Memória e movimento no espaço da cidade: Para uma abordagem discursiva das ambiências urbanas


resumo resumo

Carolina Rodríguez-Alcalá



habitar de dois segmentos sociais: i. os que moram na rua e ii. os que moram nos prédios de forma ilegal. Analisemos separadamente esses dois casos.

i. os moradores de rua e o “nomadismo” urbano

A referida instabilidade é extrema no caso dos moradores de rua, pois afeta o ponto nevrálgico da ordem urbana, associada às questões do assentamento e da permanência que definem o que concebemos como cidade (conforme colocado na nota 19). Essa memória em que ressoa a idéia da “permanência num lugar fixo”, “certo” está impressa nas definições lexicográficas de morar, de domicílio e de residência:

 

morar. [Do lat. morare] V.t.c. Ter residência; habitar, residir (...). 2. Encontrar-se, achar-se; permanecer (...). 5.Residir, viver (...).

domicílio. (Do lat. domiciliu.) S. m. 1. Casa de residência; habitação fixa. 2. Jur. Lugar onde alguém reside no ânimo de permanecer.

residência. (De residente.) 1. Morada (1) habitual em lugar certo; domicílio. 2. Casa ou lugar onde se reside ou habita; domicílio.

 

Como designar o fixar-se desses sujeitos na rua, num espaço público de circulação definido, tal como lemos a seguir, como qualquer espaço ou lugar que não seja casa de residência[1]?

 

rua. (Do lat. ruga, 'ruga', posteriormente 'sulco', 'caminho'.) S.f. 1. Via pública para circulação urbana (...). 2. P. ext. Numa cidade, vila, etc., qualquer logradouro público ou outro lugar que não seja casa de residência, local de trabalho, etc.

 

Essa dificuldade, que os próprios moradores de rua têm, produz um deslizamento na designação desse ‘habitar’, que oscila constantemente entre morar – viver – ficar (embaixo, encima) – dar um tempo (um ‘check-up’) – dormir – deitar-se – beber – comer – cozinhar (pegar uma comida)acampar – fazer o barraco – encostar carroça[2] – estar. Vejamos alguns exemplos, extraídos das entrevistas com dois moradores de rua, um homem adulto (J.E) e uma jovem de 19 anos (M), bem como com o síndico de um prédio (V).

 

E – Ah... sua ex-mulher viveu aí com você?

J.E – Viveu..eu, viveu o Tadeu, vivia...sabe os camaradas assim… a gente já vivemos aqui... aí eu vivi naquela praça..

 

[1] Mesmo significar a circulação desses sujeitos pelo espaço da cidade é uma questão que não é evidente. Pensar no pedestre, por exemplo, ainda mais se temos em mente a imagem moderna do flâneur (associada ao passeio, ao ócio), é algo no mínimo problemático quando pensamos no deslocamento de um morador de rua pela praça ou pelas ruas, embora tecnicamente responda à definição de pedestre: aquele que vai a pé. Seria interessante analisar essas diferenças na qualidade do movimento aqui envolvidas como forma de revelar fenômenos de ambiência nesse espaço.

[2] Alusão ao meio de transporte dos materiais reciclados (a carroça), cuja coleta é, como foi dito, uma das principais ocupações dos moradores de rua.






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