No leva-e-traz da política científica: Uma interrogação sobre as “relações sociais”
Eni Puccinelli Orlandi
A invenção como método e como posse do mundo.
Há uma interrogação que me acompanha há longo tempo: o que é, de que natureza é, e que sentidos têm o laço social, este que une um sujeito a outro na história, laço gerido pelo Estado e que constitui o que chamamos de uma formação social. Laço que o sociólogo trabalha nas chamadas “relações sociais”. Em ciências sociais, em geral, define-seo que é a relação social segundo seus princípios teóricos, através de categorias da sociologia. Nossa questão não é sociológica.
Cabe aqui lembrar o que diz M. Pêcheux (1990) “é porque há o outro nas sociedades e na história que aí pode haver ligação, identificação ou transferência... E é porque há essa ligação que as filiações históricas podem-se organizar em memórias e as relações sociais em redes de significantes”. A base da “relação social”, discursivamente está no “outro”, pensadas a ligação, a identificação e a transferência (ou seja, a metáfora). Ligam-se assim o social, o histórico e o significante.
Nessa perspectiva, penso que já me encontro atualmente, e com a ajuda desta pesquisa Barracão, em estado de compreender melhor, discursivamente, o que aí se significa. Antes de tudo, devo dizer que não se trata de um laço que se possa simplesmente descrever empiricamente, ou sociologicamente. Claro que há relações sociais estabelecidas e mantidas pelo imaginário que solda os grupos na chamada sociedade capitalista. Mas há mais que isso.
Quando Dona X me diz que ela casou aos 12 anos com um senhor de mais de 30, que não gostava de trabalhar, que ficava mudando de um lugar para outro sem parar, e que, por isso, ela saiu pelo mundão afora, tendo ao todo 8 filhos, que ela criou todos, graças a deus, porque todo mundo ajudava ela. Até os soldados, pra quem ela ia pedir passagem de trem, para ir de uma cidade a outra, nesta peregrinação sem descanso que o marido lhe impunha, não podiam dar a passagem, mas lhe davam dinheiro para comprar a passagem. Ou a Dona Y que teve um filho e foi expulsa de casa como mãe solteira, foi se virar para viver, trabalhar aqui e ali, até encontrar um emprego de doméstica, uma casa onde a dona ajudou a criar o filho e depois vieram de caminhão pra Campinas. Um caminhão que trazia carros e que acomodou a ela e a uma pequena família na carroceria. Nas paradas, eles podiam se limpar e ele, o motorista, lhes dava o que comer[2]. Hoje, eu cato latinhas, eu faço o que as pessoas pedem, uns servicinhos, e vou vivendo. Ou a Dona Z que casou com um homem que era ruim com ela, e que ela abandonou e veio
[2] Que caminhoneiro era este em sua solidariedade para ajudar esta Dona Y a chegar a seu “destino”?