Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



relação negativa, conforme a análise de Foucault (idem). Uma possível interpretação do primeiro cartaz, por exemplo, diz ao cidadão: “Não transe com os travestis, pois eles podem estar contaminados com inúmeras DSTs!”; “Travestis são possíveis portadores de HIV”; “Travestis têm vários parceiros e a maioria se prostitui sem proteção” etc. Temos, aí, o “não” do Estado para aqueles que se identificam e querem ser significados em sua sexualidade de uma maneira que foge aos padrões aceitos socialmente.

A reflexão do autor, nesse sentido, contribui para analisarmos a condição do sujeito travesti nas sociedades. Buscando a liberdade sexual, conferindo sua sexualidade a nível do desejo, tem como preço a rejeição e a exclusão sociais, sendo estigmatizado: raros são os que têm empregos formais, os filhos travestis acabam expulsos do meio familiar por serem considerados uma vergonha, uma aberração que deve ser banida da vida social. Tais indivíduos acabam, assim, assumindo suas identidades à margem da sociedade e, frequentemente, se amparam na prostituição. Os cartazes mostram-se representativos desse “não” imposto pelo poder ao travesti: a recusa em se aceitar o desejo de liberdade sexual e, mais do que isso, a (re) afirmação de um discurso que discrimina, que torna público algo íntimo, privado do sujeito.

Fazendo um paralelo, semelhantemente ao que ocorre hoje com os travestis, no passado diversas mulheres que perderam a virgindade antes do casamento ficaram relegadas a casas de tolerância, bordéis, zonas. Se hoje a realidade da mulher é outra, a do travesti permanece a da marginalização, uma vez que o Estado mesmo reforça essa condição e o discrimina como sujeito portador de doenças sexualmente transmissíveis.

Notemos, agora, o efeito “promocional” que o cartaz sugere no que se refere ao verbal: “o Teste é gratuito, rápido, seguro e sigiloso.” – essas especificidades do teste são tudo o que um sujeito contemporâneo busca em um único produto: não precisar gastar dinheiro; agilidade no serviço; segurança quanto ao resultado e privacidade. Em seguida a esses argumentos que buscam convencer o sujeito travesti, temos “Aproveite também para fazer os testes de sífilis e hepatite B e C”. O termo “aproveite também para” sugere uma oferta, um bônus, algo promocional, como se estivesse sendo tratado de algo simples, banal. Além disso, ainda temos como discurso de propaganda a imagem de uma modelo feliz e segura, sugerindo o resultado: “Fique feliz como eu”.

Em se tratando da foto do primeiro cartaz, acompanhando o texto escrito, temos, como se vê, uma imagem idealizada de um travesti. Sabe-se que, para atingir um ideal de feminilidade como o exposto no cartaz, são necessários inúmeros recursos que, nem sempre, a maioria dos travestis têm acesso. Indo mais além, a imagem que temos se