Dissidentes, violentos e violentáveis: LGBTs nas narrativas de violência da Amazônia Paraense


resumo resumo

Sergio do Espirito Santo Ferreira Junior
Alda Cristina Costa



Introdução

Ao ser apresentada nos meios de comunicação, a violência envolvendo a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT ou LGBT) demanda uma atual tematização no âmbito da violência contra gênero e orientação sexual, marcadamente homofobia e transfobia. Essa caracterização, no entanto, não é a mais comum na mídia brasileira, havendo uma tendência contrária em meios de caráter regional, sobretudo os do tipo popular ou popularesco[1]. Essas violências, tanto físicas quanto simbólicas, são apresentadas em narrativas que tratam dos acontecimentos a partir de características grotescas, risíveis, irônicas e preconceituosas, enfatizando a estigmatização dos sujeitos e a negação de identidades e orientações sexuais não situadas no padrão heteronormativo, segundo o qual a heterossexualidade é norma da conformação das práticas e identidades sexuais, tanto compulsória quanto sutilmente (LOURO, 2009; LEAL; CARVALHO, 2012).

Esse tipo de cobertura jornalística era intenso no Brasil até fins do século passado, sobretudo, nas décadas de 80 e 90, quando havia uma profusão de impressos sensacionalistas e o enquadramento predominante era o da representação da violência envolvendo homossexuais e transexuais como resultado de fraquezas morais ou vício, em que a identidade sexual era sempre apresentada a partir de um viés de negatividade (LACERDA, 2006). Fato relacionado às representações dessa natureza feitas por agentes de polícia ostensiva e judiciária (principais fontes de jornalismo policial) e da justiça, a respeito de casos de homicídios de homossexuais, em que essas noções de desvio moral e doença também eram predominantes (CARRARA; VIANNA, 2004).

A ideia da construção social da realidade a partir do jornalismo continua sendo um eixo norteador da pesquisa nesse âmbito, abarcando noções de conhecimento sociocultural, de processos de cognição social na apresentação de aspectos da realidade e mesmo de constituição de um mundo partilhado a partir das notícias (CORREIA, 2009; MEDITSCH, 2005; TUCHMAN, 2002). As narrativas midiáticas que constituem objeto da presente análise possuem um papel bem demarcado de fornecer sentidos sobre a realidade, de modo que a partir dela se possam realizar leituras sobre a violência urbana, sobre insegurança e sobre quem está envolvido com ou é responsável por ela. Nas narrativas, estão inscritas interpretações sobre a realidade social, que possibilitam outras intepretações por parte dos sujeitos na sociedade. Constituem-se a partir de um processo em que, os acontecimentos, ao mesmo tempo em que passam pela formatação dos códigos do jornalismo e da informação, dialogam com elementos que compõem a experiência social dos sujeitos, meio pelo qual os indivíduos se apropriam de tais acontecimentos. (TUCHMAN, 2002; ARQUEMBOURG, 2005).

É nesse quadro que se insere o presente estudo, que visa a compreender a construção das narrativas e dos acontecimentos relativos à violência que envolve parte da população LGBT mais regularmente vitimada no Brasil: homossexuais e transexuais. Nossa abordagem, parte de uma rotina midiática na imprensa do Pará, estado brasileiro da Região Norte. Inferimos sobre os operadores simbólicos desse processo e sobre em que medida e de que forma esses meios e suas narrativas difundem representações que se alimentam da discriminação e da desumanização desses grupos e as realimentam a partir de estereótipos e estigmas que os vinculam à violência.

Na elaboração da pesquisa, analisamos matérias publicadas nas editorias de Polícia dos dois principais impressos que circulam na Amazônia Paraense[2], Diário do Pará e O Liberal, referentes ao primeiro e ao segundo semestre de 2012. O material analisado consiste em 12 edições, sendo 6 de cada impresso, selecionadas a partir do acervo do projeto de pesquisa “Mídia e Violência: as narrativas midiáticas na Amazônia Paraense”[3].

O percurso que pretendemos realizar parte da exposição de aspectos contextuais, sobretudo de ordem sociológica, que constituem as características de um “campo problemático” (QUÉRÉ, 2005), entendido como um conjunto de situações problemáticas públicas ou sociais, que emergem tanto em níveis microssociológicos quanto de instituições sociais, influindo nos acontecimentos e convocando resoluções. Como constituintes do campo problemático que cabe ao escopo do trabalho, destacamos as especificidades da estruturação da mídia e da cobertura de violência na Amazônia Paraense, as tendências e o panorama da violência urbana no Brasil e no estado do Pará, além das noções relativas ao estatuto das identidades sexuais e de gênero, assim como a violência que atinge essa população de modo específico.

Partimos, assim, da noção de acontecimento, com base na definição de Quéré (2005), que o concebe em uma dualidade, ou seja, como “facto do mundo”, à medida que se desenrola em um contexto e possui uma temporalidade; e como um “efeito na ordem do sentido”, que esclarece o acontecimento, que enseja a possibilidade de se constituir como fenômeno hermenêutico (compreensível e que faz compreender). As demais noções conceituais aqui acionadas, compreendem as relações entre enquadramento e narrativa (MOUILLAUD, 2002; TUCHMAN, 2002), e entre narrativa e acontecimento (ARQUEMBOURG, 2005; QUÉRÉ, 2005, 2011; FRANÇA, 2011), a partir das quais pretendemos realizar um percurso metodológico que dê conta de apontar os acontecimentos, o processo de narrativização e os componentes desses acontecimentos conformados pelas narrativas de violência, ao tratar de eventos em que violência e os LGBT são apresentados como ligados de forma intrínseca.

A cobertura midiática e a violência urbana

O primeiro aspecto que se deve ter em mente é que a estruturação da mídia no Brasil é marcada pela concentração midiática. De acordo com Castro (2012, p. 18-19), esses padrões de concentração nos estados da região Norte são caracterizados por estruturas de propriedade cruzada, em que é possível identificar a atuação de grupos e redes de comunicação em jornalismo impresso, televisão (radiodifusão de imagem e som), rádio (radiodifusão de som), emissão por satélite e emissão por sinal pago (cabo ou ondas). Na Amazônia, assim, como em outras regiões do país, um dos principais padrões de concentração é o que o autor chama de grupos de mídia regionais, que têm grande expressão econômica, geralmente replicando os conteúdos dos grandes grupos nacionais de comunicação. Ao mesmo tempo em que apresentam essas estruturas de propriedade cruzada, também possuem estrutura telejornalística própria e articulação com os sistemas políticos estaduais.

Esse quadro influi no condicionamento da produção de informação e o fornecimento de interpretações da realidade e fenômenos sociais do local e além dele, de acordo com os interesses e alianças ou orientações políticas, ou seja, por meio de usos político-empresariais da informação. Na Amazônia Paraense, de modo específico, o panorama dos veículos de imprensa de relevância se delineia durante a segunda metade do século XX e início do XXI, quando alguns dos jornais mais antigos, como o Estado do Pará, fundado em 1930, e a Província do Pará, fundado em 1825, perderam o relevo ou mesmo pararam de circular na capital, conforme destaca Veloso (2014). Nesse contexto, surgem os dois grupos que concentram os veículos de comunicação hoje no estado e se constituem como principais atores da concentração midiática no estado do Pará, engajados no que Veloso chama de “guerra político-empresarial” entre as famílias Maiorana, proprietária das Organizações Romulo Maiorana (ORM), e Barbalho, proprietária da Rede Brasil Amazônia de Comunicação (RBA).

