Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



sopode remeter: sexo. Embora a imagem não seja um casal fazendo sexo, na imagem associam-se a camisinha, um casal empolgado, um travesti... Então, ocorre que ao invés de o cartaz estar dizendo “Sexo rola muito no carnaval”, ele está dizendo “Sexo (com travesti) rola muito no carnaval”. Assim, vemos que a imagem não diz “sexo”, mas especifica esse “sexo” que é o objeto ao qual o leitor terá que pensar para completar o enunciado.

Aqui, percebemos que o governo diz saber o que acontece à margem, fora de seu controle, como se fosse onipresente e vigiasse a todos, até mesmo àqueles que frequentam vielas, becos e esquinas.  Essa frase sugere que o Estado admite e não omite a relação sexual entre homens e travestis, mas essa relação sexual é significada de forma engessada, como se o sexo entre um homem e um travesti só ocorresse assim: longe dos olhos, mas na rua; na empolgação de uma festa como o carnaval, sem compromisso ou sentimento. Mais uma vez, temos o sujeito travesti significado como um sujeito intimamente ligado à prática sexual, individuando-o, assim, como vulgar, grupo de risco, um corpo alterado com finalidade de ser “vendido”.

Vemos, então, que o que autoriza o Estado a falar com o cidadão enquanto tal é o lugar da Saúde Pública e é a partir deste lugar que o sujeito travesti é significado e individuado por essa instância de poder. Com isso, podemos considerar ambos os cartazes como um recorte enunciativo que reforça o estereótipo há muito repetido sobre o sujeito travesti e que funciona, segundo Orlandi (idem), como um “lembrete” de memória: “ou seja, são textualidades que, produzidas, desengatilham um mecanismo da memória de arquivo (institucionalizada, portanto) que nos faz entrar no uníssono de um sentido petrificado, eternalizado” (p. 18). Aqui, trata-se de conceber o sujeito travesti como promíscuo, possivelmente infectado, grupo de risco.

 

Procuramos, assim, analisar a individuação do sujeito travesti pelo Estado, órgão máximo de poder, bem como o processo de significação e identificação a que está sujeito a partir da formação discursiva governamental. O Estado, através de instâncias de controle à saúde pública, está institucionalizando uma imagem preconceituosa do travesti, que estaria sendo legitimada por estudos estatísticos.