“PL do agrotóxico”: discurso, memória, silêncio e resistência


resumo resumo

Sheilla Maria Resende



1. Breve introdução

 Sob a perspectiva da análise do discurso materialista, que fundamenta e instiga nosso olhar, a língua não é mero instrumento de apreensão do “real”, passiva em relação à significação, meio pelo qual se diz das coisas e estados de coisas do mundo, transparente. Ela mesma significa. É opaca.

A emergência da materialidade linguística se dá a partir de embates, de conflitos, de tensões concebidas nas relações sócio históricas por meio das quais os sujeitos se constituem e são constituídos, e que não apenas configuram o contexto de produção dos dizeres a ser “retomado” no exercício de produção de sentido, mas que os subjazem, lhes são imanentes. Sob esse viés, a língua é concebida necessariamente sobre e sob o equívoco (PÊCHEUX, 2014b), dissimulado pela e na linearidade sintagmática dos dizeres, em estado de latência quando da produção enunciativa.

O equívoco configura, na língua, a possibilidade do(s) sentido(s), o escape à descrição da sintaxe. Concebido sobre essa base necessariamente falha, o sentido foge à vontade do sujeito que se pretende em sua origem mesma, se inscreve na história, e, deste modo, significa. Para Pêcheux (2014a, p. 65), “a materialidade da sintaxe é realmente o objeto possível de um cálculo [...] mas simultaneamente ela escapa daí, na medida em que o deslize, a falha e a ambiguidade são constitutivos da língua, e é aí que a questão do sentido surge do interior da sintaxe.”

Dito isso, teremos como princípio fundador deste trabalho a noção de que a língua em sua materialidade só funciona em relação com a história e com o sujeito, isto é, ela não configura, para nós, um instrumento de acesso ao real por sujeitos recortados –apartados- de um espaço-tempo da história.

Desse modo, faz-se necessário desconfiar dos dizeres que circulam socialmente. Desconfiar de sua linearidade, de sua homogeneidade, de suas pré-suposições. Eles não são, afinal, materializações de uma “verdade”, são interpretações, porque concebidas por sujeitos situados, e sempre em relação com o que já fora dito e com as possibilidades do dizer.

           

  1. Memória agrária: os sujeitos, a terra, o discurso

 

Dissemos que a língua significa. Significa junto a um trajeto de memória do dizer. Não somos a origem do sentido desse dizer, tampouco seu fim mesmo. Nossos dizeres se inscrevem numa cadeia. Numa rede de memórias discursivas. Da qual os sentidos podem escapar, inscrevendo-se em outra(s) rede(s) memoráveis, ora sobrepostas, esvaziadas, silenciadas, mas latentes sob a linearidade sintática.

É necessário pontuar que a memória de que tratamos neste trabalho é a memória discursiva, uma vez que a tomamos em relação ao discurso, não à cognição do sujeito. Orlandi (2015, p. 29) assevera que memória discursiva, ou o interdiscurso, é “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma de pré-construído, o já dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra.” Regido pela contradição e pela desigualdade (PÊCHEUX, 2014b), o interdiscurso configura o eixo vertical da produção de sentido. Não sendo diretamente observável, pois é da ordem fenomenológica, dos efeitos, é trabalho do analista torná-lo visível. Sob essa perspectiva, falar de memória não é dizer do passado, mas sim do presente, e de projeções para o futuro.

Os dizeres que circulam sobre o brasileiro, a terra e a produção de alimentos, parece-nos, significam junto a uma memória colonial agrária, de apropriação e exploração a priori extensiva –e finalmente intensiva- dos territórios para a produção não de alimentos, mas de matérias-primas para exportação.

Atentemo-nos para a diferença de produção de sentido para “alimento” e para “matéria-prima”, a qual chamaremos, daqui por diante, de commoditie, não porque esses itens mantenham entre si relação de sinonímia, mas porque significam ambos junto a um discurso econômico que se sustenta sob uma lógica forjada de “máxima eficácia produtiva dos territórios”, em que o que se obtém da terra é um produto pertencente ao mercado (à nação[1]?), não às famílias de agricultores, não às comunidades.

Vale resistir a um ímpeto romântico que nos leva a significar que estávamos propelidos a uma relação com a natureza da maneira como narrativizada[2] na Carta de Caminha. A “Carta”, a “História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil”, de Pero Magalhães Gândavo, e o “Tratado Descritivo do Brasil”, de Gabriel Soares de Sousa, todos escritos no século XVI, ao lado de crônicas catequéticas escritas pelo Padre José de Anchieta, configuram, ao lado de outras obras e cronistas, ao menos na tradição escolar, menos visados, recortes discursivos da colonização, que fundam um imaginário quinhentista cujos efeitos se fazem sentir até os dias atuais.