Os dois grupos de comunicação e, consequentemente, seus veículos e seus conteúdos, são atravessados por questões políticas desde sua implantação. De acordo com Veloso (2014), o primeiro grupo surge com o jornal O Liberal, em 1966, e coexistiu com a ditadura militar no Brasil (1964-1985), silenciando sobre ela e aliando-se aos governos do estado do Pará, para poder desfrutar de uma existência sem atritos com o regime vigente, e, após a ditadura, mantendo-se alinhado com os políticos e governantes (em nível local e estadual) do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). O segundo grupo surge com o Diário do Pará como principal impulsionador da campanha de Jader Barbalho, hoje senador da República, ao governo do Pará, na década de 1980, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), ao mesmo tempo em que se posicionava contra a ditadura militar. O jornal Diário do Pará nasceu já como concorrente de O Liberal (enquanto A Província ainda existia), mas tinha o caráter de panfleto político mais evidente, pelo menos até o início dos anos 2000, quando passou a se dedicar à cobertura de violência, de esporte e entretenimento, além da política e assuntos locais diversos.

Nesse cenário de concorrência, questões do campo político, como a gestão pública, serviços de saúde, saneamento e educação, bem como a segurança pública, surgem na arena midiática de confronto do Diário do Pará com o poder público. Isso se deve ao posicionamento partidário do veículo, propriedade de família cujos membros são políticos do do PMDB, sendo, portanto, contrário ao PSDB, que atualmente se encontra no comando do governo do estado e da prefeitura de Belém, capital do Pará.

Na linha editorial do Diário do Pará, os ataques ao governo do estado e ao grupo de comunicação adversário são constantes. Suas matérias de denúncia são seletivas, partindo de um modelo denuncista, cujos condicionantes são as intenções do próprio grupo RBA, os atores políticos locais a que afeta e o tipo de representações que pretende difundir entre as suas audiências.

Os periódicos O Liberal e Amazônia, ambos das ORM, possuem editorias de polícia, em que noticiam mortes, prisões e acidentes, assim como o Diário do Pará possui um caderno exclusivo de notícias sobre violência. Em todos eles, a violência é apresentada como um conjunto de intrigas, de personagens que estão ligados de modo naturalizado a ambientes e grupos violentos. Diariamente são construídas narrativas sobre assaltos, homicídios, prisões e acidentes de trânsito, acompanhadas de fotografias que conferem legitimidade ao fato, exibindo cadáveres, sangue, marcas de violência, os próprios acusados e outros envolvidos.

Esse modelo midiático é caracterizado pela predominância do espetacular e do sensacional, em um estilo narrativo em que os acontecimentos são “uniformizados, reduzidos a um conjunto de elementos factuais semelhantes, que reiteram e reapresentam agentes, pacientes e espaços de violência na Região Metropolitana de Belém” (FERREIRA JUNIOR; MENEZES, 2014, p. 58). Modelo midiático do espetáculo que se calca em um modus narrandi já viciado, autorreferente, dramatizado e esvaziado, no qual


O que se percebe é que a violência tornou-se fato comum, notícia corriqueira, com o interesse de comover, mexer com os sentimentos, não importando de que forma está sendo apresentada a informação. [...] Como mercadoria, a violência passa a ser consumida, integrando o processo de sua produção, ainda que como representação. Os fatos são tirados de seu contexto concreto e transmitidos como se fossem eventos fragmentados. [...] As pessoas recebem diariamente – pelo acesso a notícias de todo o mundo – uma tal carga de imagens e descrições de violência que já não distinguem com clareza o excepcional do habitual. De toda forma, a impressão deixada diariamente pela mídia é a de que uma incontável onda de violência agita o mundo, sem que nada possamos fazer. (COSTA, 2011, p. 180-181).

Relativamente à violência cometida contra homossexuais e transexuais narrada nos impressos paraenses, observamos que elas passam da tragédia à banalidade, da seriedade à ironia ou ao riso, de modo que esses indivíduos, ao serem caracterizados como “homossexuais” ou “travestis”, são construídos e apresentados narrativamente de maneira negativa, fora de uma pretensa ordem social, segundo a qual as ações violentas sofridas ou realizadas por eles se devem à sua condição sexual, esvaziando ainda mais a discussão sobre os tipos de violação que atingem especificamente a população LGBT no Brasil. Deste modo, as narrativas midiáticas fazem circular representações do homossexual e do transexual repletas de estigmas e reafirmação das normas.

Há, portanto, relações entre a produção de narrativas e as construções que reiteram tanto normatividade quanto formas de apreensão das normas pelo social, particularmente interpretadas quando relacionadas à violência, conforme pondera Michaud:


Não somente o fato de o social se referir a alguns de seus aspectos por meio da noção de violência é independente da violência real que aí circula mas rapidamente ocorre que essa representação, quando intervém é conflitual: e é indício de um conflito de apreensões, impossível de ser decidido a não ser pela imposição de um ponto de vista único, significando qualquer outra coisa que um acordo consentido sobre a objetividade. Na verdade, fica evidente que as significações do termo variam consideravelmente segundo quem fala (MICHAUD, 1989, p. 89).

A partir desse itinerário, portanto, percebemos duas construções conflituosas nos impressos paraenses, a partir de situações problemáticas de um campo problemático: sobre a violência, que é dada a ver por silêncios, deslocamentos e lógicas do espetáculo; e sobre homossexuais e transexuais, que são apresentados como indivíduos caracterizados por marcas negativas, capazes de normalizar a violência que atinge esses indivíduos, por serem eles mesmos desviantes e violentos.

A violência como acontecimento

De acordo com Quéré (2011), os acontecimentos, ainda que sejam caracterizados por descontinuidades e constituam uma “situação”, tendem a remontar a outras situações, que apresentam causalidades ou desfechos similares, devido às questões contextuais. Assim, os acontecimentos podem se configurar enquanto “situações problemáticas” que emergem e fazem emergir um “campo problemático”, definindo tensões, conflitos e contradições em níveis individuais e coletivos, convocando ações de análise e de busca por soluções. Definem, portanto, problemas públicos e sociais que requererem ações coletivas e mesmo ações de Estado, a fim de os solucionar, à medida que emergem dos acontecimentos

Considerar a violência como acontecimento e como constitutiva de um campo problemático requer que compreendamos os fatores que condicionam a manifestação do fenômeno violência na atual sociedade brasileira. Dentre esses fatores, as desigualdades sociais são um dos aspectos apontados como fatores do aumento da violência no Brasil, provenientes do seu processo sócio-histórico. De acordo com Peralva (2002), essas desigualdades advêm de contradições relacionadas à precarização dos modos de vida, aos centros urbanos, à emergência de conflitos sociais e ao enraizamento do narcotráfico nas regiões periféricas das cidades brasileiras. Além disso, houve também processos de entrave no avanço de políticas eficazes de segurança interna, de desorganização das instituições de segurança pública e manutenção do caráter repressivo das polícias, assim como o recrudescimento da pobreza, como potencial geradora de relações conflitivas e engajamento na experiência do crime, por razões ambivalentes e complexas.

