Big data e as pegadas do monstro: o digital na leitura da Análise do Discurso


resumo resumo

Mariana Garcia de Castro Alves



Introdução

Novafala, duplipensamento, a mutabilidade do passado. Winston tinha a sensação de estar vagando pelas florestas do fundo do mar, perdido num mundo monstruoso em que o monstro era ele próprio. (ORWELL, George. 1984)

Compreender as especificidades do digital e analisar seus limites e potencialidades requer interpretação de práticas calcadas em formações sociais determinadas. Por ser um campo que insere a ideologia nos estudos de linguagem, a Análise do Discurso (AD) é, assim, atualmente instada a problematizar relações que envolvam a materialidade digital. Com tal filiação, buscamos aqui perguntar à teoria o que ela poderia oferecer como reflexão ao digital e, ao mesmo tempo, no sentido inverso, o que análises e discursos sobre o/do digital poderiam fornecer às reflexões já empreendidas pela teoria.

Neste artigo, discutiremos dois textos de Thomas Herbert, pseudônimo usado por Michel Pêcheux a partir de meados dos anos 1960: “Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e, especialmente, da psicologia social” (1966) e “Observações para uma teoria geral das ideologias” (1968). Sua tomada em conjunto deve-se ao fato de que ambos tratam de “epistemologia e da filosofia do conhecimento empirista” (HENRY, 2010, p. 23). O exercício dessa leitura, feita com o olhar do digital, remete-nos a questionamentos sobre a aplicação do big data como instrumento de conhecimento contemporâneo. Ao tomar discussões relativas ao big data, a proposta é realizar uma leitura possível desses dois textos de modo a torná-los atuais, onde tenham condições para tanto, ou deixá-los à beira do esquecimento, em pontos específicos cujos ecos não sejam ouvidos ou não encontrem mais sentido.

Em “Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e, especialmente, da psicologia social” (1966), Pêcheux trata de epistemologia buscando instrumentos para tirar as ciências sociais de um estado pré-científico. Para Henry (2010), uma reflexão geral sobre o que seja um instrumento científico mereceria ainda nossa atenção. Segundo o autor,

Esse deveria ser o caso, se temos em mente aquilo que se coloca atualmente como fornecendo as bases de uma “nova ciência do espírito”, fazendo referência às máquinas de Turing, aos computadores e às redes neoconexionistas ou neuronais. Infelizmente, Pêcheux não está mais conosco para nos ajudar a fazer frente a este retorno do “velho monstro”. (HENRY, 2010, p. 38)

Nessa pista dada por Henry, portanto, retomamos os dois primeiros textos publicados de Pêcheux (1966 e 1968) para verificar se esse “monstro” do empirismo é travestido pelo digital. A análise apontará que Henry pode ter razão em dizer que o instrumento científico mereceria nossa reflexão, isto é, que Pêcheux teria deixado nesses trabalhos algum legado sobre o tema, com ressoar no digital. Em algumas observações de Herbert, é possível ver Pêcheux a seguir os passos desse “velho monstro”. Penso ser justo dizê-lo, pois, em certos momentos, Pêcheux só me é legível quando faço correspondência com discussões sobre big data e, ao mesmo tempo, o big data como prática só me é compreensível com apoio desses textos.

Para pensar a leitura de autores como Pêcheux e outros, Orlandi propõe significá-los em sua atualidade, na história presente. Se, de modo contrário, sua interpretação já se desse como estabelecida, não estaríamos longe de praticar um tipo de revisionismo que consistiria em considerá-los, hoje, como inexistentes (ORLANDI, 2014, p. 16). É o que tentaremos fazer aqui.


  1. Big data e ciências sociais

A definição “clássica” de Pêcheux segundo a qual toda ciência seria, sobretudo, ciência da ideologia da qual se destacaria está expressa no início do texto de 1968, “Observações para uma teoria geral das ideologias”, mas já aparece, pelo menos como base para suas formulações, dois anos antes, em 1966, em “Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e, especialmente, da psicologia social”. Neste texto de 1966, a tese do autor é de que o processo de descolamento da ideologia não teria ocorrido às ciências sociais. Estas estariam ainda em um estado pré-científico e, portanto, reproduzindo ideologia.

Ao apontar a questão, uma transformação das ciências sociais é convocada, de forma a tirá-la de tal estágio. É assim que “Herbert” conceitua uma série de práticas (técnica, política, ideológica, teórica e social), analisa esse “todo complexo” conflituoso em suas articulações e estabelece bases do que viriam a ser os campos instituidores de sua teoria. Herbert, neste texto de 1966, já esboça estrategicamente sua AD a partir da caracterização do grupo psicologia, sociologia e psicologia social. Conforme o autor, esse grupo “coloca em evidência, sem querer, o núcleo ideológico no todo complexo, sob a forma de discurso em fragmento, com a coerência de uma neurose, e sustentando uma função determinada relativamente ao todo complexo estruturado” (HERBERT, 2011, p. 51).

Aqui, está “discurso”, que se relaciona à linguística; estão “fragmento” e “neurose”, que dizem respeito à psicanálise, e “um todo complexo”, relativo à história. Linguística, psicanálise e história: os três pilares que constituirão a AD e que são, já em 1966, os elementos de transformação das ciências sociais. Herbert apresenta tais pilares em um quadro (HERBERT, 2011, p. 52), onde se relacionam tais “objetos ideológicos” (discurso, fragmento, neurose e todo complexo) e suas “práticas teórico-ideológicas” correspondentes (linguística, psicanálise e história). Assim, busca apresentar um programa com o objetivo de fazer uma teoria da ideologia. Com esses instrumentos seria possível uma “escuta social” – que remete à “escuta psicanalítica” freudiana – para resolver tal “nó conflituoso, inquietante sob todos os aspectos” (HERBERT, 2011, p. 54).

A partir das definições, limites e continuidades propostas por Herbert entre o que seja técnico, ideológico, político, social e teórico dadas nesses textos, desejamos entender como a prática “técnica” da ciência da computação tem refletido “práticas teóricas” e “práticas políticas”. De que modo a enormidade de informação de big data ultrapassa a mera prática técnica para se tornar uma prática de gerenciamento de problemas da cidade? Por exemplo, sob quais discursos o digital coloca-se no trânsito (com aplicativos como “Waze”), na gestão pública (com centros de controle municipais, como o “Centro de Operações” da Prefeitura do Rio de Janeiro), na saúde (projeto do Google já indicou localidades propensas a surtos de gripe, antes de dados oficiais), em pesquisas de big science para estabelecimento de padrões de sintomas de uma doença (como na utilização de dados coletados pelo site “Patients Like Me”), na previsão de alterações climáticas, entre diversos outros campos? Primeiramente, apresentaremos alguns apontamentos de Herbert em 1966 relevantes a essa discussão. No item 2, trataremos do texto de 1968. Depois, faremos análises de três corpora.

