Ativismo e performance: aspectos da aliança dos corpos nas ruas


resumo resumo

Carlos Henrique de Lima



Performance é termo que ocupa espaço relevante em análises de estudiosos dedicados a pensar ações contestatórias no espaço urbano de hoje. A palavra deriva do conceito “repertório de ação coletiva”, elaborado por Tilly ao longo de vários anos, mas que se refere a conjuntos determinados de rotinas apreendidas, compartilhadas e colocadas em movimento por processos relativamente deliberados de escolha. “Repertórios são criações culturais assimiladas, mas que não são herdados de filosofia abstrata ou tomam forma como resultado da propaganda política; eles emergem da luta.” (TILLY, 1995 [1977], p. 26). O conceito foi gradualmente se tornando maleável suficiente para remeter a modos de ação notadamente diversos e mutáveis empregados por ativistas ao se manifestarem. No campo de estudos sobre a cidade contemporânea, interessa pensar o termo como elemento potente na compreensão sobre como ativistas refletem os princípios de coletivos organizados. Ainda: de como tais princípios confrontam práticas urbanísticas que apresentem caráter hegemônico e supressivo.

Assim como diversas metrópoles em diferentes regiões do Brasil, o Rio de Janeiro da última década foi alvo de diversos projetos urbanos conduzidos com intuito de transformar sua feição e dinâmica – nem sempre positivamente. Ao menos é o que se identifica no “ciclo de protestos” (TARROW, 1993) que percorreu diversas regiões da cidade ao final do ciclo desenvolvimentista do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Manifestações mais amplas expressavam franco desacordo com o direcionamento de gastos públicos, remoções forçadas de famílias para dar espaço aos novos empreendimentos urbanos, demolição de edifícios culturalmente relevantes para grupos minoritários – caso da Aldeia Maracanã. Nas áreas mais vulneráveis da cidade, onde os projetos de urbanização são raros, os discursos por parte de ativistas eram semelhantes, embora agravados pelo contraste entre a precariedade do contexto existente e o caráter perdulário dos projetos.

Obras como os teleféricos do Complexo do Alemão e do Morro da Providência sofreram fortes sanções de associações comunitárias consolidadas. À essas vozes dissonantes, somaram-se ativistas cuja mobilização reúne três aspectos principais: (a) sua manifestações ocorrem na maioria das vezes em espaços públicos; (b) suas ações são produzidas a partir de transformação inventivas dos repertório de protesto; (c) os coletivos apresentam composição heterogênea e seus membros não mantém entre si vínculos duradouros. São representantes do “ativismo insurgente” (RIBEIRO, 2006) que amalgama uma nova composição social e aprofunda a radicalidade impulsionada pelas consequências das transformações figuradas em projetos urbanos recentes. Em suas ações, desdobram-se os nexos entre cultura e política, produzindo uma nova topografia para os conflitos urbanos. Jovens, periféricos e negros formam a maioria dos desafiantes que articulam ações fragmentadas e imediatas, revelando sua revolta ante o artificialismo dos acordos sociais expressos em formulações tênues e distendidas elaboradas no campo hegemônico (Estado, empresas, governos).

Os protestos da juventude em favelas cariocas explicitaram, além das desigualdades sociais gritantes, que a troca e o convívio comum entre diferentes regiões da cidade são indispensáveis para qualquer democracia urbana. Além disso, mostraram que há grande intercâmbio nas imagens de protesto oportunizadas pela difusão das tecnologias de informação e comunicação (RIBEIRO, 2006).

Este aumento das trocas de informações incorpora novas vozes e novos repertórios aos espaços de decisão – consequentemente, nos investimentos públicos e privados nos espaços metropolitanos. A performance está associada a este incremento. O termo é recorrentemente mobilizado para tratar de uma mobilização política que cuja forma de agir é recombinada continuamente no curso contencioso. Neste artigo, recorre-se à procedimentos de cunho teórico e empírico para elaborar uma reflexão a respeito da performance no ativismo de rua. O tema é abordado a partir de dois ângulos e as partes deste trabalho obedecem a um percurso globalmente temático-cronológico. Charles Tilly e por Judith Butler servem de ponto de partida e, embora não estejam excluídas outras referências, as escolhas bibliográficas refletem a vontade de estabelecer tanto quanto possível uma leitura detida e vertical a respeito do problema. Há em Tilly um caráter macro-histórico a respeito do repertório de ação que gradualmente é convertido para explicações circunstanciadas em que o caráter cultural é ampliado; Butler efetua uma abordagem a partir de fenômenos sociais recentes, mais precisamente, àqueles que envolvem a perda direitos de grupos minoritários e a aliança que realizam para afirmar a expressão de direitos.

