CONFERÊNCIA DE ABERTURA - 26 de novembro de 2013 - 10:30h
Do equívoco - Paul Henry
Só há na linguagem o equívoco. Lacan insistiu nisso em numerosas ocasiões, afirmando, por exemplo, que era difícil poder dizer o que se quer dizer em qualquer palavra ou frase. Por que a irredutibilidade fundamental deste equívoco da linguagem é tão decisiva para a psicanálise? Eis aí uma primeira questão. Porém há sentido e significação. Como isso é possível? Só há sentido ou significação na medida em que há língua, alguma coisa que possa ser reconhecida como sendo da língua. Este “há língua” é o que Lacan estabelece com o que ele chama de lalangue. Nisso se dá a possibilidade da linguística que não tem por finalidade a questão de saber se há ou não língua, mas saber como é a língua, como ela é feita. Que lalangue estabeleça a possibilidade da linguística não é o suficiente para garantir a sua demonstração. É preciso mais ainda ter a mínima possibilidade de separar, no que se apresenta como elementos compostos da língua, que há a diferença ou identidade dos sentidos. A Linguística usa assim na sua prática distinções tais como provido de sentido ou desprovido de sentido, gramatical ou não gramatical (frequentemente considerado como do non-sens)... A primeira vista, a característica irredutível do equívoco da linguagem parece, portanto, colocar em causa a possibilidade mesma da linguística. De onde vem outra questão: como a linguística é, entretanto, possível e sob quais condições ou em quais limites? Permanece o equívoco irredutível da linguagem em relação ao que a linguística deixa como resto. É aí que colocamos o discurso. Quando o bambu diz ao carvalho “eu dobro e não me quebro”, posso substituir “e” por “mas” sublinhando assim uma oposição, se bem que não possa proceder sem que haja incoerência ou non-sens na mesma substituição em “a tempestade se afasta, e os ventos são calmos”. Isso só se explicaria do ponto de vista do discurso, a linguística só podendo deduzir que a conjunção “e” pode afirmar tanto uma identificação, quanto uma oposição, sem poder quanto à base de seus poucos recursos decidir em cada caso.
MESA-REDONDA: SENTIDO E INTERPRETAÇÃO - 26 de novembro de 2013 - 14:00h
O gesto, a falha e o ato ↓ na entrada em análise - Heloísa Helena de Aragão Ramirez – FCL/SP
Trata-se de um recorte clínico que ressalta a questão do desejo do analista e da demanda de análise e da interpretação em análise. A grande particularidade da experiência psicanalítica é a inclusão do analista no sintoma enunciado. É o desejo do psicanalista que sustenta o ato psicanalítico. Este movimento é essencial para que o sintoma tome uma forma própria e consistente e se faça identificar.
“...não há ação alguma que não se apresente, de saída e antes de mais nada, com uma ponta significante. Esta sua ponta significante é justo o que caracteriza o ato, e sua eficiência de ato nada tem a ver com a eficácia de um fazer.” (Lacan, 1967, p.78)
No caso em questão, o que precipitou a entrada daquele paciente em análise? Foram inúmeras as entrevistas. Havia um ranço, um esgotamento, um cansaço naquela experiência, e uma clara indicação de que “aquilo” estava chegando ao seu final.
No entanto, uma ação da analista promoveu resultado inesperado e tão efetivo quanto um ato criativo, um gesto que intervêm no real e que com toda sua materialidade se torna interpretação e provoca um ato de abertura, um ato de entrada em análise. Colette Soler em Artigos Clínicos (p.70) questiona da incidência do ato sobre o sintoma na entrada em análise e propõe que em primeira instância o ato torna o sintoma analisável, mas para que isto ocorra é preciso que esteja em perda de gozo, perda de velocidade. É isto que o permite fazer signo.
Palavras Chave: ato psicanalítico, desejo, entrada em análise, interpretação.
