“No carnaval a fantasia é minha. O corpo é meu”: memória e rupturas feministas na folia


resumo resumo

Dantielli Assumpção Garcia
Lucília Maria Abrahão e Sousa



 

1. “Mas é carnaval, vadia”: que dizeres são estes?

A festa carnavalesca é vista, pelo imaginário popular, como um espaço em que tudo é permitido, em que não há coerções, não há limites. Na folia, é permitido tanto vestir-se de outra pessoa para brincar o carnaval, como “agarrar”, “beijar à força”, “dedar”, “puxar o cabelo”, “passar a mão no corpo”, isto é, violentar o outro. Nesse imaginário de permissividade, o sujeito que diz não a essa “liberdade opressora” é vítima, simbolicamente ou não, de uma violência. Diante desse cenário que violenta principalmente a mulher, surgem diversas manifestações contra essa legitimação “carnavalesca” da violência. Algumas dessas manifestações são produzidas pela Marcha das Vadias[1] e outros coletivos feministas e divulgadas nas páginas do Facebook. São esses posts que comporão nosso material de análise. Para esse artigo, escolhemos analisar: (1) uma campanha sobre o carnaval da Marcha das Vadias de Recife; (2) o texto “Mas é carnaval, vadia” – ou quando os homens chegam ao fundo do poço”, de Leonardo Sakamoto, divulgado na página da Marcha das Vadias de São Paulo; (3) uma campanha da Revista Vip “Não seja um escroto neste carnaval”, divulgada na página da Marcha das Vadias do Rio de Janeiro; (4) o post “No carnaval a fantasia é minha. O corpo é meu”, da página feminista do Facebook Acontece Comigo; (5) o post “Nesse carnaval você pode ser o que quiser...”, do coletivo Mulheres em Luta; (6) uma mensagem, divulgada na Marcha das Vadias de Belo Horizonte, sobre Marchinhas na cidade de Contagem. Na análise desse material, pretendemos mostrar como um discurso-outro é trazido nas formulações como uma memória sobre a mulher e o carnaval. Memória esta que a Marcha das Vadias e outros coletivos feministas buscam atualizar, romper, na tentativa de fundar um outro discurso sobre a mulher e seu corpo na sociedade da folia.

Nosso trabalho divide-se em três partes. Na primeira, refletiremos sobre o carnaval e seus sentidos à sociedade brasileira. Na segunda, faremos



[1]A Marcha das Vadias surgiu a partir de um episódio ocorrido em janeiro de 2011, quando o policial canadense Michael Sanguinetti, em uma palestra na Universidade de Toronto, recomendou que “as mulheres evitassem se vestir como putas para não serem vítimas de estupro”. Como reação a sua fala, em abril do mesmo ano, cerca de três mil canadenses saíram às ruas para protestar na primeira Slut Walk, a Marcha das Putas, ou na tradução adotada no Brasil, a Marcha das Vadias. As manifestações das Marchas das Vadias espalharam-se pelo mundo e já em 2011 ocorreram em diversas cidades brasileiras.