desses prostitutos, que são excluídos da categoria de moradores e identificados à “decadência” do espaço durante a noite, quando esse fato acontece, como vemos expresso, entre muitas outras, na fala da moradora de rua M (a qual, como afirma em outra passagem da entrevista, já se dedicou à prostituição):
M – ...você vem aí de noite, de... sexta, sábado, até domingo, cheio de viado, passando a mão na bunda do outro, beijando a boca do outro, é uma vergonha.
E – É. Porque te dá vergonha?
M – Ah porque assim... eu acho que não é digno isso né? Homem com homem, esse negócio de mulher com mulher, eu acho que cada um já foi tipo assim... feito um, o homem pra mulher, mulher pro homem né? Não esse negócio de... homem com homem, bicha, homem se vestindo de mulher, pondo peruca, peito, acho que nós temos que ser do jeito que nós nascemos né? ... se nós nascemos mulher, nós temos que ser mulher até morrer.
A percepção em relação aos moradores de rua está associada, além da questão da interferência nos espaços públicos de circulação e do exercício de atividades “privadas” (dormir, cozinhar, comer[1], etc.), à vinculação que se faz com a criminalidade, como vemos na entrevista com o vendedor ambulante:
D – É horrível, coisa que a televisão mostra um camelô na rua, mas não mostra um mendigo dormindo na calçada... Aqui de noite é cheio, parece festa.... (...) A senhora vai ver que vai... vai ter carrocinha, a maior bandidagem...
Na direção oposta dessa indistinção de fronteiras entre público/privado, temos os “sem teto” que moram nos prédios da região, que não são moradores pois, apesar de fixarem-se em lugares “apropriados” (espaços privados previstos para moradia), o fazem de maneira inadequada, ilegal, sem serem proprietários ou pagarem aluguel.
Podemos assim dizer que moradores, nos discursos analisados, são as pessoas que residem habitualmente no bairro, em lugares privados previstos para tanto (casas, apartamentos), satisfazendo os requisitos econômicos (jurídicos) instituídos nas sociedades capitalistas (serem proprietários ou inquilinos) e respeitando certas normas de civilidade (relacionadas a determinadas idéias de intimidade e de moralidade). Os moradores são aqueles que, nas ruas ou nas praças realizam atividades consideradas próprias do espaço público, com estranhos, mesmo que isso implique em interromper a
[1] É importante notar que atividades como comer e dormir em público não são interditadas, desde que sigam certas normas de civilidade: é possível fazer um piquenique num parque, comer um sanduíche ou adormecer-se lendo um jornal numa praça pública ou num café, tendo pendurado um casaco numa cadeira. A questão está em como isso é feito, modalidades que seria interessante analisar para compreender certas normas do estar-juntos que caracterizam o espaço público.