Um social dividido, um não-lugar encenado pela fuga.


resumo resumo

Rogério Modesto
Liliane dos Anjos



“É tipo Moisés e os hebreus, pés no breu”

Emicida

1. Cenas da diferença: formação social, contradição e alteridade

Ao tomar como objeto de reflexão a pergunta O que é um modo de produção?, Louis Althusser (2008, p. 41)[1] elege como ponto de entrada de sua discussão a posição de Marx em relação à noção de sociedade. Althusser inicia seu texto afirmando que a descoberta de Marx foi responsável pela abertura do “continente-História” ao conhecimento científico, fato que forneceu pela primeira vez “os conceitos científicos capazes de nos dar a compreensão do que são as ‘sociedades humanas’” (ALTHUSSER, 2008, p. 41). O termo sociedades humanas vem entre aspas porque logo em seguida o filósofo francês faz questão de lembrar que Marx, desde cedo, rejeitou a noção de sociedade em favor da noção de formação social. Se a primeira estaria sobrecarregada de ressonâncias morais, religiosas, jurídicas, tratando-se, desse modo, de uma noção ideológica; a segunda corresponderia a uma noção científica que “faz parte de um sistema teórico de conceitos, completamente estranho ao sistema de noções ideológicas ao qual se refere a noção idealista de ‘sociedade’” (ALTHUSSER, 2008, p. 42, grifos do autor).

É assim que a noção de formação social entra em cena não apenas para substituir um termo por outro, mas para designar toda “sociedade concreta” historicamente existente. O que significa compreender formações sociais individualizadas e, desse modo, diferentes tanto das que aparecem ao mesmo tempo, quanto das que as antecedem no domínio do modo de produção que as sustenta. Afirma, então, Althusser (2008, p. 42) que “é assim que se pode falar das formações sociais ditas “primitivas”, da formação social romana escravista, da formação social francesa de servidão [...], da formação social francesa capitalista” etc.

Entendendo, então, que a noção de formação social faz parte de um sistema teórico de conceitos científicos, Althusser faz menção à primeira tese clássica do marxismo segundo a qual toda formação social concreta depende de um modo de produção dominante. A implicação imediata dessa asserção diz respeito ao fato de que, se há um modo de produção que domina a formação social, haverá outros ditos dominados. Aqui está um ponto singular da leitura que Althusser faz de Marx: se na literatura marxista corrente os modos de produção dominados lutam contra o modo de produção dominante para suplantar a dominação na/da formação social (compreensão geral da luta de classes), Althusser buscará propor que a pluralidade de modos de produção em uma formação social não aponta para uma luta de forças iguais, mas contraditórias em que os modos de produção não necessariamente antagonizam um ao outro, mas se enfrentam e se traduzem através de sua história (cf. ALTHUSSER, 2008, p. 43).

Na Análise de Discurso, pelo menos aquela que se filia ao pensamento do filósofo francês Michel Pêcheux e que, no Brasil, se desenvolveu a partir das leituras e trabalhos de Eni Orlandi, a noção de formação social é de extrema relevância. Por ela, é possível considerar uma abertura que busca dar consequência ao fato de que uma sociedade não é jamais um produto fechado, acabado e homogêneo, mas, ao contrário, é constituída pela diferença. Pela noção de formação social, é possível proceder com análises discursivas que considerem a contradição constitutiva das sociedades concretas (afinal, os modos de produção estão aí se enfrentando e se traduzindo, ao mesmo tempo) e a heterogeneidade que se produz da/na diferença de (posições de) sujeitos que nelas vivem e nelas significam.

É nessa perspectiva de análise discursiva que nos situamos e, a partir dela, perguntamos pela contradição e pela diferença nos modos pelos quais o social é textualizado em “cenas prototípicas” (LAGAZZI, 2015, p. 177) que pautam o social e a alteridade em relações dicotômicas e disjuntivas. Aqui, nosso interesse é compreender o funcionamento de duas imagens que dividem o social entre “eles” e “nós”, cenas que trabalham a evidência de um social dividido em grupos polarizados, como se as classes sociais existissem antes da luta de classes. Cenas que textualizam o limite e a radicalidade dessa disjunção, sintetizados em ações de fuga.

Isto é, procuramos analisar cenas em que a divisão “eles” e “nós” radicaliza-se em um movimento de separação, o qual serve para tipificar a divisão social da qual tratamos, dotando de sentidos os corpos em fuga. Assim, buscamos expor à opacidade a evidência da fuga questionando a obviedade estabelecida entre um-contra-outro, um-fugindo-do-outro. Buscamos pensar a fuga de uma perspectiva discursiva, um movimento do corpo produzindo sentidos, situando-a em relação à resistência, mas sem jamais esquecer que a resistência é um processo complexo estabelecido nos tropeços dos rituais os quais regem o funcionamento do social. Procuramos ainda analisar o processo discursivo que contempla o movimento dos sentidos em sua falta, seus conflitos e silenciamentos.

