Memória e movimento no espaço da cidade: Para uma abordagem discursiva das ambiências urbanas


resumo resumo

Carolina Rodríguez-Alcalá



(...) Dewey se opõe a uma posição intelectualista demais que reduz a realidade a um estrito objeto de saber. Melhor ainda, ele inverte os termos do problema: mais que procurar um fundamento cognitivo à experiência, ele mostra que a própria cognição se apóia sobre a dimensão pré-reflexiva da experiência imediata (...).

[(...) Dewey s’oppose à une position par trop intellectualiste qui réduit la réalité à un strict objet de savoir. Mieux encore, il renverse les termes du problème : plutôt que de chercher un fondement cognitif à l’expérience, il montre que la cognition elle-même s’appuie sur la dimension pré-réflexive de l’expérience immédiate (...).]

 

 Diremos que esses são questionamentos que se colocam também para a AD e que a resposta que a eles é dada marca sua especificidade em relação à Lingüística, especificidade que é preciso levar em conta para estabelecer as relações possíveis entre a linguagem e o fenômeno das ambiências.

A AD institui-se a partir de uma releitura feita por Pêcheux da obra de Saussure à luz de conceitos originários da teoria marxista e da psicanálise freudiana, nas respectivas formulações de Althusser e Lacan. Ele introduz uma reflexão sobre os efeitos da ideologia e do inconsciente sobre a língua saussuriana e formula um novo objeto: o discurso. Com esse gesto teórico, Pêcheux questiona o postulado da autonomia absoluta da língua, concebida pela Lingüística como sistema formal cujo funcionamento responderia apenas a leis internas, independentemente dos fatores “extralingüísticos” relativos ao sujeito e ao contexto (histórico-social), relegados à fala e considerados resíduos não passíveis de análise científica; a língua para a AD é apenas relativamente autônoma desses fatores, pois eles têm um papel determinante em sua estrutura e funcionamento, não sendo, portanto, exteriores a ela (PÊCHEUX, 1975/1988; HENRY 1977/1992). Pêcheux desloca, desse modo, a dicotomia saussuriana língua/fala propondo a relação, não dicotômica, língua/discurso, na qual esses termos são redefinidos. A língua é, para Pêcheux, base material de processos discursivos, de natureza histórico-social (cf. PÊCHEUX, 1975/1988: 91-2), em cujo funcionamento intervêm as determinações do inconsciente e da ideologia, isto é, dos complexos mecanismos de elaboração e articulação da individualidade do sujeito e da natureza social de sua existência[1]; o discurso não é, dessa perspectiva, como afirma Orlandi,

 

[1] Com essa releitura de Saussure, Pêcheux contribui para a crítica anti-positivista à concepção racionalista de sujeito produzida a partir de Marx e Freud, formulando o papel que a linguagem tem no processo de constituição subjetiva. É na e pela língua, enquanto base material de processos discursivos, que são produzidas as ilusões que colocam o sujeito, o “animal simbólico”, no centro e origem de seus pensamentos e de suas intenções, constituindo o ser da consciência individual e o ator social, objetos da reflexão crítica da psicanálise e do marxismo. Isto é, se por Freud sabemos que o sujeito não é onde se pensa, pois sua consciência está descentrada pelo inconsciente; por Marx, que o sujeito não age onde tenciona, pois suas intenções estão descentradas pela ideologia (o Outro da história, como diz Eni Orlandi); por Pêcheux, que isso se dá em e através dos mecanismos lingüísticos que sustentam o discurso (cf. Rodríguez-Alcalá 2000, 2005). Através do conceito de discurso, Pêcheux permite compreender como se opera a articulação entre o sujeito do inconsciente e o sujeito da ideologia, objetos respectivos da psicanálise e do marxismo, o que lhe confere um lugar na trilogia de autores na qual inscreve sua reflexão:

 

marx [à althusser]

sujeito da ideologia

freud [à lacan]

sujeito do inconsciente

saussure [à pêcheux]

sujeito do discurso

língua [ideologia / inconsciente]

 

 






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