Essas questões não são visibilizadas na cobertura midiática como fatores capazes de influenciar o crescimento da violência no país. Pelo contrário, quando a mídia retrata o crime, ela o particulariza em relação a sujeitos de baixa renda ou moradores das periferias, realizando o vínculo entre pobreza e criminalidade. Nesse sentido, como explica Jodelet, “as representações sociais [que] circulam nos discursos, são trazidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens midiáticas, cristalizadas em condutas e em organizações materiais e espaciais” (2001, p. 17). De modo que o fenômeno violência urbana é inserido em uma rotina de produção e difusão, em que, como aponta Zaluar (2004), a mídia produz imagens e representações sociais do crime e da violência por meio de exagero, banalização, espetacularização e/ou excessiva exposição de notícias sobre crimes, em detrimento de temas como política pública.

Ao caracterizar a violência urbana, Adorno (2002, p. 88), apresenta algumas tendências vigentes no país desde a segunda metade do século XX: o crescimento da delinquência urbana (roubo, extorsão e homicídios); o surgimento do crime organizado (relacionado ao tráfico internacional de drogas); violações graves aos direitos humanos (como violência policial); e explosão de conflitos violentos intersubjetivos, como os de ordem identitária ou cotidiana.

Dados do relatório Balanço das Ocorrências Policiais com Registro no Sistema Integrado de Segurança Pública (PARÁ, 2012), realizado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (SEGUP), órgão do Governo do Pará, também dão conta de altos índices de ocorrências de homicídios na região. De acordo com dados de 2012, ano dos impressos analisados no presente artigo, houve uma queda no número de homicídios dolosos entre os anos de 2010 e 2012 na Região Metropolitana de Belém, passando de 1362, em 2010, para 931, em 2012. Tendência similar teria ocorrido na totalidade do estado do Pará, em que o número de homicídios dolosos foi de 3098, em 2010, para 2731, em 2012, o que indica uma redução de 11,85%, ainda que os números sejam bastante altos[4].

Ao traçarmos esse panorama sobre a violência urbana, buscamos inferir sobre os elementos do contexto de uma região marcada por altos índices de violência, que alimentam as rotinas dos meios de comunicação da Amazônia Paraense e a profusão de narrativas midiáticas que corroboram o medo, a ideia da cidade violenta, sem, no entanto, problematizar essa violência ou mesmo lançar uma perspectiva mais complexa sobre os acontecimentos. Deste modo, fenômeno e interpretações sobre ele transmutam-se em narrativas sobre crime, criminalidade e fatos violentos, explorados política e economicamente; em que os acontecimentos são narrados a partir de estratégias comunicativas que reiteram e naturalizam desigualdades, bem como banalizam a violência e aqueles a quem afeta.

Violência contra LGBTs: conceitos e números

O tratamento dispensado pelos impressos paraenses à população LGBT, quando envolvida em eventos de violência, insere-se naquilo já dito sobre a violência urbana. Na rotinização dos acontecimentos relativos a esses grupos, tais sujeitos e os acontecimentos em torno deles são construídos como “situações problemáticas”, com operadores simbólicos de ancoragem dessas identidades a um caráter negativo.

Nos meios de comunicação paraenses, principalmente nas editorias de polícia, constatamos ainda uma cobertura preconceituosa sobre questões relacionadas a esses sujeitos. Cumpre destacarmos que homofobia e transfobia são constituídas socialmente como preconceitos e práticas (que muitas das vezes redundam em discriminação e violências) contra a orientação sexual e contra identidade de gênero, respectivamente. Está presente nos dois casos a lógica do heterossexismo, que consiste em uma concepção essencialista e naturalizada, segundo a qual “a heterossexualidade é superior do ponto de vista social, moral e do desenvolvimento psicológico às outras formas de expressão da sexualidade, [...] relegadas a um plano inferior, moral e legalmente”. (NARDI, 2010, p. 155).

Ao falarmos de gênero como uma construção social e não uma realidade em si mesma, estanque, que possa ser determinada como uma condição biológica, devemos pensá-lo nos termos de resultado de condicionamentos sociais e históricos, que redundam em diferenças socialmente produzidas e legitimadas. (EDWARDS, 1987). É em razão dessas construções que se pode falar da hierarquia entre os gêneros, segundo a qual o masculino ocupa uma posição superior e o feminino, posição inferior.

Ainda que o debate sobre as definições de homofobia e transfobia possuam um pano de fundo bastante amplo, consideramos importante demarcá-los conceitualmente na presente pesquisa. A homofobia é concebida como preconceitos e práticas, na sua relação contra a orientação sexual, em que o estatuto da homossexualidade, a partir da ótica do heterossexismo, constitui-se como uma perda do gênero original (LOURO, 2009). Portanto, tanto os discursos quanto as práticas sociais são conformados por meio dessa lógica dicotômica e “implicam a negação de práticas ou características referidas ao gênero feminino e essa negação se expressa, muitas vezes, por uma intensa rejeição ou repulsa de práticas e marcas femininas” (LOURO, 2008, p. 91, 92).

Com intersecções e especificidades, a transfobia é um conceito que emerge mais recentemente, e está relacionado com a necessidade de se atentar para as singularidades dos preconceitos e violências que atingem os indivíduos com uma dada identidade sexual. Daí se falar também em lesbofobia, relativamente a mulheres lésbicas, e homofobia, relativamente a homens homossexuais.

A transfobia, no entanto, pressupõe especificidades porque a transexualidade (e também travestilidade) é identidade de gênero cujas condições advêm, sobretudo, da auto-categorização e da adesão às normas de gênero que não aquelas do horizonte de expectativas sociais, contrárias em relação a um suposto sexo “biológico”, que seria o natural a partir da perspectiva do heterossexismo. A importância da auto-categorização se dá como um processo de “formação da identidade, [que] pode controlar, restringir e inibir, mas, simultaneamente, oferece conforto, segurança e confiança. [...] que [tem] fornecido um salto para a auto-definição e resistência individual e coletiva” (WEEKS, 1995, p. 35-36, tradução nossa). Desse modo, é a identidade de gênero que é alvo da transfobia, agravando-se a ideia da perda do gênero original e legitimando-se ainda mais a violência, devido a um estatuto que não seria o de verdadeiramente masculino ou feminino, reforçando processos de marginalização e de invisibilização.

Desse modo, o fenômeno da violência contra a população LGBT ocorre a partir dessas noções e por meio da difusão de representações sobre sexualidades dissidentes, desviantes, anormais. De acordo com o Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil: ano de 2012 (BRASIL, 2013), da coordenação de Promoção dos Direitos LGBT, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), houve um crescimento no número de registro de casos de violência motivados por homofobia no Brasil.

O relatório indica que o número de denúncias de violência homofóbica aumentou em 166% de 2011 a 2012, havendo 1.159 denúncias, em 2011, e 3.084 denúncias, em 2012. Ainda de acordo com o relatório, o número de violações (tipos de violência) relativas à homofobia, também teve aumento. O número, que era de 6.809, em 2011, passou para 9.982, o que representa um aumento de 46,6%. Os principais tipos de violação listados são: violência psicológica, discriminação, e violência física. Em relação aos homicídios de LGBTs, houve um aumento de 278, em 2011, para 310, em 2012 (BRASIL, 2012). No estado do Pará, nesse mesmo período, de acordo com os dados do Relatório, houve uma variação de 8 homicídios registrados pela mídia, em 2011, para 14, em 2012 (BRASIL, 2012, 2013). Além de um aumento de 180% nas violações.