2. O que significa fugir? Poder, resistência e memória.

Um ponto de partida possível para tratarmos de “fuga” é a reflexão sobre “poder”. Se voltarmos a Michel Foucault, que sempre se dedicou a esse tema, podemos encontrar uma reflexão que atravessa a questão do poder pelo debate em torno da noção de sujeito. Debruçando-se sobre a pergunta “como analisar a relação de poder?”[2], Foucault propõe pensar o poder como algo que é da ordem das relações: relações de poder, de violência, de comunicação etc. É justamente pensando a especificidade das relações de poder que o filósofo francês diz que “o exercício do poder não é simplesmente uma relação entre parceiros individuais ou coletivos; é um modo de ação de alguns sobre outros” (FOUCAULT, 1995, p. 242), sinalizando para a compreensão de que “o poder só existe em ato” (FOUCAULT, 1995, p. 242).

A partir daí, Foucault faz questão de pontuar que não entende a relação de poder como sendo da ordem do consentimento, da renúncia a uma liberdade, tampouco da transferência de direitos. Sua compreensão visa a estabelecer a relação de poder como “um modo de ação que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua própria ação. Uma ação sobre a ação” (FOUCAULT, 1995, p. 243). Nesse ínterim, a distinção entre relação de poder e relação de violência estaria posta nestes termos:

Uma relação de violência age sobre um corpo, sobre as coisas; ela força, ela submete, ela quebra, ela destrói; ela fecha todas as possibilidades; não tem, portanto, junto de si, outro polo senão aquele da passividade; e, se encontra uma resistência, a única escolha é tentar reduzi-la. Uma relação de poder, ao contrário, se articula sobre dois elementos que lhe são indispensáveis por ser exatamente uma relação de poder: que o “outro” (aquele sobre o qual ela se exerce) seja inteiramente reconhecido e mantido até o fim como o sujeito de ação; e que se abra, diante da relação de poder, todo um campo de respostas, reações, efeitos, invenções possíveis” (FOUCAULT, 1995, p. 243)

Está em pauta na discussão de Foucault a própria noção de liberdade como condição sine qua non do exercício das relações de poder. Isso porque quando ele situa o poder com um modo de ação sobre as ações dos outros, o filósofo francês propõe que “o poder só se exerce sobre ‘sujeitos livres’, enquanto ‘livres’” (FOUCAULT, 1995, p. 244). Compreensão que o leva a decretar que “não há relação de poder onde as determinações estão saturadas – a escravidão não é uma relação de poder, pois o homem está acorrentado [...] – mas apenas quando ele pode se deslocar e, no limite, escapar” (FOUCAULT, 1995, p. 244, grifo nosso).

Seguindo um pouco mais nas trilhas da reflexão de Foucault, vemos um desenho epistemológico que pauta o poder e o sujeito pela ideia de liberdade. Em Foucault, poder e liberdade não se confrontam de modo que um excluiria o outro, mas um se estabelece como sustento para o outro: a liberdade é a condição de existência do poder, o poder garante a liberdade porque se fosse violência ela não existiria, ao mesmo tempo em que a liberdade só se oporá a um exercício de poder que pretende subjuga-la completamente. É assim, então, que a relação de poder e a não submissão da liberdade não se separam. Tal questão formata a liberdade como estruturante das estratégias de confronto ao poder e às relações de poder, “pois, se é verdade que no centro das relações de poder e como condição permanente de sua existência, há uma ‘insubmissão’ e liberdades essencialmente renitentes, não há relação de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga” (FOUCAULT, 1995, p. 248, grifos nossos), porque “toda relação de poder implica, então, pelo menos de modo virtual, uma estratégia de luta” (FOUCAULT, 1995, p. 248), na medida em que toda estratégia de luta tem o objetivo de tornar-se uma relação/exercício de poder.

De uma perspectiva discursiva materialista, nem autonomizamos tanto o sujeito como Foucault o faz, nem fechamos a resistência a esse espaço circular em que uma estratégia de luta tende sempre a se querer em posição de poder. Assim, para nós é importante “indicar o movimento e a transformação, sem aceitar o voluntarismo e o automatismo mistificador” (ORLANDI, 2012, p. 213). Isso porque “nos processos discursivos há furos, falhas, incompletudes, apagamentos e isto nos serve de indícios/vestígios para compreender os pontos de resistência” (ORLANDI, 2012, p. 213).