De início, é preciso diferenciar o técnico e o científico. Segundo Herbert (1966), a necessidade de calendários que definissem o ano e previssem as inundações do Nilo fizeram que egípcios desenvolvessem produtos técnicos como tábuas astronômicas, tábuas essas que, entretanto, não representavam conhecimentos científicos. Conforme o autor, eram produtos técnicos, isto é, resposta a uma demanda social, mediados pela religião e liturgia (HERBERT, 2011, p. 29). Teria sido apenas com Galileu que um “corte epistemológico” ocorrera. Corte epistemológico, para Herbert, é constituído pelo “desligamento da teoria em relação à ideologia” (HERBERT, 2011, p.25). Nota-se que nesse texto, o autor inscreve-se numa concepção de história mais dada a rupturas que a continuidades; diferentemente da noção cumulativa de Sylvain Auroux (1992).[1] A história, entretanto, é vista por Herbert em contradições de longa duração. Por exemplo, Herbert nota que, ao mesmo tempo em que a Igreja começava a desconfiar do caráter revolucionário do sistema de Copérnico, usava-o para reduzir uma diferença no cálculo da data da Páscoa (HERBERT, 2011, p.30).

Ao tentar separar o técnico da teoria, Herbert diz que, na técnica, há uma adequação ao “real”, sob a forma arquetípica da função y= f(x). Para testar resistência ao choque, para determinada liga, há uma força x a variar conforme o diâmetro. Tal sucesso da técnica, de seu ajuste ao real, não ocorre com a ciência. Em outras palavras, a física, para Herbert, apesar de parecer, não deveria ser representada como uma prática técnica, isto é, não deveria ser reduzida da sua dimensão ideológica. Aqui, apenas consigo entender Herbert, isto é, o autor só me é legível por conta da big science. Nesse ponto, entendo que seja a determinação histórica que faça que só alguns sentidos sejam “lidos” (ORLANDI, 1988, p. 12). Explico.

Experimentos da área de física de materiais são feitos através da chamada simulação computacional, atualmente. De acordo com o físico da Unicamp Alex Antonelli, o computador armazena e processa milhares de dados a serem analisados pelo cientista (e-SCIENCE, 2016). Um programa reproduz a evolução de tal processo no tempo, a partir de infinitas variáveis. As condições que determinam a transformação desses dados, através de modelos matemáticos sofisticados, simulam a realidade no computador. Todavia, essas experiências não são feitas “na realidade”. Antonelli explica que, se o fossem, a mostra a ser estudada iria sofrer algum tipo de mudança (congelar, por exemplo, impedindo novas experiências), além de levar muitos anos para se chegar a um resultado. Assim, mesmo como ciência dura, a física comporta imprecisões, decorrentes dos instrumentos disponíveis. É nesse sentido que compreendo Herbert quando afirma que a física não se ajusta ao real como faz a técnica. Minha leitura se dá com o que tenho como determinação histórica, no caso, a prática científica na era digital.

Nesse sentido, o cientista de jaleco branco no laboratório, envolto de tubos e pipetas é hoje uma imagem que não condiz totalmente com as atuais condições de produção. A eficácia de um fármaco antes de ser experimentada em cobaias é testada no computador. Do mesmo modo, a descoberta de um novo planeta não é feita por um observador em seu telescópio particular, mas por milhões de informações enviadas a centros de dados específicos. Em tal cenário científico, de que maneira todas essas informações são pensadas no que diz respeito à sua adequação ao real? Ao ser vista como dados meramente técnicos, a dimensão ideológica desses dados seria apagada? Antes de voltar a Herbert, entendamos um pouco dos debates sobre o estágio atual dos instrumentos disponíveis para a pesquisa em meio à imensa quantidade de dados proporcionada pelos meios digitais.

Chris Anderson, editor revista “Wired”, toca na discussão em 2008 sobre a adequação do big data ao real, ao afirmar que "o dilúvio de dados faz obsoleto o método científico". Para ele, os dados deveriam ser vistos matematicamente primeiro e seu contexto estabelecido depois. Assim como o Google, Anderson privilegia a matemática aplicada, deixando para algoritmos o que a ciência não daria conta. Para ele, os números falariam por si mesmos.

Até a chegada da era da enormidade de dados proporcionada pelo big data, os cientistas teriam sido treinados para reconhecer que correlações (entre dados y e x) não representavam necessariamente causalidades, sendo fundamentais modelos para explicá-las. Entretanto, essa abordagem estaria se tornando ultrapassada. O autor ilustra isso com uma pesquisa de J. Craig Venter que sequenciou o ar por meio de supercomputadores e descobriu milhares de espécies de bactérias desconhecidas e outras formas de vida, em 2005. O cientista não conhecia o genoma de cada uma, mas sabia que as sequências diferiam das encontradas previamente em sua base de dados. Não havia nenhum modelo, apenas instrumentos estatísticos, assim como o Google. Para Anderson, mesmo sem nenhum modelo, Venter teria avançado mais que qualquer outro biólogo de sua geração nessa área (WIRED, 2008). A questão que coloca é o que a ciência poderia aprender com o Google.

Já Danah Boyd e Kate Crawford, cientistas sociais e pesquisadoras em mídias sociais (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 664), questionam esse discurso ao dizer que, na medida em que cientistas da computação começaram a se engajar em ações de ciência social, surge a tendência de reivindicar tal trabalho como negócio de “fatos” e não de interpretação (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 667). Conforme as autoras, um modelo pode ser matematicamente ouvido, um experimento pode ser válido, mas tão logo um pesquisador busque entender a significação desses dados, o processo de interpretação tem seu início. Algo que equivaleria a dizer que nem todo número é neutro (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 666). Para elas, o big data realiza uma mudança no pensamento e na pesquisa (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 665) carregando a mitologia de que grande quantidade de dados ofereceria uma forma maior de inteligência e conhecimento que geraria “insights” antes impossíveis, com aura de verdade, objetividade e acurácia (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 663).

Assim como o fordismo com sua linha de produção teria desenhado ferramentas especializadas e limitado a ação do trabalhador, o big data também teria suas limitações. Twitter e Facebook, muito usados por uma gama extensa de pessoas, incluindo pesquisadores, estudantes, agências governamentais, “marqueteiros” etc, têm sido fontes de dados acessíveis para qualquer um, não apenas para o cientista social (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 664). Entretanto, são fontes pobres, pois apenas permitiriam análises do presente – de reações a um resultado eleitoral ou a um desastre no momento atual – por dificuldade e/ou impossibilidade de acesso a registros mais antigos.[2]

Muitas vezes, a enormidade de dados sugere apofenias dadas a enxergar padrões onde não há nenhuma relação. Ao dizerem que mais dados não representam necessariamente os melhores (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 668), as autoras mostram vários exemplos de falhas de estudos sobre redes sociais. Não seriam raros estudos com o Twitter para tratar de repercussões como se as contas fossem “pessoas” – sem levar em conta a existência dos “bots” que produzem conteúdos automáticos – ou como se esse universo fosse representativo de “todas” as pessoas. Há ainda estudos sobre relacionamentos cujas medidas são questionáveis. Por exemplo, se um sujeito passa mais tempo com colegas de trabalho ao celular, esse dado captado não quer dizer que tenha um grau de relacionamento mais íntimo com os colegas que com sua esposa (BOYD; CRAWFORD, 2012, p.671). Há também aqueles que são apenas “ouvintes” em redes sociais, isto é, que colocam em questão noções de “participação”, “usuário”, “ação”. Essas são simples ilustrações de como modelos de interpretação estão ainda postos como problema para as ciências sociais, ao contrário do que sustenta Anderson (WIRED, 2008). Ademais, as autoras tocam em outros dois obstáculos éticos: a possibilidade de acesso não garantiria uso e conhecimento justos desses dados por governos e empresas (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 671) e restrição de acesso reforçaria divisões sociais (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 674).

