Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



  1. O travesti tem dúvida se está contaminado com a AIDS.
  1. Ele deve saber se está infectado,
  1. deve estar em dia com os exames que detectam outras doenças sexualmente transmissíveis,

e, ainda,

  1. deve sempre usar camisinha (ressalta-se o sempre, uma vez que em “use camisinha” já está implícito que é em todas as relações sexuais).

 

Tomando esses enunciados como possíveis interpretações do que está no cartaz, pensamos que o item “a” sugere que o sujeito travesti está exposto à contaminação pelo vírus HIV. De onde vem essa exposição? Pelo conhecimento que na sociedade temos sobre as formas de contágio do vírus, trata-se de um imaginário que indica um chamado “comportamento de risco”, associado ou a práticas sexuais, ou ao uso de drogas injetáveis – enfim, o sujeito travesti estaria sendo identificado a ambientes e atos propícios à contaminação da AIDS. Dessa maneira, o próprio Estado condena seu cidadão a estereótipos fechados, à significação reduzida de sua sexualidade, uma vez que ser travesti, segundo o cartaz, é ter dúvida se é ou não soropositivo.

Interessante observar ainda que, mesmo que o sujeito travesti não se identifique em nada com o cartaz, o ignore, não estabeleça identificações, o cartaz é público: o alerta é para o sujeito travesti, mas está afixado em paredes das unidades de saúde do SUS – em todo o país. Poderíamos, então, pensar na imagem que um sujeito heterossexual, esperando por atendimento, por exemplo, fará do sujeito travesti a partir da imagem que o Estado faz do mesmo, nesse cartaz. Não se pode subestimar o peso de um dizer sobre a saúde a partir de uma instância de Estado e, nesse sentido, é necessário reconhecer como o Estado brasileiro está disseminando (ou participando da disseminação de) uma ideia preconceituosa a respeito do travesti. A formulação de uma campanha de saúde desses/nesses cartazes sustenta-se na afirmação de que o travesti é grupo de risco.

Se pensarmos, então, na imagem que o sujeito travesti faz de si mesmo, ao se questionar quem seria ele para que o Estado lhe falasse assim, esse alguém, segundo o Estado, seria um indivíduo possivelmente doente, que se prostitui, que não se preserva em suas relações sexuais, promíscuo, vulgar. É o Estado dizendo quem ele é e, nesse sentido, isso demanda do sujeito travesti um embate sobre a sua imagem enquanto sujeito, ele será afetado por esse discurso. Segundo Pêcheux (idem),