Na esteira do que apresentamos acima em nossa introdução a este trabalho, é fundamental compreender que “é impossível atribuir a cada classe sua própria ideologia, como se cada uma existisse em seu próprio campo, ‘antes da luta de classes’, com suas próprias condições de existência e instituições específicas, de tal sorte que a luta ideológica de classes fosse o ponto de encontro de dois mundos distintos e preexistentes” (PÊCHEUX, 2009, p. 130)[3], afirmação que podemos colocar em relação parafrástica com o que já mencionamos aqui: os modos de produção se enfrentam mas também se traduzem ao longo de suas histórias.

Contudo, ainda que teoricamente nos distanciemos de Foucault, interessa-nos o modo como ele põe em relação escapar, escapatória e fuga, tal como grifamos nas citações acima, como estratégias de luta. Chegamos, então, a um ponto que nos mobiliza, porque se estabelece um paralelo entre fuga e prática de luta, prática de resistência. Operando determinadas distinções de cunho epistemológico que nos separam de uma concepção voluntarista e circular da resistência, podemos ler a fuga como uma prática de luta-resistência que se inscreve na ordem da evidência, efeito ideológico. Em outras palavras, se consideramos o antagonismo que de algum modo está em funcionamento nos dizeres de Foucault, é possível pensar a resistência na evidência deste lutar contra, um um-que-luta-contra-outro, em que a fuga aparece como instância radical seja para manter a luta, seja para terminar com ela.

De nossa parte, se tomamos a fuga como uma prática de resistência, fazemos esse gesto situando-a num espectro de uma resistência possível, um efeito de resistência (cf. MODESTO, 2014, 2016). Dando consequência ao modo de compreensão da forma contraditória de constituição das formações sociais, Michel Pêcheux formulará que “[...] as ideologias dominadas se formam sob a dominação ideológica e contra elas, e não em um ‘outro mundo’, anterior, exterior ou independente” (PÊCHEUX, 1990, p. 16, grifos do autor)[4]. Isso coloca a resistência no lugar da falha, do equívoco, do errático, da rachadura que não se realiza em outro lugar, alhures, mas no próprio seio da dominação. Nesse processo, a resistência não é o produto de uma intenção do sujeito ou do enfrentamento de um grupo contra o outro, porque, assim como o sujeito não é unidade, mas dispersão, os grupos e ideologias se formam em processos contraditórios de remissão e afastamento. A resistência é um trabalho com o real: a incompletude como real da língua e a possibilidade do sentido ser sempre outro, e a contradição como real da história e a possibilidade da abertura e do acontecimento nas falhas do ritual.

Ao atravessarmos a fuga pela resistência, é primordial considerarmos menos a centralidade subjetiva da liberdade dessa ação e mais a fuga como uma demanda que irrompe como possibilidade estabelecida num processo sempre sujeito à falha e que confunde os papéis estabelecidos. Um “efeito de resistência” (MODESTO, 2014, p. 158), porque, embora a fuga seja encarada e constituída como resultado de um antagonismo, ela se concretiza em um espaço contraditório em que ficar ou fugir não antagonizam mas se completam e se dão nas (im)possibilidade de exercer resistência. Diríamos, então, que, na fuga, podemos compreender um funcionamento de resistência possível, porque:

Há a intenção de resistir, mas tal intenção, em si mesma, não garante a efetivação da resistência, já que ela se efetiva nas relações de identificação do sujeito. Relações estas atravessadas por diferentes e variadas determinações, que não deixam coincidir as causas (tal como elas se apresentam para o sujeito) e os sentidos (tal como constituem o sujeito e o significam no cruzamento das discursividades) (MODESTO, 2016, p. 1091).

Simplificações como os antagonismos bem e mal, bandido e polícia, escravo e senhor, fugitivo e perseguidor falseiam um real homogêneo, negando as equivocidades próprias do discurso e textualizam um social a partir da divisão entre “eles” e “nós”. Diante das formulações visuais dos corpos em fuga, pensamos nas possíveis trocas de trajetos de diferentes objetos discursivos. Perguntamos, então: quem foge e quem não foge? Quem deve e quem não deve? Há ou não uma condição social definida para aquele que foge?

A fuga por si só pode ser pensada como um acontecimento que provoca uma escrita de subjetivação[5] (cf. FERRARI, 2008). Quando, a partir das condições de produção de cada formulação visual, o corpo se movimenta em fuga, há uma inscrição no social, uma discursivização da rebeldia, do conflito, da não aceitação de um lugar social. Esse movimento, como mencionamos, ocorre como resultado da imbricação de diferentes posições que funcionam na evidência do antagonismo, fazendo com que se deixe de ver as contradições que se estabelecem aí.