Apesar de alicerçado em autores da sociologia urbana e filosofia, este texto se vincula às analises centradas no urbanismo como prática ampliada, como saber compartilhado em determinado contexto político ou como conjunto de discursos e ideias em circulação em determinado tempo. Nesse sentido, a construção de performances políticas organizadas por desafiantes nas ruas vem para aguçar o entendimento a respeito dos desacordos entre experiências coletivas e projetos urbanos neste ciclo de protesto identificado nos estertores do PAC. A performance é termo que auxilia a investigar a emergência e ressignificação das maneiras de organização e condução de performances políticas. Privilegiou-se a ação de grupos que dão grande ênfase às práticas urbanísticas, enfrentando-as. É o caso do Barraco 55, grupo atuante no morro da Alvorada, Complexo do Alemão, entre 2010 e 2014.

 

Performance: emergência do termo

 Desde os anos 1960, as questões disparadoras de conflitos na cidade foram sensivelmente ampliadas. Identidades, memórias e experiências passaram a ser consideradas na conjuntura. No campo da sociologia, as ondas de greve, os movimentos sociais e as mobilizações étnicas e de gênero forçaram as fronteiras das teorias e explicações. Nos estudos dos ativismos e movimentos sociais urbanos, o termo performance guarda relação com esse campo ampliado de problemas. O termo deriva das interpretações dedicadas a compreender o ativismo e a ação coletiva não apenas a partir da mobilização de recursos (como o número de participantes ou os meios de financiamento para campanhas), mas como algo atrelado ao processo político. Leituras macro-históricas se mostraram incapazes de explicar o lugar da cultura no processo de mobilização política, dando origem a reflexões que “se insurgiam contra explicações deterministas e economicistas da ação coletiva e contra a ideia de um sujeito histórico universal” (ALONSO, 2009, p. 53). Com efeito, foi dada maior relevância às concepções práticas e discursivas dos atores em situação sem excluir as críticas a explicações vagamente conectadas que ignoravam, por exemplo, como redes interpessoais influenciavam no êxito ou duração de uma mobilização coletiva (McADAM; TARROW; TILLY, 2001)

O que está manifesto nas primeiras noções de repertório e suas reconfigurações são formas políticas de agir afetadas por dimensões culturais, pois a volatilidade das conjunturas demanda escolhas contínuas (ALONSO, 2012). Nas cidades, por exemplo, ativistas alternam passeatas com ações menos visíveis. Além disso, a catálise proporcionada pelos fenômenos urbanos é ampla e afeta, em variações de escala e intensidade, grupos distintos. As identidades, relacionadas diretamente à alteridade e a maneira que se lida com o outro, ganham importância na explicação sobre ativismos. Nos anos 1990, estas considerações se tornaram ainda menos consistentes para explicar conjunto considerável de movimentos sociais e demais ativismos de menor escala. É quando surgem compreensões a respeito do amadurecimento e ganho compartilhado não regidos pela rivalidade, o que desembocou nas explicações sobre os novos movimentos sociais. Desde então, os modos de organização e as experiências dos ativistas (mais do que as estruturas políticas previamente configuradas) passaram a ocupar lugar destacado.

É necessário reprisar que são muitas e variadas as modalidades de ativismo. Há ativismo no âmbito institucional como casas legislativas, assembleias e sindicatos, por exemplo; tanto quanto nas ruas, praças e lugares que não estão previamente configurados para o exercício político. A ênfase das análises elaboradas sobre as performances refere-se a "política contenciosa", isto é, de caráter episódicos e não contínuo, que “ocorre em público, envolve a interação entre os próprios demandantes e outros atores [...] sendo que o governo atua como alvo ou mediador” (McADAM, TARROW e TILLY, p. 5, tradução do autor). Aprofundado: o termo "episódico" exclui eleições, por exemplo; "público", como dito, remete ao que ocorre fora de organizações bem definidas (igrejas, associações etc.). Portanto, o foco recai nas ramificações políticas de mobilização abertas e imprevistas.

Vale dizer que isso não caracteriza as formas predominantes de ativismo, pois boa parte ocorre dentro de eventos processuais e democráticos, em lugares formalizados como comunidades, sindicatos e partidos. Deve-se ressaltar que tais ações “contenciosas” – muito numerosas nos ciclos recentes de protestos que tematizaram a cidade como objeto de disputa, no Brasil e alhures – se interseccionam a episódios maiores de confrontação. Movimentos sociais, revoluções, ondas de greves, ciclos de nacionalismo, processos de democratização, dentre outras – são fenômenos contrastantes, mas que resultam de mecanismos e processos similares (McADAM, TARROW, TILLY, 2001).

Nos interessa discorrer sobre a performance a partir de ativismos independentes de organizações prévias. Nesses casos, nem todas as partes estão dadas de antemão, pois o curso conflituoso emerge na matriz urbana a partir de grupos sem programa nítido, cuja interação é muitas vezes momentânea. Interessa pensar a performance por meio de ações de grupos que criam vínculos tênues e provisórios, mas que guardam semelhança nos meios empregados para proliferação de princípios, cujos vocábulos são semelhantes e as formas táticas muito aproximadas – mesmo referindo-se a amplíssimas demandas. 