Para além de oportunizar conhecer nossa terra à maneira como foi primeiramente tocada pelos europeus, esses documentos projetam, por sua constituição mesma, uma forma de leitura dessa ocupação: território exuberante, de infindas águas, cuja gente se confunde e se mistura à natureza, e, assim, como esta, torna-se “pano de fundo” para a narrativa portuguesa sobre o “achamento do Brasil”. Dizendo de outro modo, esses textos

Dediquemo-nos, pois, à problematização da leitura dessas discursividades, ou seja, desses dizeres do lugar do europeu, cristão, detentor dos mecanismos de produção, reprodução e circulação do “saber” sobre o que viria a ser o Brasil, os quais se colocam para nós como evidentes. Pré-supostos.

Longe de significar uma relação com a terra que corroborasse processos para a concepção de sujeitos intimamente ligados a ela, a suposta espontaneidade com que os cultivos emergem de nosso solo, ou sua fertilidade, já narrativizada nas crônicas mencionadas anteriormente, dá consistência, muito paradoxalmente, ao desapego do português, do português-brasileiro e do brasileiro aos territórios. Não é necessário cuidar da terra.Aqui, tudo dá.

Nesse nível de significação, portanto, a fertilidade da terra e a abundância das águas inspiraram discursos que há séculos vêm produzindo um efeito –quase- de convite à exploração de nosso território.

Se a narrativização das potencialidades da terra do Brasil confere lastro ao discurso da máxima eficiência na relação homem-terra, também o fazem as políticas de concessão e gestão dos territórios no país. Grandes porções de terra destinadas à produção de gêneros agricultáveis exportáveis, administradas por nobres portugueses europeus ou já nascidos no Brasil, e trabalhadas por escravos trazidos da África, dão o tom que Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil ([1936] 1995), mencionando Henry Ford, vai chamar de “despersonalização” do trabalho. Parece-nos oportuno estender e re-significar essa categorização para o que chamaremos de “des-personalização dos cultivos”, e, finalmente, de “des-personalização do trabalhador rural”, o que vai culminar, em última instância, no seu silenciamento.

É oportuno ressaltar que tomamos a discussão sobre o silêncio da maneira como trabalhada por Orlandi (2007). Para a pesquisadora, o silêncio tem dois modos de estar: um primeiro, que é fundante, necessário, constitutivo do dizer. Afinal, ao enunciar, nós necessariamente trazemos alguns sentidos enquanto silenciamos outros. É preciso calar para produzir sentido. E um segundo, o silenciamento, categoria teórico-analítica fundamental para esta análise, “que resulta no silenciamento como forma não de calar mas de fazer dizer “uma” coisa, para não deixar dizer “outras” coisas. Ou seja, o silêncio recorta o dizer. Essa é sua dimensão política.” (p. 53).

Sob esse olhar para a dimensão política do silêncio, temos, de um lado, a terra gerida por um nobre e trabalhada por negros africanos- a quem historicamente (e discursivamente!) foi negado o estatuto de brasileiros[3]- cujos produtos obtidos eram destinados à Europa, para obtenção de lucro econômico, necessário para a constituição e manutenção da colônia portuguesa na América. De outro lado, temos a terra significada em sua relação com os nativos. Relação narrativizada, discursivizada, esvaziada, sobreposta, e, finalmente, estigmatizada pelos que tinham o poder de dizer, de escrever e de fazer produzir efeitos sobre posse e gestão “eficientes” dos territórios. Entremeando esses lugares de produção de sentido, atentemo-nos: todos significados pelo colonizador, o que encontramos é um abismo, efeito de um “fazer calar”.

Território de memória agrária, as vias urbanas se constituem, num primeiro momento, como prolongamentos do campo (HOLANDA, [1936] 1995). Nesse sentido, Holanda (idem, p. 88), pontua:

 

“no Brasil [...] mal existiam tipos de estabelecimento humano intermediários entre os meios urbanos e as propriedades rurais destinadas à produção de gêneros exportáveis. Isso é particularmente verdadeiro onde [...] a estabilidade dos domínios agrários sempre dependeu diretamente e unicamente da produtividade natural dos solos. E sobretudo onde o esperdício das áreas de lavoura determinou com frequência deslocações dos núcleos de povoamento rural e formação, em seu lugar, de extensos sítios ermados, ou de população dispersa e mal apegada à terra.”