Sobre causalidades vistas a partir dos modelos tradicionais de ciência e as correlações de dados proporcionadas pelo big data, Patrick W. Gross, presidente do grupo Lovell, empresa de análise de dados, propõe uma composição. “Na prática, a teoria e os dados reforçam cada um. Não é uma questão de correlações de dados versus teoria. O uso de correlações permite que testar e refinar as teorias”, diz (apud BOLLIER, 2010, p. 7).

Já o filósofo da ciência, sociólogo e antropólogo Bruno Latour (2015) não compartilha tal visão de conciliação. Latour retoma o filósofo e sociólogo francês Gabriel Tarde (1843-1904), ao mostrar que as teorias de Tarde só podem ser provadas com os instrumentos proporcionados pelo big data. Ao retomar escritos de Tarde sobre ciências sociais no seu nascimento, no século XIX – teorias, aliás, “esquecidas” pela disciplina frente às de outros como Émile Durkheim (1858-1917) – Latour realiza uma reflexão sobre a ciência no século XXI.

Segundo Latour, o senso comum presente na maioria dos modelos de comportamento coletivo (tanto sociais quanto de células, moléculas etc) enquadra-se em um ponto de vista que considera o nível de agregação como sendo uma estrutura maior do que a soma das partes. Como se houvesse um ganho na passagem do nível do elemento individual para o nível do grupo, da totalidade. Latour faz uma crítica a essa abordagem que vê o comportamento humano de uma forma quantitativa (do micro para o macro, das atitudes egoístas individuais a um comportamento do todo, ou o inverso, do macro para o micro) porque ela não compreenderia dinâmicas coletivas complexas (LATOUR, 2015, p.13).

Para o filósofo, as novas tecnologias em rede permitem perspectiva alternativa, pois se dão através das navegações em um só nível. Os cliques envolvidos nas buscas sobre algum perfil ilustram isso. Para saber “quem é” determinado nome, um professor universitário, por exemplo, realiza-se uma pesquisa que lista outros atores, como a instituição a que é ligado, sua área de pesquisa e demais pesquisadores de seu grupo. “Quanto mais você deseja localizar com precisão um ator, mais você tem que posicionar sua rede de atores” (LATOUR, 2015, p. 9). Desse modo, o que era apenas uma lista de características desse nome transforma-se em uma rede. Mas, quanto mais se conhece tal perfil, “a definição irá se expandir até que, paradoxalmente, irá diminuir a uma instância cada vez mais e mais específica” (LATOUR, 2015, p. 9). Essa rede não se constitui como um segundo nível, mas é do mesmo nível desse professor, então definido como uma lista aberta de dados (LATOUR, 2015, p. 9).

Por tal perspectiva, as instituições não fazem parte de outro nível e são, elas próprias, também atores. Para Latour, trata-se de outra experiência de “estar em totalidade” e não propriamente de “fazer parte” de uma “estrutura” (LATOUR, 2015, p.18).

Sua reivindicação é que esse ponto de vista, a partir das “mônadas” (“uma mônada não é uma parte de um todo, mas um ponto de vista sobre todas as outras entidades tomadas separadamente e não como uma totalidade” (LATOUR, 2015, p. 14)) definidas por Tarde, seja operacional em tempos digitais. A distinção entre níveis teria levado a teoria social a fazer quase todas as suas questões voltadas a qual seria o bom caminho: se do macro para o micro ou se do micro para o macro (LATOUR, 2015, p. 8). Tal separação levaria a impasses como perguntas do tipo o que levaria formigas a “interagirem” para construir o formigueiro. Haveria aí um “esquecimento” do cientista de que essa questão não se coloca à própria formiga, assim como não se coloca aos humanos envolvidos nessas totalidades, sendo o seu ponto de vista como cientista um e o ponto de vista da formiga, outro (LATOUR, 2015, p. 17).

Desse modo, Latour tira da evidência, da naturalidade, as passagens de um nível a outro, questionando que comportamentos coletivos sejam sempre determinados por um tipo de centro (“Providência, superorganismo, Estado, corpo político, seleção natural etc”) ideia enraizada mesmo naqueles que a refutam, por falta de opção (LATOUR, 2015, p. 16). Ademais, o filósofo critica posições interacionistas – como também faz Herbert, como veremos a seguir – ao asseverar que quando se está em um nível só, de mônada, é possível ver uma rede em que você não interage com o outro, você é o outro (LATOUR, 2015, p. 14). Num perfil, por exemplo, cada um dos itens da lista que me define também define outro “agente”.

Assim, a abordagem de Latour vai ao encontro de explicitar uma dimensão da qual os cientistas “esqueceriam” seus dois pontos de observação desconexos (LATOUR, 2015, p. 17). Na linguagem de Herbert, seria equivalente dizer que os cientistas apagariam a dimensão ideológica de sua prática.

Ao voltar à visão de Herbert sobre a diferença entre prática técnica e prática científica, vimos que a primeira se adequa ao real. Outro fator apontado é que a prática técnica colocaria suas próprias questões ao real como “um sistema coerente relativamente autônomo” (HERBERT, 2001, p. 32). Tal autonomia permitiria, segundo Herbert, em certas circunstâncias, uma transformação ideológica do “real”, isto é, o descolamento da ideologia da qual fazia parte. Haveria dois tipos diversos de discursos técnicos, um de transmissão de conhecimentos, como de destilação e tintura, e outro a comportar uma instância mais livre, como da simbologia escrita pelos alquimistas.

Depois de falar das práticas científicas e técnicas, Herbert trata da prática política[3], por ele definida por um critério de oposição entre razão e natureza, como o direito, a moral e a religião. O direito existe sobre o fundamento do “direito estabelecido”, isto é, dos costumes, do “sempre-já-lá” (HERBERT, 2001, p. 36). Assim, a prática jurídica transforma o que já existia por natureza em algo que exista pela razão. É descritiva e normativa ao mesmo tempo. Do mesmo modo, a moral corrige o comportamento empírico dos homens concretos e torna real o mundo dos sujeitos reais. Por sua vez, a religião corrige a superstição e, ao mesmo tempo, torna real “o Povo dos Filhos de Deus” (HERBERT, 2001, p. 36). Assim, todas essas práticas, ao oporem natureza e razão, aderem à prática política e, desse modo, têm o caráter de “cimento” que mantém o todo no lugar (HERBERT, 2001, p. 37). A política não muda a estrutura global, a menos em casos de partidos revolucionários, conforme Herbert. E mais, todas as filosofias da consciência centradas no sujeito, isto é, na subjetividade filosófica, também se enquadram em um tipo de prática que mantém o todo no mesmo lugar (HERBERT, 2001, p. 37). Essa filosofia, que toma o sujeito como origem e fim absoluto de si mesmo, teria sido uma das condições históricas para o nascimento das ciências sociais, assim como a importação de ferramentas técnicas de outras práticas científicas para medir e manobrar a inércia social (HERBERT, 2001, p. 40).

