Revista Rua


O Invisível em La Ciudad Ausente
(The Invisible in The Absent City)

Livia Grotto

ausente, quase invisível. A forma de contar é implicada e se torna tema, como segredo parcialmente descoberto por detrás da referência primeira. É justamente assim que o narrador apresenta a situação de Junior depois de receber mais uma ligação anônima – e a do texto – ambas expostas como confusão e segredo: “Se estaba moviendo a ciegas. La información estaba muy controlada. Nadie decía nada”. (PIGLIA, 1995: 14)
A história de Laura, que supera a linguagem deficiente depois de escutar as versões do anel de Vênus contadas pelo pai, é, para Junior, símbolo do poder da ficção. O anel, em “La nena”, torna-se menos um compromisso ou um vínculo, do que símbolo do texto em espiral – “círculo de oro” – torcendo-se para, com os mesmos elementos, contar de novo a partir de deslocamentos sucessivos. Como se não bastasse o fato de o texto contar uma história que, por sua vez, reconta a história do texto, esse movimento repete-se nas obras citadas por Piglia. O livro de Robert Burton reelabora a narrativa do anel, o quadro de Albrecht Dürer reencena, ainda uma vez, uma variação da história.
A narrativa simula a ilusão de um saber abrangente, como sugeriu Maria Antonieta Pereira (1999), e, no entanto, oferece uma falsa objetividade, traz mais interrogações do que respostas. Na própria atividade da máquina, constatam-se mais histórias contíguas do que saberes articulados. Por maior que seja o número de interpretações, uma ressoa outra, de modo que não se excluam. Transitam pela narrativa valores díspares que indicam a impossibilidade do objetivo e do neutro. Em La ciudad ausente, criam-se mundos que contradizem a percepção e o critério do real construído pelo Estado, como afirma Edgardo Berg (1996). “Anti-mundos”, “mundos paralelos e alternativos”. Em constante transformação, a atividade da máquina é simulacro do modo de narrar: ela não pára de contar histórias, que se juntam umas nas outras, sem um controle do narrado.
A complexidade da organização do romance arremeda um mecanismo, embora desregulado e capaz de produzir qualquer efeito, inclusive a paranóia. Sob um discurso indireto-livre, registram-se hipóteses sobre o funcionamento de Elena: seus relatos partiriam sempre de um equívoco. Segundo conjetura o narrador, promovendo mais um dos tantos jogos de substituição elaborados no romance, esse princípio capcioso de composição altera o real definido pela máquina: “Lo real estaba definido por lo posible (y no por el ser). La oposición verdad-mentira debía ser sustituida por la oposición posible-imposible. El manuscrito original se enroscaba en un tambor de lata. Le costaba leer con los anteojos. Cada vez estoy más miope, pensó Junior (...)”(PIGLIA, 1995: 104)