Em sua análise de anúncios de fugas publicados nos jornais de Campinas entre 1870 e 1876, Ferrari (2008) comenta que:

O escravo, quando foge, reclama seu direito, e evidencia a real existência da sua liberdade negada pelo sistema no qual está inserido. Essa fuga, esse modo de contestar, de resistir a um exercício de poder é publicado no jornal, é escrito. Essa fuga ataca aquilo que separa o escravo do restante da sociedade e o anúncio da mesma é um dos elementos que também possibilitarão a mudança social que acontecerá já quase no final do século, quando a escravidão será abolida. (FERRARI, 2008, p. 143)

É interessante perceber como, nos dizeres da autora, a fuga, ao se apresentar como ferramenta de luta-resistência, torna-se um objeto ambivalente. O escravo foge para reclamar seu direito ao mesmo tempo em que foge porque não tem direito, porque é coisa. Uma ambivalência que tira a fuga do lugar de obviedade estabelecido pelo antagonismo para situá-la na contradição que se estrutura dentro de um sistema de dominação em que, na impossibilidade de coincidir, o escravo-sujeito (de direito?) e o escravo-propriedade coincidem mesmo assim.

Figura 1. Anúncio de “Crioulo fugido”

A memória da fuga, na relação com o sujeito marginalizado socialmente, coloca em paráfrase a fuga de escravos dos seus senhores, assim como a do bandido, que quer livrar-se da prisão ou da polícia. Dito diferentemente, sendo a fuga uma estratégia muitas vezes levada em conta por aqueles que são sujeitos à margem, ela passa a ser lida de uma maneira antagônica como se representasse automaticamente uma estratégia dos mais fracos (e, por conseguinte, uma fraqueza). Esta seria uma leitura que cola imediatamente a fuga à impotência e, sobretudo, à falta/impossibilidade de poder. Seria uma leitura para a qual, na fuga não há poder, porque quem exerce o poder seria aquele que imporia a fuga. A fuga, então, situa o sujeito em um lugar menor, não legitimado, condizente com quem apresenta uma “fraqueza de caráter”.

Ao apontarmos a fuga nessa resistência pela contradição, vamos de encontro a essas leituras. Buscamos, então, abrir nossa perspectiva para uma escuta em que a fuga possa significar de maneira diferente desta de que falamos acima, porque ela funciona em uma formação social paradoxal e, como tal, tem a contradição como sustentação.

3. Corpos marginalizados, corpos em fuga.

Em nossa análise, tomamos imagens que textualizam um social cindido em gestos de fuga. Nessa compreensão, é essencial perceber o modo como as imagens podem se tornar narrativas do social. Narrativas como a do clipe Boa Esperança[6] do rapper Emicida, que impacta pela tensão exposta na relação de exploração entre patrões e empregados. Quando a relação se inverte, explorados e exploradores mudam de papel, o clipe dá visibilidade aos conflitos materializados em uma frágil moralidade na relação trabalhista. Patrões que humilham seus empregados, assediando-os moral e sexualmente, e que negam seus direitos estão ali colocados nos sete minutos do audiovisual. Na cena final, chama-nos atenção a fuga dos empregados “rebeldes”, correndo por uma estrada de terra, ao som de uma narração de repórteres noticiando o acontecimento.

Figura 2: Fotograma do clipe “Boa Esperança”



Trata-se de uma cena em que o atravessamento do intradiscurso (corpos que correm, chão de terra batido, fumaça, vozes em off dos repórteres) pelo interdiscurso (memória sobre fugas, fugitivos e crimes) produz uma cena que condensa todo um já sabido sobre a fuga de sujeitos marginalizados socialmente, pondo em atualidade as possibilidades que conhecemos a respeito do ato de fugir. Em outras palavras, tem-se aí uma cena que sintetiza um movimento reativo e prospectivo: aponta para uma causa, o motivo pelo qual fogem, bem como para um objetivo. É a materialidade significante chamando a atenção para as associações que só nos são possíveis pela memória discursiva.

Uma vez que está sob a ordem do repetível que caracteriza o processo simbólico de produção de sentidos, a cena do clipe atualiza sentidos da fuga estabilizados em nossa sociedade, que pressupõem culpa por parte do fugitivo ou ainda legitimidade da perseguição a ele. Abaixo temos uma cena noticiada em 25 de novembro de 2010[7], quando bandidos armados fugiram, sob a mira de atiradores de elite, para o conjunto de favelas do Alemão após uma expressiva incursão policial na comunidade da Vila Cruzeiro.

Figura 3: Traficantes da Vila Cruzeiro fogem para o Complexo do Alemão




Sobrepondo tais formulações visuais e sonoras, percebemos que elas guardam semelhanças semânticas, evocando uma memória da fuga e da marginalidade. Pensamos com isso, no processo de produção a partir da extensão do conceito de enunciado à formulação visual[8], tal qual postulou Lagazzi (2014, 2015) com a noção de cenas prototípicas. A autora define uma cena prototípica como uma espécie de exemplar que concentra o já-visto, uma cena domesticadora da interpretação, demandando para o analista a remissão do intradiscurso ao interdiscurso, em nosso caso, da composição visual e sonora da fuga presente no clipe para tudo aquilo que já foi dito, visto, escutado e esquecido sobre o movimento disjuntivo de corpos estigmatizados socialmente, a fim de compreender como toda a cena se mostra enquanto pré-construído.