           

O abismo entre os efeitos de uma memória discursiva agrária, latifundiária, exportadora, escravocrata e des-personalizada, e de uma memória em que a relação com a terra é face primeira dos processos de subjetivação de nosso nativo, diz respeito à não produção de sentido pelo e para o homem e a mulher que trabalham a terra para dela obterem alimento, não commoditie; pelas e para as famílias de agricultores e agricultoras de passado e presente rural, cuja relação com a terra constitui seus processos de subjetivação- é personalíssima. O silêncio entre esses dois lugares metaforiza, acreditamos, a resistência dos camponeses, dos pequenos produtores e produtoras lavradores da terra, mencionados nos dizeres que circulam socialmente nos dias de hoje, mas ainda sem lugar para protagonizar o sentido desses dizeres.

 

  1. “PL do agrotóxico” e o discurso do agronegócio: efeito de evidência

 

Explicitamos acima as bases sobre as quais encaminharemos a discussão acerca do Projeto de Lei (PL) 6.299/2002, o “PL do agrotóxico”, ou o “PL do veneno”[4], quais sejam: a língua entendida não como instrumento de acesso do sujeito às coisas e estados de coisas do mundo, mas em sua espessura própria, constituída pelo e sobre o equívoco, a partir da qual são apreendidos efeitos de sentido, produzidos, por sua vez, na relação entre o sujeito, a língua e a história.

Para orientar olhares, lançamos luz sobre alguns aspectos memoráveis sobre nosso passado recente de ex-colônia portuguesa, agrária, escravocrata, cujos núcleos urbanos se constituem, num primeiro momento, como extensões dos grandes latifúndios, movidos, portanto, pela rentabilidade ou não do que proviam “naturalmente” os nossos territórios.Essa memória tem funcionado, acreditamos, como alicerce de produção de sentido para discursos que fazem perpetuar uma lógica forjada de máxima eficiência da terra e dos cultivos, que interdita e apaga outros sentidos possíveis – e latentes- para a relação do homem com a terra.

O PL 6.299/2002 versa a respeito da flexibilização da regulamentação que orienta a fiscalização, a comercialização e a aplicação de produtos químicos para controle de insetos e plantas não desejáveis na área de cultivo da cultura de interesse para a prática agrícola. O projeto vem tramitando no Congresso Nacional desde 2002, data de sua proposta, e, em junho de 2018, foi aprovado, provocando polêmica e oportunizando debates, especialmente acerca da relação entre as políticas de segurança alimentar e o uso indiscriminado de agroquímicos no país.

Para demonstrar a não transparência da língua, trabalhamos com recortes discursivos que ora evidenciam um alinhamento em relação aos encaminhamentos propostos pelo PL 6.299/2002, ora uma contraposição a eles.

Vale ressaltar, neste ponto, que, sob a perspectiva que funda a análise empreendida neste trabalho, a da análise do discurso materialista, não há possibilidade de disjunção, ou de polarização, no sentido de pensar em discursos “pró” e “contra” a aprovação do PL, uma vez que a contradição, neste viés, é constitutiva do discurso. Deste modo, forjar relações de sentido como sendo da ordem das oposições, maniqueístas, é uma das formas de apagar a dimensão política da significação. Abdiquemos, pois, da pretensa segurança trazida pelo trabalho com dados discretos, e permitamo-nos deixar falar os conflitos latentes sob essa discrição.

Note-se que, embora trabalhemos com o texto como material de análise, não o compreendemos como uma unidade hermética, fechada e suficiente em si própria. O texto, para nós, escapa a um estatuto meramente empírico, a uma apresentação com um princípio, meio e fim, e se inscreve enquanto linearização do discurso, e que carrega, pois, em sua concepção mesma, uma relação com textos outros, bem como com suas condições de produção, e com sua memória discursiva (ORLANDI, 2007). Trabalhamos, portanto, com o texto em sua dimensão discursiva.

Dito isso, nosso corpus de trabalho é composto por recortes discursivos que circularam em jornais e revistas online e que foram compartilhados nas redes sociais no período de efervescência da discussão acerca do projeto de lei 6.299/2002: junho de 2018.

Nosso objetivo não é aquele de nos debruçar sobre a análise do conteúdo dos excertos, mas sim de lançar luz sobre o seu modo de funcionamento, desnaturalizando os efeitos de sentidos produzidos a partir de leituras “literais”, concebidas sobre a ideia de transparência da língua e do sujeito na origem do sentido.