Esse aumento das denúncias acompanha também outros fenômenos, sobretudo, de visibilidade da temática. Em um estudo para compreender as leituras que as mídias jornalísticas no Brasil fazem sobre os acontecimentos ligados aos LGBTs, Leal e Carvalho (2012) apontam que uso midiático do termo homofobia é recente e acompanha uma tendência de a homofobia ter-se constituído como um fenômeno social de relevância. Em sua pesquisa, detectaram nas mídias jornalísticas que se difundem a partir da Região Sudeste, a manifestação e a tematização de assuntos, como o casamento igualitário, HIV/Aids e homofobia. Apesar desse âmbito relativamente restrito, os autores apontam haver um tensionamento e uma maior permeabilidade de se falar desses assuntos, à medida que se constituem como pauta e se integram em produtos jornalísticos de difusão e circulação no cotidiano.

Mesmo o tratamento nesses meios difere daquele que detectamos nas mídias jornalísticas de caráter regional, como as analisadas neste artigo. Nessas mídias, há uma maior preferência por “‘temas leves’, voltados para aspectos de comportamento e vida privada, que por assuntos vinculados à política e direitos humanos ” (LEAL; CARVALHO, 2012, p. 42). Cenário oposto ao que se encontra no campo problemático dos fenômenos midiáticos na Amazônia, em que homossexualidade e transexualidades são tematizadas no âmbito da violência e do desvio, em um contrastante silenciamento sobre a violação, sobretudo, face à multiplicidade de dimensões que abrange a existência, os acontecimentos, as relações temáticas ao se falar sobre população LGBT.

A conformação dos acontecimentos: violência e sexualidades perigosas

Pesquisas sobre mídia e violência na região da Amazônia Paraense (FERREIRA JUNIOR; MENEZES, 2014; FERREIRA JUNIOR, 2015; FERREIRA JUNIOR; COSTA, 2016; FERREIRA JUNIOR; LOUREIRO; COSTA, 2016) constatam que o acontecimento nas narrativas de violência ou sobre a violência urbana no contexto da Amazônia Paraense, apresenta uma afetação que está inscrita na ordem das representações. Ao serem conformadas a partir de elementos pontuais em sua conjuntura e projetarem acontecimentos como conjunto de intrigas, tais representações são deslocadas da relação com fato social e se inserem em outras interpretações e experiências sobre a violência e seus agentes. De modo que no acontecimento conformado,


As representações da violência sobrepõem-se à vivência da violência. Um fenômeno subjetivo que é potencializado sobremaneira pela mídia, uma repercussão simbólica, que organiza práticas cotidianas, faz-nos mobilizar conhecimentos, em forma de incertezas, medos, inseguranças, ou certezas sobre a origem da violência, a sua iminência. Assim, percebemos um diálogo complexo, entre a representação social e a experiência social, de que as narrativas midiáticas participam na construção do pensamento dos sujeitos. A mídia forja uma experiência social que opera e organiza as representações de modo totalizante (FERREIRA JUNIOR; COSTA, 2016, p. 111).

Esse processo de conformação dos acontecimentos está inscrito no processo de falar sobre a realidade social, operando a redução da contingência dos acontecimentos, contornando sua descontinuidade e aspecto situacional, forjando e condicionando uma experiência social coletiva ou individual (FRANÇA, 2011; QUÉRÉ, 2005, ARQUEMBOURG, 2005). Portanto, essas narrativas midiáticas participam na produção de repercussões culturais e ideológicas que cumpre deixar claras, em consequência da maneira como os acontecimentos são conformados ou construídos.

As matérias do Diário do Pará e de O Liberal que servem a esta análise, dizem respeito ao primeiro e ao segundo semestre de 2012 e, ainda que não representem um grande número de narrativas, são sintomáticas para evidenciar a construção narrativa sobre violências específicas. O material analisado é composto de 12 matérias dos dois jornais paraenses, sendo 06 (seis) do Diário do Pará e 06 (seis) de O Liberal, categorizadas a partir das ocorrências identificadas nas narrativas jornalísticas, assim distribuídas nos Quadros 1 e 2 sobre os periódicos paraenses.

Quadro 1 - Notícias sobre violência envolvendo LGTBs no Diário do Pará

Categoria

Envolvidos

Identificação

Data

Manchetes


Homicídio

Vitima

Homossexual

27 mar. 2012

Homossexual é morto com pauladas na cabeça

Vítima e acusado

Homossexuais

15 ago. 2012

Homossexual é morto a facadas dentro de casa

Vítima

Homossexual

21 ago. 2012

Homossexual garante que matou companheiro

Vítima

Travesti

29 out. 2012

Homofobismo pode ter feito mais uma vítima

Roubo

Acusada

Travesti

01 mai. 2012

Bombeiro diz que “levou o limpa” de travestis

Tráfico humano

Acusada

Travesti

04 mai. 2012

Travesti comandava tráfico humano

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores

Quadro 2 - Notícias sobre violência envolvendo LGTBs em O Liberal

Categoria

Envolvidos

Identificação

Data

Manchete

Homicídio

Vítima e acusado

Homossexuais

21 ago. 2012

Homossexual confessa crime, mas polícia não localiza cadáver

Vitima

Travesti

29 out. 2012

Travesti morta a tiros teve os pés amarrados

Homofobia

Vítima

Travesti

30 out. 2012

Corpo de travesti é enterrado. Homofobia provocou 23 mortes em 16 meses

Tráfico humano

Vitima

Travesti

04 mai. 2012

Travesti suspeito de tráfico de pessoas chega a Belém

Ação do Governo

-

Política pública

19 out. 2012

Polícia Civil passa a aceitar nome social

-

Política pública

20 out. 2012

Travestis festejam nova ‘carteira social’

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores

A seleção do material dos jornais impressos foi realizada levando em consideração as publicações cujos elementos narrativos, como personagens e enredos, na editoria de Polícia, constroem-se a partir de casos de violência envolvendo a população LGBT, quer como vítimas quer como acusados.

Enquadramento e marcas identitárias negativas

Constatamos nas análises das edições dos dois jornais que as construções narrativas apresentam a denominação das identidades sexuais sempre como um categorizador ou uma “marca identitária” de quem é o envolvido. Do mesmo modo que é feito com envolvidos de outra natureza, em relação a outros tipos de acontecimentos, como no caso da definição de categorias como assaltantes, traficantes e usuários de drogas, recorrentes no cotidiano da cobertura sobre a violência no Pará.

Essas categorias se interceptam com a noção (mesmo a jurídica) de criminosos, apontando para um caráter negativo da construção e do sujeito. Nas manchetes do Diário do Pará, “homossexual é morto a facadas dentro de casa”, ou de O Liberal, “Travesti suspeito de tráfico de pessoas chega a Belém”, observamos uma operação simbólica de ancoragem da identidade sexual à violência. Essa ancoragem, no entanto, não é um simples processo de denominação, mas um processo de enquadramento, que condiciona a narrativa midiática e os elementos do acontecimento por ela acionados.