Herbert aponta que, com tal filosofia, o “”Reconhecimento do Homem pelo Homem” não avançou quase nada” (HERBERT, 2001, p. 40). Ao pensar nas tecnologias de comunicação digitais, o centramento no sujeito – esse que expressa suas identificações nas redes sociais e que é posto em contato com informações com as quais se identifica por meio de “bolhas ideológicas” (SCIENCE, 2015) – tampouco tem mostrado capaz de fazer esse ideal de reconhecimento se realizar, visto que esse sujeito “assume uma posição a partir do lugar do qual fala, e essa posição é histórica e ideológica” (DIAS, 2012, p. 57).

Após tratar de técnica, política e filosofia subjetivista, Herbert chega às ciências sociais. Para ele, as ciências sociais mais aptas a satisfazer as demandas da sociedade, ou seja, a responder ideologicamente a elas, são as que permanecem (HERBERT, 2001, p. 41). As outras são esquecidas – talvez esse seja o motivo de Gabriel Tarde somente ser retomado depois de mais de um século.

Quanto à relação junto à técnica, a “realização do real” dessa prática aplica-se às ciências sociais na medida em que trabalham com modelos ajustados ao real. “Colocados nas condições x, os homens se conduzem (ou pensam) da forma y” (HERBERT, 2001, p. 42).

Quanto à relação junto à política, a psicologia de grupos e a psicologia social seriam ilustrações do prolongamento das ideologias ligadas a essa prática (HERBERT, 2001, p. 42).

Dessa maneira, as ciências sociais não são, para o autor, nem uma simples técnica, nem pura ideologia. São uma “interdeterminação de uma técnica e de uma ideologia relativa às relações sociais como objeto de prática política” (HERBERT, 2001, p. 43). No item 3, verificaremos tal ideia através de análises de sites que trabalham big data em estudos sociais.

A “realidade” que uma ciência vai transformar não é o real, mas a própria ideologia, que o autor diz como sendo “a unidade paradoxal do discurso fragmentado” (HERBERT, 2001, p. 45). Segundo Herbert – sua referência é Althusser – a prática científica não se produz clareando do real as generalidades que se organizam em conhecimento, como gostaria o mito empirista.

Em suma, a interpretação que propomos de ciência em Herbert – ciência enquanto prática científica que deve nascer apesar do mecanismo da comanda social (HERBERT, 2001, p. 45) – refere-se a uma prática dedicada a resolver os desafios postos, por exemplo, pelo big data. Para tanto, seria necessário repensar os modelos ideológicos que a sustentam, inclusive o papel do pesquisador (seja cientista social ou cientista da computação)[4] e, quem sabe, a própria ciência social (LATOUR, 2015).

Já a ideologia, vista em Herbert como “unidade paradoxal”, pode ser lida como o que liga os níveis desconexos, micro e macro, em resultados paradoxais: nem sempre o maior número de ligações e caracterizações sobre determinado perfil resultará em maior aproximação a esse objeto. A grande quantidade de dados como suficiente para a representação “fidedigna” do mundo é posta em questão no digital.

De acordo com Herbert, tal união em paradoxo é realizada por um “discurso fragmentado”. O discurso científico na era do big data, conforme mostramos, depara-se com impasses na medida em que, ao navegar nessa enormidade de dados, o todo não se apresenta como sempre capaz de explicar as partes. Ao lidar com big data, o discurso empirista parece ser solicitado a responder perguntas que desvelariam fragilidades vindas de concepções ideológicas. Se a AD está preparada para lidar com o estilhaçamento desse discurso é uma condicionalidade posta à área a partir, também, do entendimento de suas bases enquanto horizontes de projeções teóricas e analíticas.


  1. Para uma teoria das ideologias

Em “Observações para uma teoria geral das ideologias” (1968), Herbert continua a lidar com o empirismo e o estatuto das ciências sociais. Neste texto, o autor foca na linguagem e na ideologia, tentando embasar uma (futura) teoria da experimentação que responda, por exemplo, como detectar o descolamento ideológico no campo científico. A inserção em estudos de linguagem e a importação de termos da linguística resultam na compreensão de ideologia não como um bloco monolítico de “visões de mundo” a determinar gestos, falas e instituições, mas como processos que comportam variações. Essas variações seriam atreladas, entretanto, ao inconsciente e a relações sociais de produção. Trataremos a seguir de alguns pontos desse texto, que nos pareçam relevantes para leituras sobre o digital.

De início, é feito um mapa do funcionamento ideológico. Herbert divide “efeito de conhecimento ideológico“ de tipo A e de tipo B, um relacionado a processo de produção, outro a relações sociais de produção. No decorrer do texto, nos é dada permissão a ver que tais tipos não vêm separados. Em vez de vir desse modo compacto, a ideologia seria encontrada em formações ideológicas específicas, conforme seu lugar na formação social (HERBERT, 1995, p. 87). Só no transcurso das explanações é que a movimentação de conceitos ocorre. À primeira vista, apesar do sentido didático e dos quadros explicativos fornecidos, divisões que caracterizariam o funcionamento ideológico amarram a discussão ao ponto de exalar, em alguns momentos, um ranço de marxismo mecanicista. Tal impressão, todavia, vai pouco a pouco sendo desfeita – apesar de gráficos que tendem a engessar a leitura.

Nessa trajetória, são traçadas duas formas de ideologia, assim como dois processos linguísticos a elas correspondentes. A primeira forma (A) tem origem técnico-empirista e a segunda (B), político-especulativa.

O ponto central de A é seu efeito de produzir o ajuste entre uma “significação” e a “realidade” (HERBERT, 1995, p. 69). Já o ponto crucial de B é a “articulação das significações entre si” (HERBERT, 1995, p. 71).

Ou seja, enquanto a ideologia empírica (A) está preocupada com o ajuste do significante ao “real”, isto é, com a relação significante-significado, numa função semântica, metafórica; a ideologia especulativa (B) se interessa pelo reconhecimento dos sujeitos entre si, isto é, pela relação significante-significante, numa função sintática, metonímica (HERBERT, 1995, p. 72). Em B, o que está em questão é um efeito de sociedade. O sujeito é visto como fruto de uma cadeia sintática de significantes em que tem, em algum ponto da cadeia, determinado e identificado a seu lugar. Herbert faz essa relação entre cadeia de significantes e lugares/posições de sujeito a partir da formulação de Lacan: “O significante representa o sujeito para um outro significante” (LACAN apud HERBERT, 1995, p. 75).