Os recortes 3.1, 3.2 e 3.3 que seguem abaixo foram retirados, respectivamente, do jornal Gazeta do Povo, da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso) e da revista Destaque Rural. Eles configuram, de acordo com a categorização proposta pelas fontes de onde foram recortados, nesta ordem: um artigo de opinião, uma nota de repúdio e uma nota técnica.

 

atual lei dos agrotóxicos de 1989 já está ultrapassada. O que está em jogo, agora, é a necessidade de milhões de produtores rurais em todo o Brasil. Gente que acorda cedo para produzir alimentos e colocar comida nas mesas dos brasileiros - inclusive dos manifestantes. A manutenção da lei como está só interessa a um grupo: o daqueles que, contrariando a Teoria das Vantagens Absolutas, lutam contra o agronegócio nacional.

Recorte 3.1: Artigo de opinião do jornal Gazeta do Povo, intitulado “O povo protesta, mas nem sabe por quê”, assinado por Nicholas Vital. Maio 2018.

 

 

 

É lamentável que o Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, ainda conviva com tamanho desconhecimento e preconceito em torno do processo produtivo rural. Os ataques ao setor tem sido rotineiros, propagando-se inverdades que denigrem a imagem do produtor rural e os colocam como inimigos do bem-estar social.

 Recorte 3.2: “Nota de repúdio contra as inverdades sobre o uso de defensivos”, assinada pela Aprosoja. Jun. 2018

 

O Brasil é um dos países que mais produz e exporta alimentos e sua legislação precisa atender, de forma segura e eficiente, o avanço do setor agropecuário. Há, hoje, mais de 35 novos ingredientes ativos na fila de análise, via de regra mais eficientes e menos nocivos à saúde e ao meio ambiente do que produtos que já estão no mercado. No entanto, o método atual de avaliação e de registro não permite previsibilidade sobre quando os agricultores brasileiros terão acesso a essas novas tecnologias, já disponíveis em diversos países. Dessa forma, diminui-se a competitividade do agricultor brasileiro e há prejuízo quanto à comercialização de seus produtos tanto no mercado interno quanto externo.

 

 

Recorte 3.3: Nota técnica divulgada pela revista Destaque Rural e assinada pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento- MAPA- sobre a polêmica em torno dos agrotóxicos. Jun. 2018.

 

Primeiramente, convém apontar que os três recortes divergem de outras formas retóricas[5] de textos de imprensa, tais como notícias e reportagens, já que estas têm sua estrutura elaborada e organizada sob um tempo-espaço narrativizado acerca de um acontecimento, já o artigo de opinião e as notas não configuram uma forma retórica que tem lugar a partir de um desdobramento espaço-temporal, mas sim de uma estrutura argumentativa a base de julgamentos e racionalizações (GUILHAUMOU, J.; MALDIDIER, D.; ROBIN, REGINE, 2016).

Embora estejamos lidando com estruturas concebidas a partir de interpretações e julgamentos, o que se oferece à leitura menos cuidadosa é um efeito de descrição do “real”, acompanhado por meras “constatações” acerca dessa “verdade”. Debrucemo-nos, pois, sobre esse funcionamento.

            Faz-se necessário observar que, no artigo de opinião e na nota de repúdio, é “o produtor rural” que se faz presente enquanto forma material. Na nota técnica, por sua vez, quem se faz presente é “o agricultor brasileiro”. Além disso, a forma de marcar o pertencimento territorial também é diferente: produtores rurais em todo o Brasil ou sem especificação, no caso da nota de repúdio, e a qualificação direta, marcada, “brasileiro”, funcionando como um atributo, na nota técnica.

Os recortes discursivos trazem uma argumentação desenvolvida sobre a relação entre “o produtor rural” e “o agricultor brasileiro” enquanto materialidades discursivas e o afrouxamento da regulamentação para fiscalização, compra e utilização de agroquímicos na lavoura.

Os sintagmas nominais são colocados nos recortes, em construções sintáticas nominativas, nas quais aparecem desempenhando as funções sintáticas de (a) complemento nominal, em uma oração predicativa, como em: “a necessidade de milhões de produtores rurais em todo o Brasil (b) adjunto adnominal: “a imagem do produtor rural”; bem como de (c) sujeito de predicados verbais: “os agricultores brasileiros terão acesso a essas novas tecnologias”.