Na distinção estabelecida por Queré (2011), sobre a dualidade do acontecimento, percebemos que o processo de categorização é elemento importante da inscrição do acontecimentos-fatos-do-mundo em uma ordem explicativa e inteligível, segundo a qual eles são rearranjados e passam a fazer parte de acontecimentos conformados com o potencial de afetação na ordem do sentido. Segundo o autor, processa-se uma “individualização do acontecimento”, processo em que um acontecimento adquire uma determinada identidade e passa a constituir o âmbito da experiência social. Nesse processo, a categorização é um processo-chave na estruturação das representações nas narrativas midiáticas, em que o enquadramento faz com que determinados quadros de sentido, que nos situam no mundo e diante dos acontecimentos, sejam acionados (GOFFMAN, 2012).

Nos estudos sobre mídia, a noção de enquadramento pode surgir associada à de acontecimento e àquilo a que nos referimos como experiência. Para Tuchman, as notícias não constituem o espelho da sociedade, antes, por meio de enquadramentos que pressupõe a atividade jornalística, “ajudam a constitui-la como fenômeno social partilhado, dado que no processo de descrição dos acontecimentos, as notícias definem e moldam o acontecimento” (TUCHMAN, 2002, p. 92). Ou ainda em Mouillaud, os acontecimentos são fragmentos captados pelo enquadramento, que lhes constrói uma “moldura [que] opera ao mesmo tempo um corte e uma focalização: um corte porque separa um campo e aquilo que o envolve; uma focalização porque, interditando a hemorragia do sentido para além da moldura” (MOUILLAUD, 2002, p. 61).

Nessa perspectiva, que considera o caráter construído e fragmentário do quadro de sentido, podemos compreender o tipo de processo simbólico realizado nas matérias. A consequência disso é que, apesar das especificidades dos acontecimentos, a condição e identidades sexuais são vinculadas à possibilidade de determinado indivíduo (homossexuais, travestis e transexuais) ser um potencial engendrador ou vítima da violência. O problema nesse quadro apresentado é agravado quando a potencialidade da vítima é deslocada apenas pela identidade, sem ligações com questões contextuais como a ocorrência da homofobia e as desigualdades relativas a esses sujeitos, elementos invisibilizados à medida que o enquadramento das sexualidades dissidentes é o de “sexualidades perigosas”, potencialmente violentas e violentáveis em si mesmas, o que influi tanto nos estilos quantos nos componentes narrativos.

Narrativização e normalização

A construção simbólica das narrativas que vinculam homossexuais e transexuais à violência também precisa ser analisada da perspectiva do contexto social, cultural e histórico, considerando que o enquadramento ensejado é condicionado por esses fatores e não isento ou gratuito. Antes, diz respeito a uma narrativização tornada possível pelo fato de que o acontecimento “torna compreensível o seu passado e o seu contexto, em função do sentido novo cujo surgimento ele provocou” (QUÉRÉ, 2005, p. 62), ou seja, possui uma ordem de temporalidade que condiciona o seu potencial hermenêutico (por meio do remontar a eventos anteriores, com características similares, por exemplo).

Essa ênfase no aspecto revelador dos acontecimentos também nos permite pensar a narrativa no processo de mediação, à medida que há uma intersecção entre a construção da narrativa e a construção da intriga, entendida como qualquer coisa que se enlaça em um dado momento, devido a um acontecimento ou iniciativa humana, para, em seguida, se encaminhar progressivamente para um desenlace resultante de uma contingência, peripécias, mudanças na situação, alteração do caso (QUÉRÉ, 2005, p. 71)

Já Arquembourg (2005) reforça a necessidade de se considerar a narrativa na constituição dos acontecimentos e da experiência. A narrativa, para ela, consistiria numa operação de julgamento e “mediação por excelência”, um meio pelo qual os indivíduos podem acessar à compreensão dos acontecimentos que os afetam e do caráter problemático das situações que os acontecimentos põem diante deles. Por outro lado, França compreenderá a narrativização como a “articulação de seus vários momentos [da narrativa], a estruturação da temporalidade. Geralmente a construção da narrativa é feita após tudo terminado, quando já se conhece o seu desfecho, e em função do seu final” (2011, p. 67).

Observamos, assim, que as narrativas midiáticas constroem intrigas especificas, de acordo com o enquadramento sobre as identidades e os tipos de crimes associado a elas. As potencialidades e conflitos que emergem do homicídio de um indivíduo identificado como homossexual estão assentes na noção da morte como acontecimento disruptivo, em um percurso que reconstitui uma ordem de eventos a partir de depoimentos e afirmações sobretudo de autoridades policiais (Militar e Civil), de testemunhas, familiares ou conhecidos das vítimas.

Nas matérias do jornal Diário do Pará, constatamos que, além de destacar o fato de o indivíduo ser homossexual, as narrativas sobre os homicídios de homossexuais apresentam dois quadros. Em um deles, a narrativa evidencia elementos que indicariam a proximidade do possível assassino, como sendo alguém ligado à vítima, porém desconhecido, cujas presença e ação são decorrentes de uma suposta promiscuidade, significada pela presença de vários homens à residência dessa vítima. No outro, o homicídio é apresentado pelo seu caráter brutal, capaz de ensejar pesar entre os entes da vítima, mas categorizado como a morte de um homossexual, o que atenua esse sentido de comoção, reforçando, sem explicações, a relação entre sexualidade e vitimização.



Homossexual é morto a facadas dentro de casa. Na madrugada de ontem, por volta das 3h, um homem com o corpo totalmente esfaqueado foi encontrado morto dentro do quarto de uma vila de kitnets onde morava [...] De acordo com a Polícia, o aposentado Paulo Santos Soares, 59, era homossexual, viciado em drogas e a motivação do crime ainda é desconhecida. Assassino ainda não foi identificado. De acordo com informações de moradores do prédio, Paulo Soares era homossexual, morava sozinho, mas a sua casa seria movimentada. Ele costumava consumir entorpecentes dentro do quarto com outros viciados que frequentavam constantemente o local e supostos parceiros sexuais também sempre iram ao local (HOMOSSEXUAL..., 2012a, p. 7).









Homossexual é morto com pauladas na cabeça. No início da manhã de ontem, o corpo de um homem foi encontrado dentro da mata do Utinga, próximo à rua Oswaldo Cruz, bairro de Águas Lindas, em Ananindeua. A vítima, identificada como Flávio Wellington Macedo Pinto, 39 anos, estava apenas de bermuda e apresentava marca de pauladas na cabeça. [...] Familiares do homem também estiveram no local, mas evitaram falar com a imprensa. Eles apenas confirmaram a versão apresentada por Nilda e disseram que a vítima não tinha antecedente criminal. [...] ‘Por ele ser homossexual, ele era uma dessas pessoas que se dão bem com todo mundo. Sinceramente, jamais imaginava que ia encontrar meu o meu amigo numa situação deprimente assim. Quem será que fez isso? Para que tanta maldade’, se questionou uma amiga, abraçando outros entes queridos de Flávio (HOMOSSEXUAL..., 2012b, p. 6).


Quando as matérias retratam as envolvidas, identificando-as como “o travesti” ou se referindo ao seu “nome de nascimento”, conforme matéria publicada sobre o mesmo homicídio, no Diário do Pará e O Liberal, constatamos que a morte é tratada também como um acontecimento disruptivo, de elementos que a remontam e do desfecho. Ou seja, é apresentada a partir dos vestígios indicados por moradores sobre hora e indícios de que houve uma morte nas redondezas e também reconstituída nos termos da ação policial (Civil), da ação do reconhecimento do corpo e do que entende como as possíveis causas.



