E – Porque você quer tirar [uma foto] do [edifício do] Correio?
J.E – Já morei...(...)…e aí eu comi, bebi aqui embaixo, certo? Já dormi aqui... já fiz meu barraco também, já fiquei quase que três meses aqui embaixo...
J.E – Aí tira [uma foto] daquela [es]cultura ali (...)
E – A vermelha? (...)
J.E – Isso... já morei ali também, sabe? Já encostei carroça.
J.E – Bem, morar, eu não moro né, porque... a gente se dá… só um tempo aqui..
E – Dá o que? Um tempo?
J.E – É só um tempo… porque morar mesmo a gente não mora... a gente cozinha (...) ...dá um chek up, né? ...aí vai ali pega uma comida...
M – Vamos ali no mocó, vou te mostrar onde é o mocó... nós dorme encima no telhado (...) ...não sei como eu consigo subir[1], mas eu subo... (...). Você vê, tem coberta ali, vassoura, que nós deita aqui...
E – Sua mãe está no “minhocão”[2]?
M – Ela dormia debaixo do “minhocão”...
E – E agora, você sabe onde ela está?
M – Não sei, não sei...
E – Você tem mais irmãos?
M – Tenho um monte que eu nem sei onde eles estão.
V – ...na frente do Correio lá... está vendo? É uma população de rua ali…que eles estão acampados ali...
Está em jogo nessa dificuldade de nomeação a questão do caráter não permanente, fixo, certo, mas provisório, itinerante e incerto dessa forma de assentamento, que aponta para o que podemos chamar de “nomadismo” urbano, questão explicitada nas seguintes passagens:
J – Ah bom, morada a gente não tem mesmo não… certo? (...) qualquer dia a gente pode sair daqui e ir pra outro canto, sei lá…
– Se.... eu falasse pra você me mostrar os lugares... onde você mora, o que você me mostraria?…
J– Ah onde eu moro, vou falar a verdade, não tem lugar não… moro em tanto canto…mostrar eu mostro tudo…tem aqui, tem ali, tem ali, tem aquilo, eu moro aqui, moro ali, moro ali…certo?
E – Você dorme aqui, atualmente?
J.E. – Não, não durmo, só aqui como, durmo em qualquer canto.
E – (...) onde você já morou?
M – Como assim?[3]
[1] A jovem estava grávida de oito meses, quando da realização da entrevista.
[2] Viaduto muito conhecido no centro de São Paulo.
[3] É sintomática a dificuldade demonstrada por M (“como assim?”) em entender a pergunta da entrevistadora (“onde você já morou?”), que indica que a definição de morar não é tão evidente quando se trata de morar na rua.