As estruturas nominativas, por dizerem das coisas do mundo, ou “referirem-nas”[6],atestam linguisticamente sua existência[7]. Nesse sentido, o modo como são colocados os sintagmas nominais “o(s) produtor(es) rural(is)”e “o(s) agricultor(es) brasileiro(s)” na estrutura argumentativa dos excertos parece configurar um “pano de fundo”, um já posto, sobre o qual se desenvolve o acontecimento da movimentação do “PL do agrotóxico”. Esse pano de fundo construído sintaticamente nos textos encontrar-se-ia “ameaçado” pelas implicações dessa movimentação, construída sintaticamente por predicações verbais, em contra-posição às predicações nominais em que frequentemente encontram-se os sintagmas nominais objeto de nosso interesse.

Vale, ainda, voltarmos nossa atenção para a retomada anafórica do sintagma “milhões de produtores rurais”, presente no excerto 3.1, a partir do nome “gente” acompanhado por uma oração restritiva- adjetiva: “que acorda cedo para produzir alimentos e colocar comida nas mesas dos brasileiros”. Essa anaforização tem um funcionamento interessante, que corrobora nossa percepção de um efeito de “pano de fundo” na construção discursiva do “agricultor brasileiro”.

A restrição aplicada ao substantivo “gente” por meio da oração relativa predica o sintagma anaforizado “milhões de produtores rurais”, funcionando no sentido de construir a identidade discursiva desses “produtores rurais”. A estratégia sintática de concepção de objetos de discurso pela nominalização, seja sob funções sintáticas substantivas ou adjetivas, parece-nos oportunizar um efeito de “real descrito” que predicações verbais não lograriam fazer. Vejamos: em vez de asserir que “a necessidade de milhões de produtores rurais em todo o Brasil.”/“Gente que acorda cedo para produzir alimentos e colocar comida nas mesas dos brasileiros”, digamos que “Está em jogo [o]/[aquilo de que] os produtores rurais necessitam [---]./” “Os produtores rurais produzem alimentos e colocam comida na mesa dos brasileiros”.

A não opção pela nominalização deverbal, pela qual o verbo “necessitar” muda de classe gramatical e transforma-se no nome “necessidade”, conforme consta no texto original, traz à tona a necessidade de satisfazer à transitividade do verbo “necessitam”: “o que é aquilo de que os produtores necessitam?”. Podemos pensar em algumas possibilidades: “Está em jogo aquilo de que os produtores rurais necessitam: a flexibilização da lei para compra e aplicação de agroquímicos” ou “Está em jogo aquilo de que os produtores rurais necessitam: que a população brasileira apoie a flexibilização da lei para comércio e aplicação de agroquímicos”[...]. A transitividade do verbo, nessas estruturas, demanda um aposto que explicite essa “necessidade” do produtor, o que não acontece na estrutura base de nossa análise. Um breve jogo morfossintático, portanto, quebra o efeito de linearidade do dizer original, fazendo com que outros sentidos se tornem possíveis.

Efeito semelhante acontece a partir da paráfrase feita para substituir a anáfora de “milhões de produtores rurais”: “gente que acorda cedo para produzir alimentos e colocar comida nas mesas dos brasileiros”. Quando se deixa de propor uma identidade para os produtores rurais a partir de uma estrutura relativa, e coloca-se em cena uma predicação verbal de que esses produtores são sujeitos ativos, a determinação desse sujeito, “os” produtores rurais, pode romper com o sentido de evidência anteriormente conferido pelo nome- indefinido- “gente” e por sua oração relativa, fazendo com que paire o questionamento: “que produtores rurais?”.

Nesse sentido, parece funcionar, ainda, nesses dizeres, uma diluição dos sentidos a partir do artigo definido “os”, o qual determina o sujeito dos verbos “necessitar”, “produzir [alimentos]”, “colocar” [comida na mesa dos brasileiros]: “os produtores rurais”. Quem essa determinação dilui, exclui, impede de significar? Quem são os produtores rurais?

Aspecto relevante a ser considerado, também, neste tópico, é o viés paternalista sob o qual emerge o dizer “gente que acorda cedo para produzir alimentos e colocar comida nas mesas dos brasileiros”. Observemos como o nome singular “gente” funciona metonimicamente como o “pai”, o “patriarca”, provedor da família, da casa. Ao recorrermos à produção de sentido no trajeto de memória de ex-colônia agrária, conseguimos perceber que o que confere lastro a esse discurso é, ainda, a ideia de cidade como “prolongamento” do latifúndio, à mercê dele e daquilo que dele provém, mantido por um patriarca, possuidor das terras e protagonista da significação da relação homem-terra, campo-cidade.