O sinthoma na voz sob o risco da enunciação sem sujeito - Pedro de Souza/UFSC
Pretendo, nesta exposição, explorar alguns elementos analíticos no intuito de investigar a fronteira entre a voz falada e a voz cantada. O que me conduz a essa problemática é a observação, registrada ao longo de pesquisas anteriores, de certa musicalidade desenhando sonoramente na e pela voz um espaço comum ao falar e ao cantar. Daí a suposição de que o ato pelo qual alguém narra a memória de como se tornou cantor ou cantora, exibe a voz, em certo ritual enunciativo, tanto como objeto a que se refere quanto como traço irredutível e constitutivo do sujeito que canta. A questão que se põe aqui, na continuidade de um projeto mais amplo, é de como fazer emergir o processo discursivo que torna possível que o sujeito tome a própria voz como memória de si. É quando entre o tempo do dito e do a dizer, algo na voz converte-se em sintoma.
Teorica e metodologicamente sigo aqui as pegadas de Mailen Dolar que , baseado em premissas de Jacques Lacan, postula que “o canto, ao concentrar-se na voz corre o risco de perder aquilo mesmo que intenta adorar e reverenciar” (Dolar, 2007, p. 43). Este é meu ponto de partida para escutar, no intervalo de passagem entre o discurso e aquele que se diz cantando, uma voz não é mais objeto de prazer estético ou de sublimação, mas ponto sintomático do processo que se dá à beira do discurso, instante em que o sujeito a vir não passa de captura nos entremeios de uma discursividade subsumida na voz como objeto. Deste lugar de irrupção, a voz é o movente que impulsiona o cantante a entoar na posição de quem se apropria , o dono da voz, e de quem é apropriado pela voz. É bem oportuno aqui incluir a pergunta de Jean-Luc Nancy : de qual segredo se trata quando se escuta propriamente, quando se esforça para captar ou surpreender mais a sonoridade que a mensagem? Qual segredo se libera (...) quando escutamos, por eles mesmos, uma voz, um instrumento ou um ruído?”
O corpus sobre o qual devo demonstrar alguma possibilidade analítica será um conjunto de cenas de documentários cinebiográficos em que, antes ou depois de sua morte, o cantor ou a cantora deixa-se autobiografar para além do espaço discursivo em que se vê já produzido como sujeito que canta. Neste caso, a voz do cantante é causa invocante da sua e das enunciações que a ela se reporta. Sob uma acepção psicanalista, a voz aí é, ao mesmo tempo a que ressoa e o que a levou a soar. É porque ouviu antes tal voz que uma outra se sucedeu atendendo ao desejo da instância exterior que a fez emitir como linguagem. Pela exiguidade de tempo , planejo deter-me sobre um caso , a meu ver tronado emblemático sob a perspectiva que aqui me interessa.: o da cantora Maria Bethania tratada e retratada em uma série de fragmentos cinebiográficos. Devo, precisamente, os depoimentos em que para além do discurso que faz dela a diva da canção modema, ostenta voz como algo no pelo qual vive e morre.
Palavras-chave: enunciação, discurso, subjetividade, voz, sintoma, singularidade.
O imaginário é o sentido - Prof. Dr. Fernando Hartmann – UFGRS
No seminário “Les non-dupes errent” (Os não tolos erram) Jacques Lacan (1973) formula uma definição do sujeito a ser decifrada: “O inconsciente é um saber no qual o sujeito pode se decifrar. Esta é a definição do sujeito que lhes apresento. Do sujeito tal qual o constitui o inconsciente. Ele o decifra, aquele que por ser falante está em posição de proceder esta operação, que é mesmo até um certo ponto forçada, até que ele atinja um sentido. E é lá que ele para, porque é necessário parar”. Sabemos que o inconsciente é um saber sem sujeito, mas sabemos também que o sujeito para parar precisa ser dividido, quer dizer, tornar-se sujeito da enunciação e sujeito do enunciado ao mesmo tempo. Como compreender esta questão? Lacan segue afirmando que “o imaginário é o que para a decifragem, é o sentido. Como eu disse para os senhores, é bom parar em algum lugar, e mesmo o mais cedo que pudermos. Compreendemos então que o imaginário é o sentido. Para seguir ainda com Lacan: “o imaginário é uma intuição do que está para ser simbolizado (...). Nesta exposição tentamos fazer uma relação entre a teoria psicanalítica de Lacan e da linguista Jacqueline Authier-Revuz sobre as não coincidências do dizer e as palavras que não vão por si. Authier-Revuz fala dos pontos de parada no discurso que produzirá então o imaginário da enunciação. Tentaremos fazer uma relação entre as categorias de subjetividade estabelecidas por Lacan: simbólico (insistência), Imaginário (consistência) e real (existência) com a análise de discurso. A interpretação marcaria um ponto de parada imaginário do sujeito? Então podemos nos perguntar qual seria a relação entre sentido e interpretação tomando como base estas teorias?