Os elementos que estruturam a formulação visual – o corpo que corre, uma estrada de terra batida – bem como a formulação sonora – a voz em off dos repórteres que noticiam a fuga – tornam possível a análise que vai atentar para os sentidos postos e silenciados nas cenas.

Tomemos, primeiramente, o corpo que corre. Um corpo (do bandido, do “empregado rebelde”) marginalizado. Um corpo que não se encaixa no modelo de sociedade vigente e que, por isso, está em fuga. Diríamos mesmo um corpo que não se submete a humilhação que faz parte do processo de marginalização, violência e delinquência que estrutura a sociedade capitalista. Nesse ponto, retomamos uma consideração analítica produzida por Orlandi (2012, p. 225, grifos da autora) que nos parece bastante elucidativa: “Quando [...] o menino do tráfico afirma ‘estou do lado certo na vida errada’ está afirmando que ele está fora da lógica capitalista das relações sociais e a humilhação só é possível nelas [...]. Se estivessem no interior dessas relações seriam humilhados. Eles se negam a isso”.

Temos, então, o corpo que ao fugir metaforiza a diferença no social, isto é, uma “alteridade contraditória” (LAGAZZI, 2015, p. 187) que, tomada no âmbito do simbólico, engessa a interpretação, esquecendo a contradição própria de toda formação social. Dito de outro modo, trata-se de um corpo que se encontra na impossibilidade de se identificar com o outro e com o seu espaço, com o outro e seus poderes, suas amarras. Nesse processo, essa ruptura produz um corpo que, ao movimentar-se, se põe em liberdade e constrói outros sentidos para si.

O que queremos dizer é que é extremamente importante considerarmos que este movimento de fuga produz, na contradição, sentidos que se completam e se atravessam, mesmo que significados na oposição. Desse modo, ainda que a formação discursiva dominante nos obrigue a ler que as cenas textualizam corpos (de) fugitivos – e a mídia, materializada nas vozes dos repórteres, entra nesse espaço para garantir que essa seja a leitura “correta” dos “fatos” –, tem-se também, sob esse mesmo funcionamento, a diferença que estrutura o social produzindo um corpo livre. Contradição que se estabelece assim: o corpo é fugitivo, mas, ao mesmo tempo, não o é, porque para ser é preciso estar na lógica de quem o determina como tal. De um lado, são fugitivos porque assim são significados pela formação discursiva dominante. De outro lado, são sujeitos fora de uma relação que impõe o limite da fuga, tanto para os empregados rebeldes em relação de tensão com os patrões; quanto para os traficantes em relação de tensão com o aparelho repressor de Estado.

A interpretação jornalística da cena de fuga preenche de significado o corpo que é levado a ser lido pelos telespectadores como acabado, pronto, estabilizado. Para além de suas características biopssicossociais, os corpos em fuga pensados enquanto corpodiscursos (cf. ORLANDI, 2012) são constituídos pela memória que já mencionamos e que é apagada pela solução fácil da narração. A contradição é apagada, o simbólico é tamponado e a diferença social é marcada no corpo como as marcas de ferro distinguiam os escravos fugidos. Esse sujeito afastado, à margem, acaba se inserindo em um processo de significação que mais tem a ver com sua relação com o todo, com sua exclusão do todo. São gestos que “guardam a tensa relação entre o dentro e o fora, entre o corpo do sujeito e o corpo social. E aí entra a questão da alteridade, da nossa relação com o outro que hoje é: ou se aceita ou se elimina radicalmente.” (ORLANDI, 2010, p. 634)

A posição de fugitivo, muitas vezes encarado como “fora da lei”, desloca o sujeito de um lugar social e, na instância do não-lugar, o faz conviver com o não-sentido, com a insignificância, uma vez que “se os sentidos são múltiplos e incertos, eles não se sustentam numa racionalidade do Estado ou numa lógica do social mas na falta de lugar” (ORLANDI, 2010, p. 636). E se é na falha do Estado que podemos situar a resistência de que falamos anteriormente, há aí uma resistência que se coloca em potencial. Nas palavras de Lagazzi (2013, p. 329), a rebeldia, a insurreição deve ser pensada na “imprevisibilidade de um efeito de ressonância que toma a dimensão de um acontecimento histórico, ecoando e produzindo um novo sentido para o sujeito. A brecha na identificação pensada na relação com a cadeia significante”.