Homofobismo pode ter feito mais uma vítima. Mais um crime por provável preconceito contra homossexuais foi registrado em Belém. Na manhã de ontem, foi encontrado o corpo de um travesti na mata da Ceasa [...] O corpo do jovem, que estava vestido de bermuda jeans e camiseta rosa, foi encontrado a 500 metros do portão da Ceasa, às 6h30 do domingo. Com as mãos e pernas amarradas e todo o rosto até o pescoço envolto em fita isolante, o homem, que não teve o nome identificado, provavelmente morreu asfixiado. Apesar da morte brutal, os indícios mostravam que o travesti não foi obrigado a ir até o local. (HOMOFOBISMO..., 2012, p. 3).



Travesti morta a tiros teve os pés amarrados. A travesti assassinada na estrada da Ceasa, no Curió Utinga, na manhã de ontem, foi reconhecida pelo nome social “Raica”, mas o nome de nascimento é Emerson Morais Costa, 18. O namorado da vítima foi, ontem à tarde, ao Instituto Médico Legal (IML), e reconheceu o corpo. O cadáver de Raica foi encontrado por moradores da área nas matas da Ceasa com os pés amarrados e com um papel filme enrolado na cabeça. Moradores das proximidades ouviram disparos de tiros na noite de sábado, mas ninguém sabia informar mais nada sobre o crime. Por volta de 6h de ontem, a polícia foi acionada. Uma equipe da Divisão de Homicídios, sob o comando do delegado Eduardo Rollo, foi ao local do crime, mas não conseguiu obter pistas para esclarecer o homicídio. No local, os policiais conversaram com moradores das proximidades. Eles disseram que ouviram estampidos de dois disparos, mas não viram ninguém. (TRAVESTI..., 2012b)

Na perspectiva das causas, a narrativa do Diário do Pará, apesar de utilizar a expressão homofobia no título da matéria acima, como “homofobismo” (demonstrando o caráter acessório da ideia na construção da narrativa), identifica o preconceito como uma causalidade, no entanto, o foco da narrativa não recai sobre esse aspecto do acontecimento, mas sim sobre a ação da polícia e a descrição factual.



Homofobismo pode ter feito mais uma vítima. [...] 'Ele está com a sandália nos dois pés. Isso mostra que talvez ele tenha vindo com os suspeitos por vontade própria', comentou o delegado Vicente Gomes da Divisão de Homicídios. A Polícia Civil deve pedir que os exames sejam feitos para que o nome do jovem seja identificado. 'Será feita a coleta de digitais e outros tipos de exames para que o nome da vítima seja identificado', disse o delegado Vicente. [...] Todo o material encontrado no local do crime foi recolhido e levado para o Centro de Perícias 'Renato Chaves'. A identificação dos suspeitos poderá ser feita através das digitais encontradas na fita isolante utilizada no material. (HOMOFOBISMO..., 2012, p. 3).


Em relação aos casos de crimes cometidos por indivíduos identificados como homossexuais ou transexuais/travestis, que são roubo, homicídio e tráfico humano (ou rufianismo), a estrutura segue a de crimes similares, em que os envolvidos são comumente representados como assaltantes ou criminosos das periferias. Nos casos analisados, no entanto, a identidade sexual passa a ser usada como demarcador da relação entre esses indivíduos e a violência, presente tanto em títulos quanto na narrativa textual. De modo que, no caso das matérias sobre o homicídio nos dois jornais, há a ideia do homossexual instável cuja relação é marcada por violência; na sobre o roubo, no Diário, a narrativa ressalta o perigo representado por travestis ligadas à prostituição; na sobre tráfico humano, também nos dois jornais, “o travesti” é protagonista de um caso envolvendo prostituição e exploração sexual e é “acusado” cujos crimes estão ligados à sua identidade, sendo condicionados por ela.



Homossexual garante que matou companheiro. Acostumados a crimes emblemáticos, onde a autoria é revelada após dias de investigações, campanas e escutas telefônicas, os policiais da Divisão de Homicídios policiais foram surpreendidos, no final da madrugada de ontem, com a chegada de um rapaz afirmando que tinha matado o companheiro a facadas. Identificado como Rafael Pantoja, o rapaz, vestido com roupas femininas, contou, por três vezes seguidas, para a equipe da delegada Claudia Renata Guedes, que na madrugada de ontem tinha assassinado o seu companheiro, de prenome 'Eric', com vários golpes e depois jogado o corpo na maré do rio Benfica, em Murinim, distrito de Benevides. (HOMOSSEXUAL..., 2012c, p. 8).



Homossexual confessa crime, mas polícia não localiza cadáver. Se dizendo arrependido, Rafael Pantoja, 25, procurou policiais da Divisão de Homicídios, no início da manhã de ontem, para confessar que havia matado seu companheiro no rio do Taquara, em Benfica. Os investigadores, então, acionaram o Centro de Perícias Renato Chaves e o Corpo de Bombeiros para constatar o crime e localizar o corpo da vítima. As equipes trabalharam o dia inteiro em busca do cadáver. Rafael chegou às 6h30 na Divisão de Homicídios e disse aos policiais que estavam no plantão que havia matado seu namorado, mas estava arrependido. Ele disse que os dois tinham um relacionamento há quatro meses e, na madrugada de ontem, eles estavam tomando banho no rio quando houve o desentendimento. (HOMOSSEXUAL..., 2012d, p. 1).



Bombeiro diz que ‘levou o limpa’ de travestis. O cabo do Corpo de Bombeiros Ronaldo Cardoso Vilhene, 39 anos, esteve na madrugada de ontem, na Seccional Urbana de São Brás, para denunciar um suposto roubo, cometido por dois travestis, que fazem programa na travessa Quintino Bocaiúva [...] Segundo o militar, os travestis o abordaram com um estilete e roubaram todos os seus pertences, como relógio carteira e telefone. [...] Após denunciar o caso à polícia, uma viatura da PM foi até o local indicado e encontrou apenas um dos suspeitos. Identificado apenas como Thayla Penélope, 21 anos, o travesti foi encaminhado para a central de flagrantes (Ceflag) da Seccional e apresentou uma outra versão sobre o caso. Segundo Thayla, o crime foi cometido por outro travesti que trabalha na área e o roubo só ocorreu porque o militar teria se negado a pagar pelo programa. (BOMBEIRO..., 2012, p. 6).



Travesti comandava tráfico humano. Foi apresentado na tarde de ontem na Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data) Josiel Paulista Vieira, 30 anos, que gosta de ser chamado de Érika. O travesti está sendo indiciado pela Justiça paraense por manter na cidade de Anápolis, GO, uma casa onde abrigaria jovens travestis aliciados em outros estados, como Maranhão e Pará, configurando, assim, o crime de tráfico de drogas. No ano passado um travesti paraense de 17 anos, teria chegado até a casa de Érika, supostamente após ter sido aliciado. Lá teria passado 10 dias e depois teria fugido. Ao chegar a Belém teria denunciado o caso ao Conselho Tutelar 07, localizado no Bairro do Bengui (TRAVESTI..., 2012a, p. 4).



