Revelando o outro: fotojornalismo e representações da pobreza no sertão


resumo resumo

Thiago Manchini de Campos



Introdução

O sertão nordestino, mistificado por grandes obras da literatura brasileira, é há algumas décadas alvo do olhar peculiar da fotojornalismo. O evento de captura, tratamento e circulação da imagem tem o efeito, similar ao da literatura, de criar espaços legítimos de interpretação dos possíveis sentidos “do que vem a ser o sertão”. Desse modo a fotografia se constitui como um acontecimento que, ao irromper na história, não só formula mas também demanda sentidos. Partimos da constatação já bastante discutida (AUMONT, 2002; DUBOIS, 1993; KRAUSS, 2002; KOSSOY, 2002; SONTAG, 2003, 2004, entre tantos outros) de que a fotojornalismo brasileiro, pautado em uma tradição que atribui às imagens o significado de factualidade instaura, reproduz e legítima um discurso específico sobre a pobreza no sertão sustentado pelas temáticas da falta e religião. Nosso objetivo é abordar o caráter estético desta prática específica do fotojornalismo o qual, dizendo-se “instrumento de denúncia social”, autoriza-se a criar uma memória que tem como efeito primordial naturalizar possíveis sentidos para a pobreza, retratando o indivíduo na posição-sujeito “pobre”. Este trabalho é fruto de algumas reflexões desenvolvidas em minha tese de doutorado e está dividido em duas partes. Primeiramente, partindo do dispositivo teórico-analítico da Análise de Discurso (AD), iremos pontuar brevemente algumas questões relacionadas à materialidade imagética da fotografia no contexto do fotojornalismo sendo que, no segundo momento, a discussão será expandida de modo a contemplar a análise de algumas imagens produzidas por fotógrafos de renome, conhecidos pelos seus retratos do sertão nordestino.

 

Abertura do Simbólico: materialidades significantes

A definição saussuriana de signo como aquilo que os outros não são[1], fundamentada na noção de valor, possibilita reflexões que deslocam o foco da tradicional oposição significado/significante, permitindo assim teorizar sobre o político como fator constitutivo da linguagem:

Passamos de uma configuração dicotômica para um espaço de três termos, em que o linguístico se baseia em uma exclusão. O que vem aqui (...) é a relação de um signo com um outro signo (...) o valor sustenta e, ao mesmo tempo, limita o arbitrário (...) Colocar o valor como peça essencial do edifício equivale a conceber a língua como rede de “diferenças sem termo positivo” (...) o não dito é constituinte do dizer, porque o todo da língua só existe sob a

 



[1] Quando se diz que os valores correspondem a conceitos, subentende-se que são puramente diferenciais, definidos não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente por suas relações com os outros termos do sistema. Sua característica mais exata é ser o que os outros não são. (SAUSSURE, 2006, p.136).