O efeito de “pano de fundo”, sobre o qual dissemos anteriormente, que oportuniza significar “o agricultor brasileiro”, tem seu efeito de estaticidade- de descrição- garantido graças a esse percurso de memória. São séculos de memória agrária, de posse latifundiária da terra, de exploração econômica dos territórios por poucos homens, detentores da significação para a produção de alimentos. Esse passado, longe de estar fadado ao esquecimento, significa o presente, e lança suas projeções para o futuro. Estamos, ainda, estancados na memória discursiva do “pai provedor”.

 

  1. Quebra do efeito de evidência: outros discursos sobre o PL

 

Vimos no tópico anterior que os dizeres pró flexibilização da lei de comércio, fiscalização e aplicação de agroquímicos na lavoura recortados por nós funcionam sintaticamente no sentido de proporcionar um efeito de evidência na leitura. Para a produção desse efeito, são utilizadas estruturas nominativas predicativas ou adjetivas para dizer de uma condição supostamente posta: é preciso descrevê-la, expô-la, pois ela já está posta. Esse efeito de “cenário já posto” encontra lastro junto ao percurso de memória ex-colonial agrário-latifundária-patriarcalista. Há “os produtores rurais”, que têm “necessidades” que serão supridas com a flexibilização. Trata-se do “pano de fundo”, como propomos anteriormente, sobre o qual se dão os movimentos relacionados à tramitação do PL.

Os recortes 4.1, 4.2 e 4.3 apresentados abaixo, que vão de encontro à proposta de flexibilização da lei que dispõe sobre a utilização dos agroquímicos, por seu turno, configuram, na leitura, uma movimentação sobre esse “pano de fundo”, no sentido de quebrar seu efeito de evidência, de deslinearizá-lo.

 

 

O que alimenta o Brasil? Mais de 70% dos alimentos que o brasileiro consome são provenientes da agricultura familiar, que absorve 70% da mão de obra camponesa e ocupa apenas 25% do total das terras. Apesar disso, 86% do crédito para financiamento agrícola são direcionados para os grandes agricultores.

Recorte 4.1: “Notícia”[8] publicada na página do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional- CONSEA- e assinada por Francicarlos Diniz. Set. 2017.

 

 

Do ponto de vista econômico, a atividade agropecuária brasileira tem se destacado pela exportação de carnes e soja. A maior parte da produção destas commodities está concentrada nas mãos de uma pequena parcela da sociedade brasileira, que ocupa o topo da pirâmide. Ela representa um pequeno substrato da população que pode gastar em torno de 150 mil reais em caminhonetes de luxo, tal qual anunciadas nos comerciais das referidas campanhas de conteúdo impreciso. [...]

É preciso esclarecer que a “elite ruralista”concentra mais da metade das terras do país, além de contar com enormes benefícios fiscais como perdões de dívidas pelo governo. Esta gente – que hoje divide com a bancada evangélica a hegemonia no reino político de Brasília – gera menos emprego que a agricultura tradicional. 

 

 Recorte 4.2: Artigo de opinião publicado na revista Conexão Planeta e assinado por Giem Guimarães. Jun. 2018.

 

 

Principal responsável pela comida que chega às mesas das famílias brasileiras, aagricultura familiarresponde por cerca de 70% dos alimentos consumidos em todo o País. O Dia Internacional da Agricultura Familiar é comemorado neste 25 de julho com a consolidação dos avanços promovidos pelas políticas públicas integradas de fortalecimento do setor, intensificadas na última década.

O pequeno agricultorocupa hoje papel decisivo na cadeia produtiva que abastece o mercado brasileiro: mandioca (87%), feijão (70%), carne suína (59%), leite (58%), carne de aves (50%) e milho (46%) são alguns grupos de alimentos com forte presença da agricultura familiar na produção.

Recorte 4.3: Artigo informativo publicado e assinado pelo Portal Brasil. Jul. 2015.

 

 Assim como foi feito no caso dos recortes discursivos alinhados à flexibilização do PL que regulamenta a circulação e aplicação de agroquímicos, mantivemos as categorias propostas pelas respectivas fontes em que os textos foram publicados para dizer da forma retórica de cada um deles, quais sejam, respectivamente: notícia, artigo de opinião e artigo informativo. As fontes são, nesta ordem: a página eletrônica do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, a revista online Conexão Planeta e o Portal Brasil, de responsabilidade do Governo Federal.