A cadeia significante, que é constituída pela falta, dá subsídio para considerarmos os sentidos em deriva, em movimento na materialidade significante em pauta. Assim, ganha uma nova dimensão a análise da terra por onde os corpos fogem. A formulação visual estática captura uma cena em movimento, e, por conta disso, apaga alguns sentidos ao passo que satura outros. O que vemos na imagem reclama sentidos para o que não vemos. O caminho de terra aponta para o lugar de destino presente em virtualidade na imagem. A fuga só se realiza pela possibilidade de um outro lugar. O não-visto[9], potente em sua ausência, direciona para o lugar de esperança e descanso como em um discurso outro. Canaã, Palmares, Complexo de favelas do Alemão.

4. A vida está em jogo! O silêncio e a denúncia na cena da fuga

A elaboração teórica de Suzy Lagazzi (2015) em relação à noção de cenas prototípicas nos permitiu, como procuramos fazer acima, deslinearizar a materialidade significante em análise, separando o intradiscurso (formulação visual e sonora) do interdiscurso (a memória evocada por tais formulações que nos permitem atribuir um sentido de fuga às cenas) ao mesmo tempo em que remetíamos um ao outro. Além disso, foi por tal noção que pudemos compreender as duas cenas em análise como fazendo parte de um repetível, um já-visto que nos leva a colocá-las em relação de paráfrase. E é a partir dessa compreensão que podemos desconfiar desse já-visto (estruturado ideologicamente, porque se faz efeito de evidência) ao analisarmos o social que se textualiza pelo equívoco em materialidades que se encenam como unívocas.

Neste momento analítico, gostaríamos de dar consequência a outro gesto teórico empreendido por Lagazzi que nos é extremamente pertinente para compreendermos o silêncio e a denúncia nas cenas de fuga. Quando Lagazzi elabora sua reflexão sobre cenas prototípicas, ela retoma duas imagens que se remetem por paráfrase plausível: uma imagem do filme Era uma vez... e uma outra do filme Última Parada 174. Nas duas, vemos “personagens sob a mira de um revólver, objeto simbólico da ‘violência’ em nossa sociedade” (LAGAZZI, 2015, p. 185) e, por isso, Lagazzi as descreve como a materialização de uma “cena-limite”. Em suas palavras,

A cena [...], característica de situações que apresentam rompimento nas relações sociais, é uma cena-limite, que nomeei como ‘prototípica’ de um social dividido. Uma saída limite em resposta à não-escuta resultado do antagonismo estruturante das relações sociais. (LAGAZZI, 2015, p. 185).

Uma cena-limite porque a vida está em jogo. A vida, como pilar indelével dos direitos humanos, está em suspenso na possibilidade de morte que o revólver metaforiza. É por isso que a cena analisada por Lagazzi se fecha para o equívoco e a única leitura possível é aquela em que um bandido atenta contra uma vítima (uma vida), “produzindo limites bem definidos de um social logicamente dividido entre o bom e o mal” (LAGAZZI, 2015, p. 186).

O que não fica dito, contudo, é que a vida está em jogo também para aquele que empunha a arma. Se o discurso humanista, por um lado, impossibilita a quebra da disjunção bem/mal; o gesto analítico permite avançar porque é capaz de trazer à tona o equívoco constitutivo. A leitura humanista impõe uma série de silenciamentos: silenciam-se as contingências que levaram o sujeito a ocupar aquela posição de bandido, silenciam-se, também, os efeitos produzidos pela alcunha “bandido”, uma designação que em certos contextos funciona como sentença de morte[10].

Nas cenas que aqui analisamos também há um limite, porque também aqui se apresenta um rompimento nas relações sociais. Elas materializam uma diferença no social que produz uma saturação à qual não se pode ficar alheio. A vida está em jogo e a fuga é a continuidade da vida. Isto é, a possibilidade de resistir no sistema, pelo sistema e contra o sistema para garantir a vida[11]. É um rompimento no social, mas é também uma manutenção dele, das condições sociais, do sistema, da conjuntura: uma ratificação da disjunção eles e nós. Fugir não é garantia, mas é a única saída. O fugir não torna o fugitivo livre, mas lhe dá a possiblidade da liberdade. Trata-se de um sim e um não ao mesmo tempo.

Na materialização dessas cenas-limite, é importante considerar que do mesmo modo que a formulação visual determina o intradiscurso da composição – corpo correndo e entorno – que só ganha sentido e status de imagem quando remetemos tal composição ao interdiscurso – memória do que é fugir; a formulação sonora é o intradiscurso do som – entonação e vozes dos repórteres – que ganha sentido e legitimidade quando remetemos ao interdiscurso – memória do fazer jornalístico, evidência da imparcialidade, valoração social que damos a uma notícia considerando-a verdade. Isso interessa porque é essa memória da notícia que nos faz julgar aqueles corpos como fugitivos e não em outra posição.