MESA-REDONDA: DO SINTOMA - 27 de novembro de 2013 - 09:00h
“A impotência das palavras” e o indizível em Morte inventada. Notas sobre alguns testemunhos. (ou Primeiras notas sobre a função testemunhal) - Bethânia Sampaio Correa Mariani - UFF
Testemunho, de uma forma geral, é um termo vinculado a alguém que passou por alguma experiência de vida traumática e que, com o relato disso que vivenciou, pode dar um testemunho, ou seja, fazer uma transmissão para outros. Dar um testemunho, então, é transmitir, por via oral ou escrita, essa experiência. Há, portanto, uma implicação subjetiva inscrita no testemunho. Tal implicação subjetiva remete para discussões de distintas ordens, e, dependendo do que se compreende como subjetividade, distintos conceitos devem ser mobilizados, tais como os seguintes: realidade psíquica, ficção, verdade, mentira. O título desse trabalho aponta, justamente, para uma impossibilidade de se falar de um “todo vivido” uma vez que a linguagem é insuficiente e fracassa na tentativa de dar conta do real da experiência traumática. Nosso objetivo é discutir a questão do testemunho tomando como base o documentário Morte inventada, filme que retrata a alienação parental, com roteiro e direção de Alan Minas.
O sintoma no binário sentido-gozo - Cássia Gindro – EBP - CLIN-a, SJC
No conceito de sintoma temos uma subversão operada por Freud, ao não tratá-lo como signo de uma patologia, como era comum na medicina, e sim o definindo como retorno do reprimido, produto de um conflito entre as esferas psíquicas: o sintoma se apresentando como uma solução de compromisso.
O conceito de sintoma não é estático dentro da psicanálise, tanto em Freud como em Lacan; ele vai sofrendo modificações geradas principalmente pelos impasses clínicos. Podemos colocar estas modificações dentro do binário sentido-gozo, ou do significante ao gozo.
No campo do sentido o sintoma está colocado como fora do sentido, como uma formação do Inconsciente, juntamente com os lapsos, o sonho, os atos falhos e outros fenômenos que constituem unidades fora do sentido. É pelo trabalho associativo que se busca conectar este significante, reprimido com outros significantes, fazendo emergir o sentido.
O sintoma como falha, como fracasso, desvela algo de uma verdade que haveria que decifrar, que interpretar. Este sintoma-verdade, trabalhado principalmente no primeiro Freud e no primeiro Lacan vai deixar de fora o gozo pulsional. E é a libido o gozo que produzirá esta virada no conceito do sintoma.
Em Freud temos este caminho, traçado entre o sentido dos sintoma, conferência XVII, e os caminhos da formação dos sintomas, conferência XXIII, que podemos resumir no binário do sentido à satisfação.
Em Lacan este binário sentido-gozo aparece na sua primeira conceituação do sintoma como sentido, um sentido recalcado, expressão de um conflito psíquico, que se manifesta por um significante cujo significado está recalcado e não foi aceito pelo Outro.