É interessante observar, de antemão, que, nos recortes 4.1, 4.2 e 4.3, ao contrário dos recortes anteriores, a forma “produtor rural” não comparece. Vejamos.

Levantamos anteriormente a ideia de que a determinação do sintagma nominal “produtor(es) rural(is)” conferida pelo artigo definido “o(s)” dissimula os conflitos e tensões relacionados a esta categoria, homogeneizando-a. Os textos contra a aprovação da PL, por sua vez, trazem à tona discursos de outros lugares a partir de onde são enunciadas paráfrases em que, por exemplo, como sujeito de “coloca comida na mesa dos brasileiros”, ao invés de “o produtor rural”, temos “a agricultura familiar” e o “pequeno agricultor”. Trata-se, neste ponto, de um primeiro movimento, o de disputa para re-configuração do pano de fundo que chamaremos de “o abastecimento da população brasileira”, a partir da ruptura do efeito de evidência proveniente da leitura tão generalizante quanto dissimuladora do sintagma “o produtor rural”.

A re-configuração desse pano de fundo se dá tanto pelo desempenho da função sintática de (a) complemento nominal em estruturas predicativas por esses sintagmas, como em “Mais de 70% dos alimentos que o brasileiro consome são provenientes da agricultura familiar”; quanto pelo desempenho da função de (b) sujeito ativo de predicados verbais: “a agricultura familiar responde por cerca de 70% dos alimentos consumidos em todo o País” e “O pequeno agricultor ocupa hoje papel decisivo na cadeia produtiva que abastece o mercado brasileiro”. Todas essas construções sustentam a paráfrase “a agricultura familiar/ o pequeno produtor abastece o mercado interno de alimentos” em contraponto às construções dos excertos do tópico anterior que autoriza uma paráfrase como “o produtor rural abastece o mercado interno”.

Se há disputa discursiva de categorias que configurariam o protagonista do abastecimento do país, isso se dá porque, como sugerimos anteriormente, o sintagma “o(s) produtor(es) rural(is)”, em toda sua generalização, dilui certos lugares de produção de sentido- do pequeno produtor, da agricultura familiar- justamente por dissimular sua contemplação.

Um outro movimento de ruptura com a linearidade pré-suposta pelo discurso do “produtor rural” é justamente o de contrapor a um modo de funcionamento fundado em estruturas nominais uma estrutura sintática com predicação verbal, de ação, de movimento.

Para além do conteúdo dos textos propriamente dito, ou antes dele, está sinalizada na materialidade da língua, portanto, a disputa entre lugares diversos de significação: um deles, o do “produtor rural”, cujo discurso é construído sobre e sob estruturas sintáticas nominais, as quais proporcionam um efeito de ilusão referencial e de descrição de um “cenário” já posto, sobre o qual se movimentam os desdobramentos do PL do agroquímico: o discurso do agronegócio.

Um outro lugar nesses discursos é o daquele que “fala” pela agricultura familiar, pelo pequeno produtor, à margem da significação pelo agronegócio, a partir de uma disputa por categorias que protagonizem o pano de fundo do abastecimento do país, bem como de estruturas sintáticas de ação, de movimento, no sentido tornar nebulosa a cena já-lá, estruturada discursivamente sob uma pretensa transparência da sintaxe no discurso do “grande produtor”. É o “agir” num determinado tempo-espaço para “abalar” (re-significar) o já posto, que é descrito, em uma prática discursiva recortada, pausada, para que não se vejam as movimentações que circulam à margem dessa descrição.

 

  1. Discurso, dominação, silêncio e resistência

 

O efeito de “pano de fundo” que emerge dos discursos do agronegócio não advém da onipotência dos sujeitos, pois “não há domínio consciente, nem controle pessoal dos processos discursivos” (ORLANDI, 2008, p. 143), ele é, pois, o resultado do jogo entre história e ideologia, dissimulado pela língua.

Deste modo, o lastro que garante o efeito de descrição do real nos discursos do agronegócio encontra-se na rede de memórias acerca da posse de vastos territórios. Desde a época colonial, os discursos do povoamento e do latifúndio, aquele para definir a população e este para gerir a posse a administrar a terra, circulam e possibilitam que seus sentidos produzam efeito indefinidamente: é preciso ocupar e gerenciar o território para que haja “progresso nacional” (ORLANDI, idem, p.142).