Desse modo, se, na análise de Lagazzi, o revólver é o elemento da composição visual que aciona o gatilho de uma leitura humanista, nas cenas que analisamos a voz em off funciona como esse dispositivo que aciona uma leitura inequívoca dos sujeitos como fugitivos, foras da lei. Um dispositivo que opera também certos silenciamentos: o apagamento do sujeito como sujeito, a negação da cidadania e, de certo modo, a própria negação da vida.

Mesmo assim, ainda que pela negação, esses sentidos estão em pauta. Então, abre-se o espaço para uma denúncia. A denúncia, em nossas cenas, funciona não como causa, mas como efeito. No caso da cena dos bandidos que correm para o Conjunto de favelas do Alemão, a narratividade midiática produz exatamente aquilo que, conforme Modesto (2015), se pode chamar de denúncia: a textualização de sentidos que, postos em relação, produzem o dissenso, o conflito.

Mas esse efeito de denúncia produzido acontece na dissimulação da evidência da informação própria da mídia. Em outras palavras, na ilusão de imparcialidade, funciona, em paralelo à evidência informativa, uma construção da denúncia, justamente porque sentidos que não podem circular, que são silenciados, passam a ganhar relevo: o Estado está em falta, a criminalidade estrutura certas relações sociais, negros são expostos a condições de trabalho degradantes, as periferias estão abandonadas etc. A narratividade jornalística não apenas noticia, mas põe em destaque a fuga que não é apenas uma fuga, mas uma fuga narrada, o que significa que se exerce um gesto de intepretação sobre ela.

O mesmo funcionamento pode ser verificado na cena do clipe Boa Esperança, porque as vozes em off dos jornalistas produzem essa narrativa da fuga que constrói fugitivos ao mesmo tempo em que, pelo silenciamento, permite perceber os sentidos que não deveriam estar, mas que compõem a cena mesmo assim. Porém, há aqui uma especificidade a ser considerada: entendendo as condições de produção do clipe (um rap, produzido por um sujeito identificado em determinada posição política contrária a certas práticas de poder), não se pode esquecer o discurso da “crítica social” que está em funcionamento potencializando as derivas de sentido e fazendo ver os sentidos que, juntos, produzem o conflito (o racismo estrutural das relações de trabalho, a exploração do corpo da mulher etc). Denúncia funcionando na textualização dos conflitos.

5. Zonas de fuga: leituras finais

Nos últimos meses de 2016, a imagem a seguir foi constantemente compartilhada por internautas, como sendo o mais chocante retrato da Guerra Civil na Síria. Aleppo, local de onde teria sido capturada tal cena, foi repetidas vezes citada nos comentários das redes sociais, como sendo esse cenário de horror, onde a fuga seria a única opção. Uma pesquisa mais acurada, porém, faria o internauta perceber que a cena na verdade seria de dois anos antes, na cidade de Yarmouk, estabelecida a poucos quilômetros do centro da capital síria. Nela, estariam reunidos refugiados à espera da distribuição de alimentos pela ONU. Eis o fato que se desloca da cena.

Figura 4: Moradores de campo refugiado palestino. (Foto: Reuters/UNRWA)

O que nos chama atenção, porém, é o impacto causado pela foto, que em poucos minutos tornou-se um viral na internet[12]. Não a fuga em si (afinal eles não estão em fuga, mas são resultado dela), mas a cena encarada e compartilhada como tal. Não se trata de uma cena real de fuga da guerra, mas de uma cena prototípica forjada por uma cena-limite de sobrevivência, evocando a memória dos que fogem. Uma cena que se desloca da realidade e torna-se uma formulação a qual se abre para outras possibilidades de existência, fazendo com que a ausência na imagem seja tão presente quanto seus elementos composicionais.

Reforçamos com isso nosso interesse em demonstrar o que procuramos refletir ao longo do artigo: que diante de um relato de fuga, da condição degradante do fugitivo, do social dividido em situações-limite de existência, da condição de poder e de liberdade, o humano é levado a produzir sentido. Para si e para o outro. Na radicalização social que produz uma separação “eles” e “nós”, pela qual começamos este texto, a fuga diz das impossibilidades de significar a alteridade a não ser pela síntese disjuntiva, em que o outro precisa fugir para significar.

A necessidade de passar adiante o escândalo da grande quantidade de pessoas que estariam em fuga – novamente pela ilusão de verdade a partir de uma fotografia jornalística – leva a considerar tal compartilhamento como um gesto de leitura da imagem, um gesto de denúncia, como efeito do conflito que se coloca diante dos olhos do internauta e que precisaria ser propagado a qualquer custo. Sentidos textualizados em um conflito processado cada vez que alguém passava a imagem adiante. Sentidos que reforçariam a diferença do/no social ainda que no intuito de denunciá-la.

