Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



imputação de autoria, que, no caso, se efetiva através dos slogans e siglas: “Brasil: país rico é país sem pobreza”; “Ministério da Saúde”. Este é, pois, um efeito também imaginário, e essa unidade final (imaginária), deve ser compreendida pela filiação do dizer remetido ao interdiscurso, bem como pela relação com o contexto, elementos que determinam as possibilidades de interpretação. De modo que não há como prever, por exemplo, se a interpretação de todo cidadão brasileiro será a mesma quanto aos cartazes e nem, ao menos, que o assunto se esgote.

Pensando, agora, na outra posição-sujeito no discurso, em B, temos a quem se dirige o cartaz: à população brasileira. Mais especificamente, os cartazes analisados, partindo de uma autoria do Estado, dirigem-se ao cidadão brasileiro, uma vez que se colocam nesse âmbito, nesse espaço de interlocução, através da inscrição dessas assinaturas (siglas, slogans...) que identificam o governo brasileiro. No entanto, ocorre que, especificamente nesses cartazes, o Estado não está apenas se dirigindo ao conjunto de seus cidadãos, mas a uma parcela que é bem marcada pelo vocativo “Travesti”, no primeiro cartaz, e pela imagem de um travesti, no segundo.

O que autoriza essa interlocução específica do Estado com essa parcela, entre o conjunto da sociedade civil, é justamente o discurso médico-sanitário, em que o Estado não apenas acolhe o cidadão em termos de sua saúde, mas também exerce certa vigilância. O travesti, por sua vez, está presente pela imagem que o Estado faz dele. A forma de resposta do interlocutor (B), dado o funcionamento imaginário dessa comunicação social, seria a ação deste sujeito, o travesti, de se submeter aos exames que detectam tais doenças, ou de resistir a esse submetimento.

Dadas, portanto, as condições de produção desse discurso médico-sanitário sobre o sujeito travesti no Brasil, podemos identificar o lugar social em que A e B ocupam a partir dos cartazes apresentados, além de compreendermos as relações de força funcionando, constituindo o discurso. De um lado, temos o Estado, instituição máxima de poder, se fazendo significar como tal, que “chama a atenção publicamente de uma parcela da sociedade. De outro, temos o sujeito travesti, longe do mesmo direito à voz, como se sabe, que é convocado pelo governo através de um alerta sobre a sua saúde. Sobre a situação, observa-se o fato do Estado dirigir um “alerta” aos travestis no que tange à contaminação de doenças sexualmente transmissíveis:

 

A: “Travesti, não fique na dúvida. Faça o teste da aids. Fique sabendo. O teste é gratuito, rápido, seguro e sigiloso. Aproveite também para fazer os testes de sífilis e hepatites B e C. E use sempre camisinha”.