Nesse sentido, encontramos, também produzindo seus efeitos desde sempre, graças a uma memória patriarcal de posse e produção de alimentos dos/nos territórios, a máxima de que “o produtor rural é quem coloca comida na mesa dos brasileiros”, a qual dissimula, ainda, dessa forma, uma relação de dependência entre a cidade e o latifúndio. Discurso eficaz na gestão de um país de dimensões territoriais como o nosso, já que apela para a necessidade mais básica do ser humano, a alimentação, enquanto dissimula os conflitos históricos relacionados à posse da terra e apaga os efeitos de suas tensões: o monopólio das políticas de financiamento, a ética na produção de alimentos e nas relações campesinas.

Esse discurso, da máxima eficiência produtiva, se pretende “objetivando” “a verdade”, enquanto os discursos de outros lugares seriam “interpretações” “apressadas” daquilo se pode conceber como o real. Sintaticamente, na produção desse efeito, são utilizadas estruturas nominativas predicativas ou adjetivas para dizer de uma condição supostamente posta: é suficiente descrevê-la, expô-la, pois ela já está lá. Para significar as práticas de outros lugares, no entanto, são utilizadas construções de “movimento”, com verbos intransitivos e transitivos.

Nessa disputa entre os dizeres, vimos, afinal, que o agronegócio fala “por si”, ao mesmo tempo em que a agricultura familiar é “falada sobre”. O pequeno agricultor resiste, pois, no e em silêncio. A língua, ao dissimular conflitos, tensões e heterogeneidades carrega consigo uma falha, constituinte, de onde o silêncio do pequeno produtor pode ser ouvido, e, talvez, trazido à tona, conquanto se compreenda que as evidências e as injunções da Ideologia dominante podem cegar e ensurdecer (PÊCHEUX, 2014b, p. 273).

 

Referências bibliográficas

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Data de Recebimento: 26/10/2018
Data de Aprovação: 15/12/2018

 

[1] É importante problematizar a ideia de nação. Trata-se de palavra singular para remeter a uma coletividade cuja heterogeneidade escapa à significação e é apresentada de maneira linear. O apelo a uma “consciência coletiva” em prol de uma “nação” parece autorizar a metáfora de que “as águas correm sempre para o mar”, uma vez que o efeito retórico-argumentativo advindo da utilização dessa categoria contempla aqueles que significam junto ao discurso dominante.

[2] Utilizamos a noção de narrativização para problematizar a ideia de que seria possível “apreender”, pela linguagem, o real e os movimentos que se dão sobre ele de uma maneira apartada dos sujeitos, de suas relações, e de sua inscrição ideológica em determinado tempo/espaço. Há uma injunção à interpretação (ORLANDI, 2009). Assim sendo, Caminha e tantos outros cronistas que se debruçaram sobre uma pretensa “descrição” da nossa terra, significaram e organizaram o acontecimento da posse e ocupação de nossos territórios a partir de um lugar peculiar: do europeu, cristão, detentor dos mecanismos de produção, reprodução e circulação de dizeres sobre a “nova terra”.    

[3] A esse respeito, vale a leitura da tese de Fábio Ramos Barbosa Filho: “Língua, arquivo, acontecimento: trabalho de rua e revolta negra na Salvador oitocentista” (2016).

[4]Utilizamos as aspas para marcar a heterogeneidade desses dizeres (AUTHIER-REVUZ, 2004), já que traremos discursos cujo embate se dá, inclusive, pelo modo como são referidos os agroquímicos nos discursos ordinários e jurídico-políticos, ou seja, por sua categorização, ou pela sua materialização enquanto objeto discursivo.

[5]Trabalhamos com a noção de formas retóricas tal qual propõem Guilhaumou et al (2016, p. 26): “formas retóricas, isto é, conjuntos de restrições que regem a disposição, os estereótipos, as figuras, os mecanismos enunciativos etc.”

[6] As aspas foram aqui assinaladas por nós para remeter o leitor à ideia de referir sob uma perspectiva referencialista, à maneira de Frege (1978), e recusada por nós neste exercício analítico.

[7]Esta questão foi também colocada por Frege (idem): o “problema” das línguas naturais, que permitem atestar a existência do que não é “real”.

[8]Esse texto, por sua forma retórica, não configura, para nós, uma notícia. Por sua organização estrutural de disposição de argumentos encadeados em uma sequência lógica, e não pela narrativização de um acontecimento, tomamos o excerto por sua forma argumentativa de funcionamento retórico.