O principal ponto de partida para as discussões sobre a performance são as contribuições de Charles Tilly a respeito das mutações observadas nos repertórios de ação política. Na emergência do conceito, Tilly (1976) afirma que um repertório de ações está à disposição das pessoas e são empregados conforme oportunidades políticas. Sua reflexão se desenvolve a respeito de mobilizações políticas num amplo arco histórico em que grupos empregam repertórios para perseguir fins comuns (TILLY, 1978). Teorias pioneiras sobre os movimentos sociais consideravam os recursos divididos por preceitos de competição; nas interpretações focadas no processo, os ativistas estariam em constante disputa nos cenários políticos, buscando ampliar sua representatividade em instâncias deliberativas ou agregando novos membros, por exemplo. Repertórios sofrem mudanças lentas associadas à transformações sociais modernas, como a urbanização. A esse respeito, cabe situar que a diversidade de táticas empregadas por ativistas em disputa – no dizer de Tilly (2008), “demandantes” – correspondente à formação social heterogênea e diversa que caracteriza muitos movimentos coletivos no presente.

Ao historiar o conceito, Alonso (2012) apresenta três passos: o repertório de ações coletivas (anos 1970); o repertório de confronto (anos 1990); repertório e performance (anos 2000). Na década de 1990, o repertório é compreendido como estrutural e estruturante, experiência social sedimentada em acordos e memórias. Inicialmente, é algo que apresenta contornos bem definidos; posteriormente, Tilly compreende que repertórios são ativados por rotinas que se produzem nas interações conflituosas repletas de contingências – o que impede sua repetição automática (idem). Nos anos 1990, o termo é inflado pelo aspecto da difusão e da mudança, produzindo modificações parciais nas franjas das formas de agir já conhecidas. É quando as mobilizações são postas em movimento levando-se em conta a dinâmica implicada em seus mecanismos.

As “estruturas de oportunidades” não derivam somente de determinações objetivas. Por exemplo, não foi apenas a urbanização – um “um mecanismo ambiental” – que levou ao boicote da população negra de Montgomery aos ônibus da cidade, após o gesto desafiante (e performático) de Rosa Parks; e sim percepções acumuladas no interior do movimento de serem mão de obra e mercado consumidor capaz de exercer pressão em instâncias representativas do Estado e setores da economia. É preciso considerar que ativistas e governos estão em reconfigurações contínuas, o que leva a interpretar o ativismo além das experiências moduladas para outra, transgressiva, em que a performance ajuda a explicar melhor desdobramentos e nuances nos movimentos.

Na década de 2000, num conjunto teórico que reúne reflexões nessa direção – bem como revisões de escritos anteriores – a performance suplanta a rotina como chave explicativa (ALONSO, 2012). As interações entre ativistas, público e autoridades (assim como entre grupos rivais) procedem de conexões anteriores e da experiência acumulada. “Por esse motivo, podemos pensar no repertório como performances – interações roteirizadas na maneira do jazz ou teatro de rua” em vez do aspecto repetitivo de canções eruditas ou ritualísticas (McADAM, TARROW, TILLY, 2001, p.49, tradução do autor). Em outro texto: ativistas interagem como grupos de improviso em que pessoas participam de diferentes políticas de claro confronto (Tilly, 2006, p. 35) com grande capacidade de por parte dos atores. Nos ciclos de protesto e ao longo de crises, há variações rápidas nas "estruturas de oportunidade política que, apreendidas diferencialmente pelos atores conforme a posição que ocupam, geram clivagem."

O ativismo urbano que emergiu na última década em metrópoles no Brasil é formado por grupos que efetuam intervenções no espaço público. Apresentam base social diversa e não se organizam em estruturas sociais prévias – a exemplo de lutas populares como a dos sem-teto.  Por isso, não há identidade comum e relativamente estável entre seus integrantes. Observados em conjunto, identificamos nesses movimentos ações que envolvem intervenções de aspecto performático, fluída e variada. São práticas e colaborativas que envolvem atividades culturais, em sentido amplo, e que buscam uma nova vivência política, formada por um entrelinhado em que cada ponto se apresenta como uma experiência de íntima proximidade. Em nossa perspectiva, ao tecerem essa trama e se posicionarem em franco contraste com a prática urbanística, a performance ativista aguça suas contradições. Esses movimentos produzem a instabilidade e a incerteza mais do que a possibilidade de substituir uma prática por outra. Questionam, sobretudo, princípios. Revelam lacunas e, por isso, apontam possíveis alternativas para o processo de produção urbana.

