael Graves. As imagens foram complementadas com uma ação de Matta-Clark, que entrou na exposição com um rifle de ar comprimido atirando em várias janelas e quebrando seus vidros, como nas imagens do Bronx.

[19] Em Bingo, 1974, Matta-Clark filmou a ação do bulldozer (demolição programada pela municipalidade), que chegou uma hora depois de terminada a intervenção. Diponível em: <https://vimeo.com/8695651>. Acesso em: 25 ago. 2016.

[20] Stephen Walker (2009, p. XIII) faz uma operação interessante ao substituir a palavra “obra” por “œuvre literalmente como ‘produção total’”.

[21] Entrevista de Matta-Clark a Judith Russi Kirshner em 1978, no Museum of Contemporary Art de Chicago (MOURE, 2006, p. 318).

[22] Entrevista de Matta-Clark a Donald Wall (MOURE, 2006, p. 66).

[23] Matta-Clark afirma: “Meu trabalho é baseado na performance, mas não é feito para ser assistido” (MATTA-CLARK; WALL, 2010, p. 165).

[24] Disponível em: <https://vimeo.com/8695651>. Acesso em: 25 ago. 2016.

[25] Disponível em: <http://socks-studio.com/2014/10/22/gordon-matta-clarks-reality-properties-fake-estates-1973/>. Splitting, Nova Jerssey, 1974. Disponível em: <http://www.criticismism.com/2011/03/06/ gordon-matta-clark-splitting-1974/>. Acesso em: 25 ago. 2019.

[26] Foram 14 propriedades em Queens e uma em Staten Island (nota nossa).

[27] Entrevista de Matta-Clark a Liza Bear em 1974, publicada originalmente em Avalanche, dez. 1974, p. 34-37.

[28] O mais extenso (Block 3398, Lot 116) tem 355 pés x 2 pés 33 pol. (108,20 x 0,71 m).

[29] O menor (Block 1107, Lot 146) tem 1 pé 11 pol. x 1 pé 83 pol. (0,34 x 0,56 m).

[30] Ver as dimensões dos lotes em Kastner, Najafi e Richard (2005), também disponíveis em: <http://www.cabinetmagazine.org/events/oddlots.php>. Acesso em: 25 jul. 2016.

[31] Anarchitecture é um tema bastante amplo. Além de uma exposição na galeria 112 Greene Street (9-20 mar. 1974), é o nome de um coletivo de artistas (1973-74), assim como um conceito (ou mais de um) usado por Matta-Clark e seus amigos para identificar determinadas situações de estranheza (ATTLEE, 2007). Pode ser uma apropriação do termo usado no artigo “Towards Anarchitecture”, de Robin Evans, 1970 (URSPRUNG, 2012).

[32] 1 pé x 100 pés é a medida de um dos lotes (Block 624, Lot 141).

[33] De fato, 14, pois um deles era realmente inacessível e nunca foi fotografado. Na figura 9, a última foto corresponde a uma imagem do quarteirão onde fica oculto o lote 15 (único em Staten Island).

[34] Ainda que, depois da montagem de Crawford, elas possam ser vendidas e exibidas como obras separadas, já que assim foram montadas e emolduradas.

[35] Talvez uma aproximação do pensamento e da atitude que a Internacional Situacionista (IS), Guy Debord, o Grupo Cobra, o arquiteto Constant Nieuwenhuys e os escritos de Henri Lefebvre inspiraram na formação de Matta-Clark.

[36] Imagem de base disponível em: < http://www.davidzwirner.com/image/reality-properties-fake-estates-jamaica-curb-block-10142-lot-15/ >. Acesso em: 25 ago. 2019.

[37] Antonio Fernández Alba (1990, p. 77, tradução nossa) afirma que é preciso entender a metrópole moderna como “um fenômeno de ruptura, descontinuidade e exclusão com referência aos vestígios consolidados em que se formalizava a cidade burguesa” e que parte dos projetos desenvolvidos no século XX não passam de tentativas de “controlar o heterogêneo de sua natureza”.

[38] A exposição [Fake] Fake Estates: Reconsidering Gordon Matta-Clark’s Fake Estates, de Martin Hogue, 2007, mostra a presença dessas sobras espaciais na metrópole contemporânea. Disponível em: <http://knowlton.osu.edu/event/fake-fake-estates-reconsidering-gordon-matta-clarks-fake-estates>. Acesso em: 25 ago. 2016.

[39] Entrevista de Matta-Clark a Judith Russi Kirshner, 1978. (MOURE, 2006, p. 335) Ver também os comentários de Stephen Walker (2009, p. 57 et seq.) sobre essa afirmação do artista, pois são complementares aos aqui expostos.

[40] Falando sobre Office Baroque, Antuérpia, 1977.

[41] Sobre a ação do caminhar no âmbito da arte, ver Francesco Careri (2002).

[42] A afirmação encerra a entrevista a Judith R. Kirshner (MOURE, 2006, p. 335)

[43] “Onde gostaria de me refugiar” (MATTA-CLARK; OWEN, 2010, p. 167)

[44] “O tipo de espaço que nós, todos nós, temos armazenado na nossa memória... espaços que são detalhados e precisos, ou muito gerais, em todos os níveis de reminiscência. E, claro, quando se fala em reminiscência, emergem infinitas associações” (MATTA-CLARK apud WALKER, 2009, p. 69, tradução nossa).

[45] Entrevista a Judith R. Kirshner.

[46] Fragmentação notória na visão da IS sobre a cidade.

[47] Até porque não o conhecia muito bem: foram apresentados em 1976, casaram-se em maio de 1978 e, em agosto, Gordon Matta-Clark faleceu (DISERENS, 2010, p. 222).

[48] Matta-Clark era um artista e vivia dessa profissão. Portanto, participava do mercado da arte e precisava participar do mundo das galerias, ainda que fossem alternativas como a 112 Greene Street ou a de Holly Solomon. O que afirmamos aqui é que não era essa sua finalidade.

[49] Também chamada de Dumpster, ou Drag-on, é, além da instalação da caçamba, um filme colaborativo sobre a performance realizada no local, que contou com a participação de Matta-Clark e de outros amigos que apareceram para o evento.

[50] “Quebra-cabeças” é como Jane Crawford (2010, p. 51) define o material que recebeu de Norman Fisher.