O sintoma como formação do inconsciente privilegia o eixo simbólico e a relação com a linguagem e difere das outras formações ao não ter um caráter fugaz. É o período da relação Sujeito→ Outro, sendo o Outro o parceiro privilegiado do sujeito, onde o sujeito recorta do campo do Outro uma significação precisa que vai dar lugar a um sintoma, o s(A).
Já no seu último ensino, o sintoma como gozo não está conceituado como conflito, não é uma formação do inconsciente, e sim um meio da pulsão e está mais além dos fenômenos interpretáveis, como uma insaciável exigência de satisfação da pulsão e tendo uma relação com o real. Há diversas formas de pensar este sintoma que ficará situado entre a angústia (real no simbólico) e a mentira (simbólico no real).
Lacan irá, com seu último ensino, trazer uma nova visão sobre a função do sintoma, reduzindo ainda mais sua conotação patológica, ao colocá-lo como suplência e criação. É neste contexto que irá falar que identificar-se com seu sintoma é o que o sujeito poderá fazer de melhor.
Desejo e sintoma: versão e a-versão do sentido - Conrado Ramos – FCL/SP
No Seminário 23 Lacan afirma que o analista ensina o analisante a fazer emendas entre seu sintoma e o real parasita de gozo, operação esta que torna possível esse gozo pela via de um gouço-sentido [j’ouis-sens]. Assim, o sintoma não é somente aversão ao sentido ou significação cristalizada, mas pode ser tomado como função pela qual se pode verter sentido, pondo em jogo o que podemos chamar de significância, a ser entendida, como propõe Barthes, como regime de sentido que não se fecha num significado. O desejo se articula ao sintoma na medida em que este permite, enquanto função necessária para se gozar do inconsciente, uma abertura, um furo no tonel das Danaides – imagem utilizada por Lacan – pelo qual o que é do real parasita de gozo pode passar pelas leis da significância operada pelo desejo. Se este furo no tonel é o que, de um lado, impede que o sentido seja pleno e definitivo; de outro lado é o que possibilita a própria abertura contínua da significância enquanto fluxo de sentido. O que faz um analista senão trabalhar nos pontos de junção entre alíngua e linguagem, entre gozo e desejo, entendendo o desejo como lei da condição do sentido? O que faz um analista senão cingir o que de gozo escapa à linguagem para tentar amarrá-lo ao campo possível da significação? Ou de localizar o que de gozo se produz em excesso pela cristalização e fixação dos sentidos para soltar-lhe os nós? O que a operação analítica põe em jogo é da ordem da significância como lei do desejo e do sintoma como função de gozo.
Palavras-chave: desejo, sintoma, sentido, significância, gozo, alíngua.
CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO - 27 de novembro de 2013 - 14:00h
A escrita do Sinthoma - Ana Laura Prates Pacheco – FCL/SP
A ênfase no registro do Real que se julgou depreender a partir do momento em que Lacan proferiu o campo lacaniano – ou seja, os anos de 1969-70 – e enfatizou a dimensão da escrita e da letra significaria uma renúncia se sua tese princeps a respeito da primazia do significante? Teria Lacan, em seu último ensino, deposto as armas e reconhecido a vitória de seus críticos?
No caso de uma resposta afirmativa a essa questão, estariam colocadas as bases para uma “nova clínica lacaniana”, uma “segunda clínica” ou uma “clínica do Real”? Como justificar o que teria sido, nesse caso, um abandono por parte de Lacan de um projeto para a psicanálise declarado ainda no “Seminário sobre a carta roubada” e defendido de forma obstinada durante vinte anos de ensino e transmissão?
Em caso negativo, como formalizar a inclusão da dimensão da letra no escopo teórico da psicanálise lacaniana, sem renunciar à primazia do significante? A esperança que Lacan deposita na lógica e na topologia seria, nesse caso, uma tentativa de articular aquilo que é da ordem de um: “não sem o significante, mas ‘não todo’ significante? Poderíamos propor uma “clínica borromeana” que não prometesse o acesso ao Real impossível, mas sim a possibilidade de “tocar o Real” a partir da escrita, como propõe Lacan em O Seminário 23: O Sinthoma?