Após traçar tais linhas gerais, Herbert procura entender o que cada forma pode apagar ou “esquecer”. Em A, o empirismo não verá a relação metafórica entre o significante e o significado. Verá apenas a relação com o objeto. Herbert aponta tal falha ao afirmar que não há gênese do significante. A “relação entre significante-significado resulta de uma propriedade da cadeia significante que produz, pelo jogo de uma necessária polissemia, os “pontos de ancoragem” pelos quais ela se fixa no significado” (HERBERT, 1995, p. 73). O empirismo esqueceria justamente a inexistência dessa origem, remetendo a “prova de realidade” ao objeto e não às relações entre significante e significado. Em termos de big data, na sessão seguinte analisaremos se tal falha empirista pode ser observada nos corpora.

Na ideologia em sua forma especulativa (B), por sua vez, o que se apaga é a conexão do significante ao significante. O esquecimento dessa inscrição na cadeia faz o “sujeito” se identificar como “reflexo transformado do conjunto do sistema” (HERBERT, 1995, p. 74). Ele se reconhece no conjunto da estrutura, o que, para Herbert, é o fator determinante na reprodução do sistema. O sujeito já não se vê em sua posição na cadeia sintática de significantes, mas como sujeito no sentido jurídico do termo, detentor de direitos e deveres, na coerência das relações sociais. Historicamente falando, com o fim do feudalismo, a política se autonomiza e aparece representada como relações intersubjetivas de comunicação entre indivíduos, o que faz os sujeitos esquecerem sua posição na cadeia de significantes, apagando a função social da linguagem. Em resumo, a teoria da ideologia de Herbert se assenta na identificação como reflexo do conjunto do sistema, cuja reprodução se dá por esse fator ideológico.

Para posicionar as ciências sociais, Herbert estabelece o princípio da dualidade, em que uma das duas modalidades (semântica ou sintática) é sempre dominante, e o da desigualdade, segundo a qual se faz impossível a forma A existir fora das formas B (HERBERT, 1995, p.76 e 77). Com exposição de decorrências, mas sem dar exemplos concretos, Herbert aproveita esses dois princípios para afirmar que as ciências sociais tratam de efeitos de B com ajuda de A, recalcando o político (B) pela prática empírica (A), produzindo uma “dominância sintática primária” que as torna resistentes à “transformação produtora de seu objeto”. (HERBERT, 1995, p. 77). Dessa maneira, Herbert relaciona A e B e, assim, permite que se questione, por exemplo, se as análises de dados digitais hoje recalcam o político (B), utilizando a ideologia técnica (A). Além disso, que se pergunte o quanto a comunicação intersubjetiva (formada por tweets, número de postagens e de likes) tem ganhado força como parâmetro em avaliações sobre uma pretensa realidade “objetiva” e que, portanto, reflita-se sobre como isso significa em termos de linguagem e ideologia atualmente.

Ainda nessa dupla direção da ideologia, Herbert aponta que em A enquadram-se “gestos-falas” e, em B, “instituições-discursos” (HERBERT, 1995, p. 78). Dito de outra maneira, para Herbert, há diferença entre comportamento ideológico e discurso ideológico. Os comportamentos (políticos, econômicos, morais etc) se metaforizam entre si, ou melhor, emprestam elementos uns aos outros. Já os discursos metonimizam formas especulativas da política, moral etc.

Herbert faz um quadro com flechas verticais (metáforas) e horizontais (metonímias), deslocando estruturas econômicas e políticas por comportamentos conscientes, pré-conscientes e inconscientes. Mostra assim que a ideologia não seria uma visão de mundo ou um bloco de ideias que se imporia para um grupo ou classe sendo apreendida como um “todo”, mas que a ideologia comportaria processos que atravessam a complexidade dessas formações. Quem “dá movimento” a essa estrutura é a história e o inconsciente, estrutural, ligado às relações de produção, cujo funcionamento se assemelha ao da ideologia.

Em A, as garantias ideológicas são do “fato”, dos “dados”, do ver pelos “próprios olhos”; em B, as garantias são do “quase-dado”, dos relatos, testemunhos (HERBERT, 1995, p. 83). Na relação com big data, se levarmos em consideração a dominância como sendo de uma prática de “fatos” e não de interpretação (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 667), temos, na linguagem de Herbert, a dominância da ideologia em sua forma empírica (A) sobre a especulativa (B).

Ao partir da diferenciação entre lei e regras feita por Lévi-Strauss (apud HERBERT, 1995, p. 85) e entre (lei) inconsciente e (regras) pré-conscientes por Freud (apud HERBERT, 1995, p. 85), Herbert afirma ser o inconsciente uma lei estrutural. Assim, não vê saída da alienação social por meio da “tomada de consciência” das regras pré-conscientes do discurso político e da prática ideológica especulativa (HERBERT, 1995, p. 85) porque, nesses casos, o inconsciente não é posto em causa. Para Herbert, a tarefa do materialismo histórico seria encontrar relações sociais de produção, que ele coloca como mecanismo inconsciente, e não apenas detectar o que os sujeitos dizem e fazem (HERBERT, 1995, p. 85). Aqui, sobre o digital, discursos enaltecedores da interatividade e conscientização através das redes, vistos isoladamente e de modo geral, podem ser postos em questão.

O último ponto é sobre como os sujeitos conseguem se descolar da ideologia e, na ciência, ver aspectos que não poderiam observar nem entender. “Como se pode “sair” da ideologia e produzir a cientificidade do domínio recoberto?” (HERBERT, 1995, p. 86).

Herbert afirma que, em certos momentos, uma crise de garantias ocorre e a resistência ideológica se enfraquece. São essas as condições para que a “pessoa deslocada” (HERBERT, 1995, p. 88) aja na direção de promover uma mutação ideológica. Para reconhecer novos efeitos – que, não raramente, são tomados por delirantes – seria necessária uma “teoria da experimentação”, que Herbert afirma dever ser desenvolvida (conf. nota 13 em HERBERT, 1995, p. 88).

O critério suscetível de fazê-lo é a possibilidade de instaurar, no lugar preciso do espaço ideológico concernido, um dispositivo ao mesmo tempo instrumental (respondendo à garantia empírica) e institucional (respondendo à garantia especulativa) suscetível de produzir novas formas de admissibilidade que permitirão apreender de maneira adequada os novos efeitos produzidos (HERBERT, 1995, p. 88).

Dessa maneira, o relevo dado por Latour à teoria de Tarde, que não teve lugar institucional por não poder apresentar garantias empíricas às suas especulações teóricas, ilustra nossa leitura de Herbert.

Somos levados a entender que a “teoria da experimentação”, aventada por Herbert como empreendimento de resposta, poderia representar a AD teorizada por Pêcheux nos anos seguintes.


  1. Experimentações

Ao levar em conta a designação “experimentação”, propomos nos voltar às materialidades discursivas no sentido de “responder à garantia empírica” destacada por Herbert (1995, p. 88). Logo, passamos a analisar sites na tentativa de elucidar as questões já abordadas. Mais que ilustrar os conceitos já tratados, o estudo teria mais relevância se pudesse discuti-los.

