CANTEIRO: POSIÇÃO DE AVANÇO: FOTOGRAFIA E OBRA

 

Natalia D’Agostin Alano[1]

A primeira compreensão da planta – desenho culto que é heterônomo ao canteiro – talvez seja a fase mais laboriosa de uma obra para um pedreiro. Superada essa fase, os nossos Pedros pedreiros – em referência à composição de Chico Buarque (1965) –, quase sempre saberão começar e terminar uma construção, reunindo os artefatos (ofício do artífice) na arte do fazer (ofício do artesão).

Apesar do conhecimento de muitos dos nossos pedreiros, quando se trata do cotidiano no canteiro, é invariavelmente o arquiteto (e apenas ele) quem está associado à figura do “saber”. E é mediante a esta figura que, durante suas eventuais vistorias dentro do canteiro, ele se tornou conhecido como o “apontador de erros”. O operário, por sua vez, colocando-se e sendo colocado numa posição de subalterno – como se soubesse menos frente aos capacetes cinzas (a cor dos técnicos) – intimida-se ou se envergonha. Mas, cabe questionar: os técnicos compreendem tanto quanto os operários sobre os processos da construção? Eles, de fato, entendem como são feitas as coisas?

Eis o canteiro:

Pás, enxadas, desempenadeiras, colheres, prumos, níveis, esquadros, réguas, fios, serrotes, martelos, alicates, goivas, plainas, pincéis, rolos, espátulas, etc. Instrumentos simples, isolados, adaptados às diversas operações, resultado de lento aperfeiçoamento e diferenciação para um uso preciso. Mais raramente, betoneiras, elevadores, guinchos, vibradores, serras-elétricas, etc. Sempre, entretanto, máquinas somente auxiliares nas tarefas pesadas; nenhuma operatriz que reúna os instrumentos particularizados. (FERRO, 1982, p. 19) 

Traço: 3:1:1. Cimento areia e água. Lançar o concreto na dosagem estabelecida para as vigas baldrame. Ao iniciar a alvenaria: nivelar as fiadas, molhar os tijolos. Sarapicar. Abrir canaletas. No intervalo da tarde: café com pão e uma conversa fiada. De volta ao trabalho. Produzir mais massa. Empurrar o carrinho. Rebocar.

Na construção de um edifício, os Pedros são os que conhecem o processo da construção do projeto tal como a palma de suas mãos: calejadas de tanto saber.

Podemos alcançar uma vida mais humana se pelo menos entendermos como são feitas as coisas, escreve Richard Sennett (2009, p.18) em O artífice. Ou, Das coisas nascem coisas – o belo como medida do justo, completa Bruno Munari (2002[1981]). É por essa política do “saber fazer” e de transformar as coisas, que nasce Canteiros: Posição de avanço: Fotografia e Obra.

 
Referência
BUARQUE, Chico. Pedro pedreiro. In: Sonho de um carnaval. São Paulo: RGE, 1965.
FERRO, S. (1982). O canteiro e o desenho. São Paulo: Projeto.
MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002 [1981].
SENNETT, Richard. O artífice. 2. ed. Rio de Janeiro: RECORD, 2009.

Categoria: Fotografia
Técnicas: Fotografia Digital, câmera semiprofissional.
Temática: Práticas do fazer no canteiro de obras.
Composição: 20 fotografias em preto & branco, que registram parte do processo de construção de 222 moradias populares, vinculadas ao Programa Minha Casa, Minha Vida e localizadas no município de São Leopoldo – Rio Grande do Sul.
Impressão: 148 x 210 mm

 

[1] Arquiteta e Urbanista, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Contato: natalia.alano@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7420-1580.