Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



é portador do vírus HIV e que precisa saber se está ou não com a doença – assim como o Estado precisa saber quem são seus cidadãos soropositivos. Assim, nesse cartaz, não qualquer sujeito sexualmente ativo, mas o sujeito travesti é significado como grupo de risco, como possível aidético.

Segundo Orlandi (2011),

 

Essa é a contradição que lateja na maneira como os sujeitos individuados por diferentes gestos articuladores do simbólico com o político, pelo Estado, constituem o processo de identificação do sujeito na sociedade que se constituem em sua cidade, seu território, seu Estado, seu país (p. 32).

 

Ora, sabe-se que qualquer pessoa pode colocar-se em risco se mantiver relações sexuais com vários parceiros sem proteção e/ou compartilhar agulhas e seringas, não apenas o travesti. Mas o modo como se dá a formulação dessa campanha de saúde pública reforça, amplia e institui, assim, o preconceito, a exclusão e o fechamento do simbólico (Orlandi 2011), uma vez que o Estado delimita o sentido, significando o sujeito travesti como sujeito promíscuo. Continuando a leitura do cartaz, é atribuído ainda ao travesti ser possível portador de outras doenças sexualmente transmissíveis como sífilis e hepatites B e C. Interessante observar que a mensagem é direcionada aos travestis, mas a sua circulação é nacional, estando o cartaz afixado nas paredes dos postos de saúde para toda a comunidade.

Podemos questionar o que implica o Ministério da Saúde utilizar o vocativo “travesti”: por que não usou “mulher”, “homem”, “gay” etc., se qualquer pessoa pode estar sujeita a contrair o vírus da AIDS? Estaria o governo significando o sujeito travesti como um sujeito que se prostitui, por exemplo? Ora, o verbal do cartaz sugere que o travesti tem vários parceiros e que nem sempre se preserva, do contrário não seria colocada a dúvida, aqui, inerente ao travesti, de possuir diversas doenças sexualmente transmissíveis.

Temos um efeito ambíguo e discriminatório: o Estado reconhece o travesti como um cidadão, mas, ao reconhecê-lo, isso se dá pelo discurso médico-sanitário. Aqui, ser travesti é, mais do que uma questão moral, uma questão de saúde pública. Tal posição do Estado, observada do cartaz, separa o sujeito travesti do conjunto de cidadãos, uma vez que o cartaz se dirige a ele, numa reação negativa e discriminatória.