Analisaremos três sites. O primeiro será o CUSP, Center for Urban Science + Progress, um centro de pesquisa de iniciativa público-privada da New York University, que usa Nova Iorque como laboratório para “ajudar cidades do mundo todo serem mais produtivas e habitáveis”. O segundo será do Trans-Atlantic Platform - Social Sciences and Humanities, projeto, impulsionado pela União Europeia, do qual fazem parte agências financiadoras de pesquisa da América Latina, América do Norte e Europa. O agrupamento tem por objetivo incrementar o diálogo transnacional nas ciências sociais e humanidades, na “construção de novos pilares para satisfazer as necessidades de pesquisa do século XXI”. O terceiro será o Centro de Operações Rio, da prefeitura do Rio de Janeiro, que capta imagens por meio de câmeras “instaladas por toda a cidade” para monitoramento e atendimento à população.

O CUSP, Center for Urban Science + Progress, oferece programas focados em “urban informatics”. Com universidade, indústria e agências parceiras, desenvolve projetos integrando ciências naturais, sociais e de dados, para produção de soluções “viáveis” para o espaço urbano. Com trabalho em ciência aplicada, pretende fazer cidades “mais produtivas, equitativas, habitáveis e resilientes”.

Ao navegar pelo site, além de textos, o usuário pode assistir a vídeo institucional – cuja presença de alunos e pesquisadores de diferentes origens traz o efeito de diversidade centralizada em Nova Iorque. Desde o logotipo, há diversidade de cores e o padrão de bordas das fotos é feito de quadriculados irregulares, que sugerem construção em processo, por meio da informática. A designação do centro como “Science + Progress” e não “Science and Progress” faz um bloco em que o sentido de ciência não pode ser desvinculado de progresso, e vice e versa. Pelo contrário, ambos, ciência e progresso, se significam.

Há também infográfico explicativo sobre o trabalho do instituto. Na aba “Urban Informatics”, ao tomar o trânsito como exemplo de aplicação, tal campo de conhecimento é didaticamente dividido em cinco etapas: captura de dados (por meio de câmeras e sensores instalados na cidade), integração e gerenciamento de tipos múltiplos de dados, análise e interpretação dessas informações pelos laboratórios do CUSP (no sentido de iluminar descobertas de “significância real”, “findings of real significance”), desenvolvimento e implementação de soluções (recomendações a serem feitas à administração como mudanças no tempo de semáforos, por exemplo) e, por fim, monitoramento e avaliação de resultados. A sequência leva diretamente a proposições como maiores investimentos em transporte alternativo com consequências benéficas como menos poluição e tempo de deslocamento reduzido. Ou seja, eficiência advinda de planejamento, fruto do conhecimento de dados das cidades gerados por aparatos tecnológicos nela presentes.

É criado um efeito de decorrência lógica. Tal relação de causalidade – supostamente transparente, ou seja, sem interferência de sentidos outros – permite-nos entender que, nesse caso, a relação entre “as coisas” e seu sentido é atestada pelo urbano em si. A questão é o acesso, ou seja, como chegar aos dados. Mapas digitalizados e animados por fluxos de movimentos “reais” mostrados em telas de dispositivos como tablets são onde se corporificam essas informações. As singularidades de cada cidade serão dadas por esses instrumentos, que mostrarão, sem nenhuma polissemia, exatamente os “fatos”. Aqui, a metáfora existente entre a cidade, como significante (e não como objeto), e seu entendimento, como significado, é apagada. A falha do empirismo, apontada por Herbert, faz-se presente.

Na seção “Urban Observatory”, um projeto piloto em execução no Brooklyn é descrito. Com oito câmeras já instaladas em um edifício a captar imagens de Manhattan a cada dez segundos, o texto faz a ressalva de que o centro respeita protocolos de preservação da privacidade, pois trabalharia com dados agregados e pouca resolução nas imagens. Mesmo marginalmente, a questão ética da vigilância é abordada. Responde-se a questionamentos importantes sobre a invasão de privacidade por governos e empresas atualmente, mas isso é feito nos marcos da defesa de direitos civis. O sujeito a funcionar aqui é o jurídico, de direitos e deveres. Há apagamento das relações dos significantes entre si, com efeito ilusório de harmonia e igualdade dos diversos significantes junto ao sistema (B).

A onipresença de câmeras do CUSP a registrar e servir imediatamente à interpretação faz que a relação entre gestos e falas filmados (A) e o que representam socialmente por comportamentos (B) seja dada como evidente.[5] Assim, a análise desse corpus contempla as afirmações de Herbert de que a forma A não existiria fora de uma forma B (princípio da desigualdade (HERBERT, 1995, p. 77)) e, assim como ocorre nas ciências sociais, o empirismo de A seria dominante.

Entretanto, essa mesma conformação não ocorre na análise do site da Trans-Atlantic Platform - Social Sciences and Humanities.

Ao contrário do CUSP que utiliza cores diversas, o site da Trans-Atlantic Platform é basicamente azul e branco, cores da União Europeia, investidora do projeto. Apesar de apresentar movimentos arrojados na barra dos principais “posts”, o efeito é de sobriedade. Ao final da página, estão os créditos, ao lado da bandeira da União Europeia. Encontram-se “transformative reaserch” e “resilient and inovative societies” entre os textos, fazendo que a ideia de transformação e resiliência da sociedade como efeitos de pesquisas científicas também apareçam.

O projeto volta-se à colaboração científica entre países dos dois lados do Atlântico, dez europeus e oito americanos. No texto sobre o programa (“About”), a identificação de desafios comuns e a promoção de uma cultura digital na pesquisa em humanidades e ciências sociais são os focos do plano.

Somos levados ao texto que aparece quando clicamos na primeira imagem da “home”. Ele se destaca, pois decorre da primeira e única imagem a apresentar possibilidade de leitura (“read more”). Trata-se de “T-AP Digging into Data Challenge”, algo como “cavando o desafio dos dados”. Nele, vê-se uma lista das agências participantes que, a partir de avaliação de projetos, concedem bolsas. No Brasil, faz parte a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e, na França, l’ Agence nationale de la recherche (ANR), por exemplo. Trata-se de uma chamada para submissão de projetos dirigidos a qualquer questão de pesquisa em humanidades e/ou disciplinas de ciências sociais que usem técnicas de larga escala e análise digital de dados e que mostrem como essas técnicas podem levar a novos “insights”.

Ao entrar em “Activities” e “Project Pilot” no menu superior, entende-se que a viabilidade de financiamento conjunto desses projetos deva ser estudada em duas partes. A primeira é um exame da infraestrutura de pesquisa dos países membros, não só no que diz respeito às humanidades e às ciências sociais, mas às suas fronteiras com outras disciplinas científicas. O próximo passo consiste na análise de: i) como as tecnologias digitais afetarão e permitirão a produção de conhecimento nessas disciplinas, como serão expandidas possiblidades de interdisciplinaridade e como serão levantadas questões éticas pelos métodos de compartilhamento de dados; e ii) os tipos de transformação social a ser realizada pela difusão das tecnologias digitais, como estas afetarão os modos de trabalho, vida e lazer das pessoas e, finalmente, como abordar os desafios por elas postos para o que “nós” consideramos ser "público" e "privado" (“how to address the challenges these technologies pose to what we consider to be “public” and “private””).

