Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



específica é que os outros grupos não se prostituem ou o fazem em uma parcela muito inferior. Ou seja, a nomeação “travesti” fica discursivamente ligada à prostituição, como se fosse próprio do sujeito travesti prostituir-se, como se não houvesse travesti fora da prostituição – o que é complicado, pois é o discurso oficial que já o coloca de antemão na condição de prostituição.

Percebemos, com isso, que o Estado concebe a sexualidade do sujeito travesti ligada ao corpo enquanto matéria, como se a sua identificação sexual fosse significada com um corpo a ser vendido, comercializado. Ser travesti, aqui, é ser um sujeito que se prostitui, é ter o corpo possivelmente carregado de doenças advindas do sexo – e não um sujeito que se identifica de maneira outra com a sua sexualidade e que resiste ao modelo de sexualidade vigente.

Partindo da mesma perspectiva psicanalítica abordada por Poli (2007), Millot (1992) também considera a sexualidade de maneira desvinculada ao corpo anatômico, sendo este, para a autora, apenas um invólucro capaz de ser moldado conforme a vontade de cada um. Com compreensões nessa direção, a partir da Psicanálise, pode-se confrontar paradigmas religiosos e morais constituídos nas sociedades ocidentais, e conceder ao desejo a sua liberdade sexual. Teríamos, então, uma liberdade de significação sexual do corpo, e de práticas sexuais, como nunca antes havíamos visto.

Dessa forma, podemos perceber que ser travesti é uma questão de identificação, de desejo do sujeito que se significa e quer ser significado de forma outra. Já o fato de se prostituir advém de outros fatores (econômicos, sociais...). É raro vermos travestis assumindo cargos, frequentando faculdade, ocupando vagas no mercado de trabalho, indo à missa ou a cultos... Ao contrário, o sujeito travesti é comumente isolado, excluído, apagado do meio social. Como se sustentar economicamente se não há vagas para travestis no mercado de trabalho? Não raro, como única condição, grande parte dos travestis começa a se prostituir, uma vez que não há a possibilidade de deixar de ser aquilo que se deseja, de deixar de ser o que o identifica enquanto sujeito ao mesmo tempo em que se vive o preconceito, a não aceitação de sua sexualidade no meio social. E, ainda, a prostituição pode ser, eventualmente, forma de resistência: é dizer à sociedade que é preferível se prostituir do que se apagar, do que se negar a viver seus desejos.