Travesti suspeito de tráfico de pessoas chega a Belém. Denunciado por uma vítima de 17 anos, o travesti Josiel Paulista Vieira, de 30 anos, conhecido como “Érika”, foi transferido ontem para Belém. Ele foi preso mês passado em Anápolis (GO), pelo crime de rufianismo (tirar proveito financeiro da prostituição). O adolescente afirmou que Josiel levava pessoas para serem exploradas sexualmente em Goiás. Nascido em Buriti Bravo, interior do Maranhão, o acusado está sendo alvo de investigações que apontam que ele seja integrante de uma rede responsável em promover o tráfico de pessoas para esse fim. (TRAVESTI..., 2012c, p. 4).


Observamos também um tensionamento nesse tipo de construção nas três matérias publicadas pelo jornal O Liberal, sobre as ações do governo do estado do Pará, em relação a políticas de inclusão da população LGBT, voltadas para transexuais e travestis (a possibilidade do uso civil do nome social na carteira de identidade); e sobre casos de homofobia, em que a principal agente narrativo é uma ONG, vinculada à Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH). Esse tensionamento, essa alteração da narrativa, no entanto, está ligada à parcialidade da cobertura, às escolhas editoriais e aos critérios de noticiabilidade definidos pela conjuntura política de alinhamento entre a empresa de mídia e o grupo político no poder, à medida que essa visibilização seletiva se dá pelo alinhamento das ORM com o PSDB, que governava o estado do Pará à época e permanece no poder até hoje.



Travestis festejam nova ‘carteira social’ ‘Hoje é um dia importante para a classe dos transexuais e dos travestis. Nós demos um avanço pela dignidade e autoestima. Vamos ter direito de nos apresentar com a identidade que escolhemos. Dessa forma, vamos nos poupar de constrangimentos’, disse Bruna Lorrane, assessora jurídica do Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (Greta), durante a assinatura da portaria que garante a carteira social, que dá opção da utilização do nome social quanto à orientação sexual. O delegado geral Nilton Atayde assinou a portaria por volta de 9h, na sede da Delegacia Geral, na companhia de integrantes de movimentos que lutam pela causa LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). O delegado geral disse que ser uma satisfação regulamentar o decreto, que já existia, e que entrará em vigor na próxima semana. (TRAVESTIS..., 2012, p. 2)



Polícia Civil passa a aceitar nome social. O delegado-geral da Polícia Civil do Pará, Nilton Atayde, assina hoje a portaria que dispõe sobre o direito ao uso do nome social por travestis e transexuais nas unidades da Polícia Civil do Estado do Pará. A assinatura ocorrerá às 9 horas, no gabinete do delegado-geral, e contará com as presenças da delegada Christiane Lobato, titular da Diretoria de Atendimento a Grupos Vulneráveis, e do coordenador geral do Comitê Gestor de Combate à Homofobia (CGCH), delegado Vicente Costa (POLÍCIA..., 2012, p. 5).



Corpo de travesti é enterrado. Homofobia provocou 23 mortes em 16 meses. O corpo de Emerson Morais Costa, de 18 anos, travesti que usava o nome social de Raica, foi sepultado ontem à tarde, em Mocajuba, no nordeste de Estado, onde mora a maior parte de sua família. Raica foi assassinada na estrada da Ceasa, no Curió Utinga. O corpo foi encontrado na manhã de domingo. Do segundo semestre de 2011 até outubro deste, já são 23 homicídios registrados na comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis), incluindo o assassinato de Raica. A informação é de Bruna Lorrane, assessora jurídica do Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (Gretta). presidente do Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (Gretta), Bruna Lorrane.. (CORPO..., 2012, p. 1)

Assim, a narrativização do acontecimento participa de um processo de normalização dos acontecimentos, normalização do crime e da violência, conforme a define França, quando afirma que “é a redução de sua contingência e indeterminação, através de sua inscrição num contexto causal e social, tornando manifesto o seu caráter típico” (2011, p. 68).

Nas matérias em questão analisadas, verificamos uma redução dessa contingência e indeterminação, segundo as categorias de ocorrências, que nas narrativas sobre violência coincidem com a categoria dos crimes (homicídios, assaltos, etc.), havendo, nos casos das mortes, a ancoragem das causalidades do acontecimento nas identidades, mas de maneira simples, invisibilizando aspectos como a homofobia e transfobia. Inscreve essas mortes, no caso de homossexuais ou travestis, em um estatuto de esperadas e prováveis. Em relação aos outros crimes, igualmente reforça a identidade sexual dos indivíduos como causalidade subjacente das dinâmicas de violência de que fazem parte, de modo a fazer aderir a violência potencial à identidade sexual dissidente e de estatuto marginalizado.

Isso implica uma operação simbólica, por meio da qual, a mídia estrutura narrativas recorrentes e similares que conformam acontecimentos inseridos em um campo problemático (da violência urbana e da violência contra gênero e orientação sexual), ensejando o condicionamento da interpretação da realidade social e de padrões sociais, bem como da organização dessas experiências.

O reforço da ideologia

Consideramos essas narrativas e os acontecimentos conformados como formas simbólicas, a partir de Thompson (1998), tendo em conta as eventuais consequências sociológicas advindas do processo acima descrito, que também pode ser definido nos termos de produção e circulação de representações sobre a violência e sexualidades dissidentes, igualmente entendidas como formas simbólicas. O esforço que empreendemos aqui não é tanto do ponto de vista dos efeitos ou da especulação sobre a recepção; antes, objetivamo-lo fazer do ponto de vista do acontecimento conformado pela narrativa e dos componentes da realidade social que dela fazem parte, no que diz respeito a LGBTs, à violência sofrida por esses grupos e às ancoragens que são feitas pelas narrativas.

Faz sentido, então, neste ponto, falarmos da mídia como instituição, à medida que se caracteriza como um campo autônomo de práticas sociais, marcadamente práticas discursivas, além de possuir uma esfera de legitimidade especifica e regras próprias (RODRIGUES, 1984, p. 22); como instância estável cujas regras e relações em seu interior são definidas por ela mesma e também cuja orientação é a produção e difusão de formas simbólicas no espaço e no tempo, ou seja, no mundo social (THOMPSON, 1998, p. 24-25). Sobretudo, podemos considerar que a instituição da mídia, ao utilizar dos meios de comunicação e informação, constitui-se como uma instituição de poder simbólico, dotada de um potencial ou “capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de influenciar ações dos outros e produzir eventos por meio da produção e da transmissão de formas simbólicas” (THOMPSON, 1998, p. 24).

O jornalismo, como parte da instituição da mídia, assim, produz formas simbólicas e as difunde nos mais diversos contextos em que há a possibilidade de consumo e recepção, cujo principal objetivo é o condicionamento das percepções, interpretações e experiências dos indivíduos que visa como potenciais receptores e, com maior ou menor grau de intersecção, como efetivos consumidores. É importante ressaltar que essas formas simbólicas são formas culturalmente significantes, ou seja, possuem significações para os indivíduos, que as produzem e as recepcionam a partir dos códigos e das convenções da cultura em que se situam. Não estão dissociadas da realidade social, pois que se originam e circulam em contextos sociais específicos, o que significa ter-se sempre em conta as formas simbólicas e as modalidades de comunicação em que elas se inserem, como um fenômeno social contextualizado (THOMPSON, 1998).