Pelo maior destaque dado às condições particulares de cada país e aos impactos éticos e sociais na implantação de pesquisas digitais em larga escala, vemos que aqui o entendimento desse novo mundo por meio de big data resulta menos no simples acesso aos dados e mais nos impactos, inclusive culturais, que possam afetar as populações. O próprio nome “Trans-Atlantic Platform - Social Sciences and Humanities” não traz a tecnologia em sua designação. O big data utilizado na resolução de problemas é posto, assim como faz o CUSP, porém a discursividade é diferente.

No caso da Trans-Atlantic Platform, não podemos dizer que a ideologia em sua forma empirista A domine a forma especulativa B. A interpretação política que envolve o técnico não é escondida nem apagada. Em vez disso, é posta como problemática de pesquisa. Há um interesse em verificar a constituição desses discursos em nível nacional para promover uma colaboração internacional. A necessidade de dar respostas aos problemas advindos da técnica ganha relevo aqui. A natureza dessas respostas não é exclusivamente técnica, mas sobretudo relacionada a discursos políticos-institucionais.

A articulação científica propõe resultados que construam “novos pilares para satisfazer as necessidades de pesquisa do século 21” (“About”), algo dependente do financiamento de instituições como agências de fomento e governos. A política aqui, como atesta Herbert, é um “cimento” a acomodar a ideologia a uma estrutura global, sem mudar nada. Adequar a natureza das relações (jurídicas, por exemplo, das alterações do direito sobre privacidade) à razão da investigação científica para resolução de problemas de um mundo digitalizado. Portanto, no nosso ver, tal corpus coloca em dúvida o princípio da dualidade, segundo a qual sempre haveria uma forma ideológica dominante (HERBERT, 1995, p. 76). Além disso, a análise põe em suspeita a dominância de A sobre B nas ciências sociais, na medida em que se trata aqui de uma proposta nesse campo cujo objetivo é exatamente encontrar respostas B para questões postas por A, aparecendo essas formas de modo tão intrincado que seria inócuo fazer tal suposição. Mas, reconhecer tal deslocamento também tem sua importância. Como Herbert mesmo deixa entender, há combinações de diferentes formações ideológicas para uma mesma formação social (HERBERT, 1995, p. 87). Essas combinações mudam constantemente para responder às demandas da sociedade. Muitas vezes, inclusive, servem para respondê-las, para adequá-las à ideologia dominante – o que parece ser o caso. Outras, entretanto, podem sofrer “mutações ideológicas” (HERBERT, 1995, p. 87), ou seja, escapar dos sentidos hegemônicos.

Por fim, analisaremos o site do Centro de Operações Rio, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Em uma tela de fundo escuro, de imediato há a possibilidade de assistir a um vídeo explicativo sobre o centro que é, de acordo com esse material institucional, referência internacional. Vista como uma cidade que “não pode parar”, o Rio de Janeiro é mostrado em imagens rápidas, embaladas pela cuíca nervosa do samba, de dia e de noite. De cima, as belezas naturais. Reduzindo a escala, pessoas em fluxo, trens, trânsito de carros, praias e baladas. Por que sempre em movimento, a prefeitura teria criado o Centro de Operações Rio, que “integra 30 órgãos que monitoram, 24 horas por dia, o cotidiano da cidade”.

Além de captar imagens de “560 câmeras instaladas por toda a cidade”, diz-se também que o Centro recebe “informações em tempo real das concessionárias e órgãos púbicos (sic)”. Não fica claro no texto se tais concessionárias são agências ligadas ao governo ou se são empresas de telefonia, por exemplo, que repassariam informações de big data captadas pelos aparelhos celulares – algo não legislado e passível de discussões sobre privacidade.

É mostrado que o Centro de Operações Rio conta com uma “Sala de Controle”, onde os dados são visualizados, monitorados e analisados, por meio de um telão de 80 metros quadrados. Em um ambiente comparável àquele da “Sala de Justiça”, onde se reuniam os Super-Amigos, de Hanna-Barbera, o sentido é da existência de um lugar em que se conjugam poderes extraordinários, para a tomada de decisões com vistas ao salvamento do universo, com ajuda de um imenso telão. Outro ambiente é a “Sala de Crise”. Destaca-se haver neste ambiente “outra tela, de videoconferência” e ser possível “se comunicar com a residência oficial do prefeito, na Gávea Pequena, e com a sede da Defesa Civil”. A integração e a atuação em tempo real são ressaltadas.

O site divulga as condições da cidade em três estágios (“normalidade”, “atenção” e “crise”) com as cores verde, amarelo e vermelho, respectivamente, e fornece informações sobre previsão do tempo, fluxo e alterações de trânsito e medidas de segurança. Essas visam prevenir e minorar a incidência de acidentes como explosões de bueiros, alagamentos, deslizamentos, ressacas etc. Contra desastres em deslizamentos, existem sirenes implantadas nas encostas em risco para que, caso soem por determinação do Centro, a população deixe suas casas e se dirija a abrigos pré-definidos. O Centro também está no Facebook e no Twitter – com “memes” descontraídos. Por meio de cadastro, o usuário pode receber alertas pelo Twitter no seu celular.

No que se relaciona à forma ideológica de origem empírico-técnica A, as ocorrências da cidade são tratadas em sua transparência. Os dados chegam por câmeras, mas também por outros meios não ditos, o que dá a entender que o modo como são captados não importa. Porém, como vimos, nem sempre os números representam o que parecem à primeira vista, isto é, nem sempre são neutros. Isso coloca diversas questões ao próprio funcionamento do Centro enquanto ambiente de interpretação e gerenciamento do urbano.

No que concerne à forma ideológica de origem especulativa-política B, a integração de informações e o pronto atendimento destacam-se. Em “medidas de segurança”, por exemplo, o efeito é de que o sujeito – sujeito a intercorrências tais quais deslizamentos – faça parte de uma coletividade única. Cria-se a ilusão de um sujeito que, como todos os outros, tem garantias de receber auxílio eficiente do poder público em casos de crise. A declaração do prefeito, Eduardo Paes, ao afirmar, no vídeo, que o Centro teria sido feito “para as pessoas saberem que elas estão sendo cuidadas” indica esse efeito.[6] Na linguagem de Herbert, como vimos, esse efeito cunha um sujeito que se identifica como “reflexo transformado do conjunto do sistema” (HERBERT, 1995, p. 74). Assim vemos se configurar a forma ideológica B nesse corpus.