O que não está sendo visto se presentifica na cena e mesmo o que está presente se desdobra em múltiplas possibilidades. O tempo (2014? 2016?) se perde. O espaço (Aleppo ou Yarmouk) não é determinante. Incompletude e dispersão da linguagem falseados em certezas imagéticas. Novamente corpos à margem, incomodando. Sujeitos que abandonam ou são abandonados, funcionando em efeito de separação do todo, efeito o qual a cena prototípica de fuga condensa muito bem.

A reflexão sobre o corpo que escapa faz-nos enxergar os sentidos que escapam, sentidos em fuga (cf. ORLANDI, 2012b). Para além das cenas, a reflexão nos levou a perceber esses sujeitos que se movem de cá pra lá, reconhecendo-se e desconhecendo-se ao mesmo tempo, tendo que lidar com as impossibilidades e aberturas da linguagem a procura de um locus amoenus, onde possamos ser completos.

Referências

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BOCK, Marcelo Franz; SOUZA, Rosana Vieira de. Apropriação Mercadológica do Efeito Viral na Internet: Um Estudo sobre Marketing Viral a partir do Caso Kony 2012. In: Revista de Estudos da Comunicação (Impresso), v. 16, p. 19-36, 2015.

FEDATTO, Carolina P. Sobre as possibilidades de negação na imagem e alguns desdobramentos teórico-analíticos. In: Revista Latinoamericana de Estudios del Discurso, v15, n 2, 2015, p. 27-37.

FERRARI, Ana Josefina. Nomes próprios e descrição: um estudo da descrição e do nome próprio a partir da análise das descrições presentes nos anúncios de fuga de escravos publicados nos jornais de Campinas entre 1870 e 1876. 2008. 254 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008.

FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 231-249.

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Data de Recebimento: 10/02/2017
Data de Aprovação: 22/03/2017


[1] Aqui, nós nos referimos à edição de 2008 do texto “Sobre a reprodução”, publicado originalmente em francês (Sur la reproduction) em 1995.

[2] Nós nos referimos à edição de 1995 do texto “O sujeito e o poder”, publicado originalmente em francês (Le sujet et le pouvoir) em 1982.

[3] Utilizamos aqui a quarta edição brasileira (Editora Unicamp, 2009) do Les Vérités de La Palice, texto de Michel Pêcheux de 1975.

[4] Fazemos menção à versão brasileira publicada em 1990 no Cadernos de Estudos Linguísticos do texto de Michel Pêcheux Délimitations, retournements et déplacements de 1982.

[5] Em sua tese, Ana Josefina Ferrari discute a fuga dos escravos com base nas análises de anúncios de escravos “fujões”. Com isso, ela observa que o ato de fugir tornava o escravo singular no sistema escravista e que a publicação dessas fugas conferia sentidos que individualizavam essa forma de resistência.

[6] Segundo o próprio compositor, o nome da canção “Boa Esperança” faz menção ao navio negreiro presente na narrativa de “A Rainha Ginga”, livro do angolano José Eduardo Agualuza. O clipe pode ser acessado em: <https://youtu.be/AauVal4ODbE>

[7] A cena em questão é fruto de uma ação militar relacionada ao chamado “Projeto Pacificação” iniciado em 2008 na cidade do Rio de Janeiro. Ela pode ser acessada em <https://youtu.be/PDPMPesOaQg>

[8] E nós acrescentamos a questão da formulação sonora, como se poderá perceber no desenvolvimento da análise. De que maneira o “já escutado” se concentra nas formulações sonoras em análise, apresentando-se a nós como pré-construído? Estaríamos diante de formulações sonoras prototípicas?

[9] No que diz respeito à negação na perspectiva discursiva, nos aproximamos de Fedatto (2015, p. 28), que propõe que “a negação funciona mesmo quando não é explicitamente dita, que o não-dito significa, muitas vezes como oposição, inversão, recusa, apagamento, censura.” Uma vez que tratamos da imagem, consideramos não apenas o “não-dito”, mas, também, o “não-visto”, pois estamos lidando com a materialidade significante visual.

[10] Lembremo-nos da máxima “bandido bom é bandido morto”.

[11] Vale a pena retomar uma formulação de Lagazzi-Rodrigues (1998) que trabalha a resistência em diferentes regências: a resistência a, a resistência em e a resistência para. Se “resistir a” ou “para” evocam uma resistência voluntarista, “resistir em” permite pensar o acontecimento da resistência no acaso, no imprevisível que se abre ao possível pelo cruzamento do real da língua com o real da história.

[12] O termo “viral” refere-se ao efeito de rapidez na propagação de uma mensagem compartilhada entre os usuários nas mais diversas plataformas digitais. (BOCK; SOUZA, 2015)