Dito isso, é possível destacar potenciais impactos ideológicos e culturais, que advêm desse processo de conformação dos acontecimentos, de sua narrativização e normalização. Podemos destacar dois pontos: 1) que as ideologias “definem os padrões sociais da percepção, os princípios coletivos que orientam os juízos éticos, estéticos, [...] comandam (ainda que de forma automatizada) os rituais mais ou menos explícitos de acção social” (PINTO, 1978, p. 92); e 2) que as formas simbólicas “servem, em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de domínio, [...] para sustentar sistematicamente relações assimétricas de poder” (THOMPSON, 1998, p. 186).

Assim, as mensagens subjacentes a essas narrativas contribuem para o reforço de uma ideologia heterossexista e heteronormativa, que se liga ao quadro segundo o qual as sexualidades dissidentes (compreendendo gênero e orientação sexual) estariam no estatuto do ilegítimo, da anormalidade e do irrisório, face à hegemonia das práticas e identidades sexuais vigente. O que suscita violências as mais diversas. As narrativas midiáticas em análise, nesse contexto, podem não incentivar de modo direto a violência que atinge e emerge desses grupos identitários, mas compõem um conjunto de operadores simbólicos que reiteram e retroalimentam a ideologia que legitima essas violências.

Considerações finais

A violência urbana e as especificidades da violência envolvendo LGBTs podem ser lidas, em intersecção, como constituintes de um campo problemático na perspectiva de Quéré, em que os acontecimentos requerem e convocam ações coletivas. É diante desses campos problemáticos, que o autor francês afirma que “o papel dos media é, sem dúvida, decisivo enquanto suportes, por um lado, de identificação e da exploração dos acontecimentos, por outro, do debate público através do qual as soluções são elaboradas e experimentadas” (2005, p. 73). Debate público pressupõe um processo de narrar a realidade social de maneira mais ou menos abrangente, realizando problematizações pertinentes de contextos e de fenômenos sociais complexos, ensejando a produção e circulação de informação qualificada sobre uma questão ou problema que se evidencia pelos acontecimentos e compreensões dos acontecimentos em determinados contextos.

As narrativas midiáticas sobre violência, no contexto paraense, no entanto, constituem-se como modelo arquetípico de cobertura condicionada à mídia como negócio, em que o próprio sentido e relevância dos acontecimentos são envilecidos em prol de consumo e de narrativas que exploram a violência como chamariz de consumo. Apesar disso (e talvez mesmo por isso), é preciso compreender as especificidades e potencialidade da elaboração e difusão de representações sobre a sociedade e a realidade social, que, por meio da construção de narrativas sobre os acontecimentos, participa de um processo de rearranjo simbólico da realidade, em que concorrem outras narrativas do cotidiano, mas cujas significações e repercussões não se dissociam daquelas já existentes cultural, sociológica e ideologicamente.

No caso da violência envolvendo LGBTs, o potencial midiático de condicionamento da organização da experiência não pode ser ignorado, à medida que a mídia e suas narrativas, inscritas no cotidiano, onde discursos de intolerância, exclusão e discriminação são perceptíveis e manifestam-se em violências, também elas inscrevem significações para o cotidiano dos indivíduos em sociedade, fazendo esses discursos circularem, ensejando uma experiência em âmbito individual e coletivo, em que, mesmo com tensionamentos, as ideologias passam por um processo de reforço e retroalimentação.

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HOMOSSEXUAL é morto com pauladas na cabeça. Diário do Pará, Belém, ano 30, n. 10.121, 27 mar. 2012b. p. 6.

HOMOSSEXUAL garante que matou companheiro. Diário do Pará, Belém, ano 30, n. 10.268, 21 ago. 2012c. p. 8.

HOMOSSEXUAL confessa crime, mas polícia não localiza cadáver. O Liberal, Belém, ano 66, n. 33.666, 21 ago. 2012d. p. 1.

POLÍCIA Civil passa a aceitar nome social O Liberal, Belém, ano 66, n. 33.725, 19 out. 2012. p. 5.

TRAVESTI comandava tráfico humano. Diário do Pará, Belém, ano 30, n. 10.159, 04 maio 2012a. p. 4

TRAVESTI morta a tiros teve os pés amarrados. O Liberal, Belém, ano 66, n. 33.735, 29 out. 2012b. p. 3.

TRAVESTI suspeito de tráfico de pessoas chega a Belém. O Liberal, Belém, ano 66, n. 33.557, 04 maio 2012c. p. 4.

TRAVESTIS festejam nova ‘carteira social’. O Liberal, Belém, ano 66, n. 33.726, 20 out. 2012. p. 2.

Data de Recebimento: 03/05/2016
Data de Aprovação: 31/08/2016


[1] O popular pode ser pensado do ponto de vista da popularização, da massificação, como no caso da tabloidização na Europa, em que o modelo de periódico tabloide se torna popular porque é largamente consumido e se comunica com a multidão (PEELO; SOOTHILL, 2000). No Brasil, no entanto, os usos do termo popular e, consequente, a ideia de uma mídia popularesca apresentam nuances específicas. Popular aqui é usado para se referir à pobreza, à periferia, a pessoas de baixa renda e/ou baixa instrução. A concepção de “classes populares urbanas”, presente em Adorno (2002), parte dessa associação. Com base nessa relação, largamente reconhecida na sociedade brasileira, as mídias jornalísticas se assumem populares quando realizam um itinerário narrativo marcado por sensacionalismo, espetáculo, pela encenação de uma linguagem da periferia, cujos produtos focalizam assuntos como esporte, violência ou entretenimento televisivo e são voltados para essa parcela da população (SAMUEL; COSTA, 2015) Os jornais que circulam na Amazônia Paraense são marcados por essa caracterização e orientação ao popular.

[2]Amazônia Paraense é um dos termos que utilizamos para falar do estado do Pará, a fim de destacar a sua inserção no ambiente heterogêneo da Amazônia. Considerando as divisões administrativas da região, o estado do Pará é parte da Amazônia Oriental, composta pelos estados do Amapá, Maranhão, Pará e Tocantins, sendo uma sub-região da Amazônia Legal ou Brasileira. O território que compreende toda a Amazônia Legal foi demarcado pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em 1966, e é formado pelos estados Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão. (BECKER, 1990).

[3] O projeto de pesquisa “Mídia e Violência: as narrativas midiáticas na Amazônia Paraense” foi realizado de 2012 a 2015, em parceria entre Universidade Federal do Pará e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Durante sua realização, foram analisadas edições dos três grandes jornais impressos paraenses, Diário do Pará, O Liberal e Amazônia, do ano 2012.

[4] De acordo com dados do relatório Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2015), no Brasil, de 2002 a 2012, houve o aumento do número de mortes por arma de fogo, relacionadas também às dinâmicas apontadas acima, em cerca de 69%. Na região Norte, houve aumento de 135,7%. No ano de 2012, o Pará, com 2253 casos, e o Amazonas, com 868 casos, lideravam o ranking de homicídios na região. O relatório destaca que, de 2002 a 2012, houve um aumento de 204% nesse tipo de ocorrência no Pará, que foi de 741 para os 2253 casos de morte por arma de fogo, ocupando o 10º lugar no ranking dos estados com mais mortes dessa categoria. Em 2012, os números de homicídios por arma de fogo em outros estados da região Norte eram: 91 casos no Acre; 117 no Amapá; 358 em Rondônia; 35 em Roraima; e 190 no Tocantins. Nesse ano, portanto, o Pará possui números que podem ser comparáveis a estados do Sudeste, como Minas Gerais, com 2.629 casos; São Paulo, com 3.845; e Rio de Janeiro, com 4.219.