Não parece produtivo dizer que, nesse caso, haja a dominância de A sobre B, como se estivéssemos a considerar apenas o aspecto do uso da tecnologia. Nem tampouco afirmar a prevalência de B sobre A, como seria mais simples se tomássemos somente o aspecto da propaganda política. Nesse sentido, a fórmula de Herbert segundo a qual haveria sempre a dominância de uma forma ideológica sobre a outra pode ser colocada em questão. Este corpus pode mostrar uma ou outra dominância, a depender do ponto de vista de onde você vê a rede, para retomar Latour.


Conclusão

Pelas nossas experimentações, vimos que os corpora trazem diferentes possibilidades de leitura de Thomas Herbert. No CUSP, encontramos a dominância de A sobre B. Como nas ciências sociais vistas por Herbert, B aparece recalcado frente a A, ou seja, o político esconde-se na pegada da técnica, do ajuste exitoso ao real. A análise dialoga com o levantamento de discussões da primeira parte, que apontaram uma mitologia de objetividade e novos “insights” trazida com big data (BOYD; CRAWFORD, 2012, p. 663).

Já a análise do site da Trans-Atlantic Platform põe em dúvida formulações estanques de Herbert segundo a qual sempre haveria uma dominância de uma forma ideológica por outra. Como uma vacina cujos efeitos se dão com o próprio veneno, recorremos ao mesmo Herbert para nos justificar. Verificamos um deslocamento entre as formas ideológicas A e B. Assim, observamos que seria ingenuidade pensar que todo big data aplicado às ciências sociais esqueceria o político frente à prática técnica necessariamente. Ao sustentar nosso argumento com o próprio Herbert, apontamos que transformar suas teorias em fórmulas metafísicas consistiria justamente em um subjetivismo combatido pelo autor. Dessa maneira, só a experimentação, a análise concreta de corpus, nos dá garantias do empírico em constante mudança e na diversidade das formações ideológicas específicas, conforme ele propõe. Por isso, ao mesmo tempo em que objetiva responder a demandas para a utilização da ciência e do big data na aplicação política, de mudar para que nada mude, o discurso do corpus Trans-Atlantic Platform evidencia também abertura para sentidos que podem se descolar dos dominantes.

Finalmente, o site do Centro de Operações Rio mostra uma simbiose entre as formas A e B, entre as relações metafóricas e metonímicas, em que se recalcam a) que os dados captados não esgotam o que seja a cidade e b) a posição do sujeito na formação social. Com a sensação de segurança constituída pelo discurso, o big data aplicado à administração da cidade situa-se na esfera política e também técnica. Novamente, o material nos faz questionar engessamentos do texto de Herbert, porém nos faz trabalhar com a movimentação de conceitos na compreensão de formações ideológicas diversas, no entendimento de que a ideologia não é um bloco monolítico de “visões de mundo”.

Herbert mostrou-se legível. Mais que isso, levou-nos a estabelecer relações sobre uma problemática específica do digital. Refletimos sobre a teoria com o digital e pensamos o digital com a teoria.

Com esse esforço, compreendemos que o empirismo pode ser considerado um monstro no mundo digitalizado, como indicou Henry. Mas, vimos outras pegadas. Isso nos leva a pensar que ver a técnica como estanque e oposta à política e à ciência constitui-se uma armadilha. Pode levar à ilusão de que a política seja escondida por motivos diabólicos. Como se o cientista, o técnico ou o programador fossem “malvados” por apresentar o empírico como transparente. Como se a ciência se originasse da vontade ou iluminação de sujeitos capazes de se destacar da ideologia a qualquer momento.

Por isso, assim como o inconsciente que, independente da vontade de cada um, denunciava quem se opunha ao Grande Irmão, são os processos de produção hoje, com todo aparato técnico de big data imprescindível em muitos campos científicos, que deixam marcas a apontar um futuro com novas configurações éticas e políticas da cidade.

Assim, ao trilhar o caminho em que se perfilam as pegadas do monstro do empirismo travestido de digital, não fazemos uma imagem totalizante da criatura. Sabemos que nos observa sem autorização, que conhece nossas senhas e todos os nossos passos pelos vales de silício. Ficamos preocupados com esse estranho mundo novo e olhamos para trás. Vemos também os nossos rastros. Mas não nos deixemos enganar: se só olharmos nossas pegadas, em toda a subjetividade nelas presente, assim como Winston de 1984, um dia, acabaremos por ser convencidos de sermos nós os monstros.


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Data de Recebimento: 03/07/2016
Data de Aprovação: 11/09/2016


[1] Herbert restringe o número dessas rupturas ao dizer que a transformação, promovida pelo corte epistemológico, não recobre “o conjunto da prática científica” (HERBERT, 2011, p. 47). Método não representa transformação. Assim, afirma que o desenvolvimento de uma ciência “não é uma revolução permanente” (HERBERT, 2011, p. 48).

[2] A “perda” de registros passados é tratada no documentário “No Limbo” (85', DIGITAL, COLORIDO, França, 2015), de Antoine Viviani, uma produção de abordagem filosófica e existencial do problema da memória e do esquecimento no digital. Limbo, na linguagem informática, é onde estão estocados os dados apagados de um sistema, mas não suprimidos de um suporte de estocagem.

[3] Conforme Herbert, o discurso é instrumento de transformação da prática política. Não que a política se reduza a discurso, mas “toda decisão, toda “medida” no sentido político adquire seu lugar na prática política como uma frase em um discurso” (HERBERT, 2001, p. 35).

[4] Discussão sobre a abertura de possibilidades para diferentes tipos de profissionais serem cientistas sociais hoje pode ser encontrada em GRIMMER, 2015. No Brasil, aulas já são ministradas para atender essa demanda, por exemplo, curso em “Etnografia em Mídias Sociais: Marcas e Consumo” realizado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD) tem o objetivo de “capacitar profissionais interessados na compreensão dos comportamentos expressos online, especialmente com relação a marcas e consumo, através de técnicas etnográficas”. Destinado a analistas, pesquisadores e “planners e criativos com experiência em consumo e uso de pesquisa”, o curso só é contraindicado para “profissionais sem contato ou experiência com serviços de comunicação e pesquisa digitais” (IBPAD, 2016).

[5] O mesmo ocorre quando uma feição de desaprovação no momento de escutar o Grande Irmão é evidência de “crimepensar” (ORWELL, 2009, p. 345).

[6] A palavra “resiliência”, até recentemente não muito usada no Português brasileiro, aparece como título de programa vinculado ao Centro de Operações (“Rio Resiliente”), configurando, essa palavra, como recorrente nos três corpora, como vimos. Vinda das ciências naturais, “resiliência” qualifica o corpo que, após submetido a um choque de condições extremas, tenha capacidade de retomar seu estado normal. Em 2013, a Fundação Rockfeller elegeu “100 Cidades Resilientes”, entre elas o Rio de Janeiro, que passou a usar o título como propaganda. De “Cidade Maravilhosa” a “Rio Resiliente”, ecoam sentidos de que só nos resta nos contentarmos com redução de impactos, esses inevitáveis. Uma análise semântica do aposto “Cidade Maravilhosa” pode ser conferida em GUIMARÃES, 2014.