O aspecto performático desse ativismo estimula novas conexões e deixam resíduos nas formas de agir que são gradualmente assimilados por grupos em diferentes espaços e contextos urbanos, numa confluência contínua dissimile e plural. As performances se modificam a partir de repertórios herdados. Nesse curso, incorporam-se reivindicações, selecionam-se meios, surgem novas representações. As ações coletivas se transformam como resultado de improvisação e luta, embora formas de interação estejam limitadas ao que é inteligível e viável para ativistas (McADAM, TARROW, TILLY, 2001). É também nessa direção que se movimentam os argumentos de Judith Butler sobre uma política da performatividade.

 

Judith Butler: política da performatividade

Ainda que sujeita a metamorfoses e transformações, a ideia de performance sempre conservou, tanto quanto se pode interpretá-la numa dimensão urbana, duas características essenciais: tencionar os espaços já constituídos; a reciprocidade e reconhecimento do outro. Em trabalhos recentes, Butler (2018, p.95) vem tentando demonstrar a capacidade que mobilizações nas ruas tem de formar uma aliança entre os corpos para construção de novos espaços e a favor da alteridade. Essa aliança se efetua diante da constatação de que não há a declarada igualdade entre falantes na esfera pública, e são muitas as assimetrias que a atravessam. Isso é muito nítido num país gravemente marcado por desigualdades sociais como o Brasil.

Butler apresenta a desigualdade entre falantes como primordial conduzir sua interpretação a respeito da performance na política. Trata-se das minorias, cujos corpos foram historicamente subtraídos de seus direitos de expressão, interferirem justamente na organização espacial do poder para produzir uma esfera de “aparecimento”. Butler tece reflexões sobre estas políticas da corporeidade e seu aspecto performático para se referir aos dispositivos de controle, à apropriação de espaços físicos e outras dimensões relacionais da vida coletiva. Em formulações preliminares, Butler e Anathasiou (2013, p. 11) dialogam sobre como os “regimes contemporâneos de biopolítica” – em suma, aparatos autoritários de controle e apropriação da espacialidade, mobilidade que afetam negativamente a vida de diversas populações no campo e nas cidades – resultam conjuntamente em “expropriações”[1] e resistências.

Pegando de empréstimo uma noção do filósofo Jacques Derrida, as “expropriações” são formas agudas caráter “ontopológico”[2], isto é em que se vinculam o valor ontológico do sujeito a um determinado topos, lugar. Com isso, as autoras sugerem rastrear as maneiras pelas quais a desapropriação carrega em si práticas regulatórias relacionadas a quem pode ou não ocupar determinadas posições, gerando, consequentemente, deslocamentos e remoções. O que nos leva a refletir como políticas urbanas recentes foram conduzidas nos morros cariocas com o intuito de remover casas que estavam atravancando as pretendidas transformações urbana  Isso significa que a lógica da desapropriação está intrinsecamente associada aos corpos, em corpos situados, agindo por meio de práticas associadas à raça, gênero, sexualidade, economia e cidadania.

Nesse cenário, surgem resistências alinhadas à performatividade política, em que se incitam esforços por autodeterminação por parte dos corpos excluídos, que empreendem a construção de práticas desestabilizadoras (ibid., p. 18). A performatividade está associada ao esforço por refutar e desfazer estas esferas de controle ou coerção, mobilizando percepções para tornar produzir uma “esfera de aparecimento” (ibid., p. 120).

Para as autoras, a “performatividade” produz o que denominam “topologia multe-localizada do acontecimento político”, quer dizer: quando grupos minoritários se veem implicados no que foi desposado de outros e envolvem-se “em uma comunidade de resistência política e ação transformadora – no entanto, sem que suas próprias alianças afetivas cedam à reivindicações particulares de identidade.”[3] (BUTLER e ANATHASIOU, 2013, p. 193, tradução do autor). Trata-se de engajar outros corpos contra a vida “dada, passiva e opaca e, portanto, excluída da definição convencional do político” (BUTLER, 2018, p. 97). Há certa proximidade com o que apresentamos na primeira seção a respeito de espaços não configurados previamente para o exercício político (TILLY, 2008). Em Butler, estas formas de resistências procuram embargar a alocação diferencial do regime biopolítico e, assim, produzir o que a autora denomina “aliança entre os copos”; em resumo: forma social da resistência produzida por grupos vulneráveis e minoritários que incorporam como princípio a ideia de agir junto e em condição de igualdade (BUTLER, 2018, p. 98).

Em última instância, a aliança entre os corpos não é igualdade radical, mas a exigência de uma vida possível de ser vivida que envolva os direitos básicos da autodeterminação e o reconhecimento público de direitos. A performance é o meio de corporificar experiências minoritárias e produzir intervenções nos meandros das estruturas políticas – e isso inclui a vida urbana. Por meio da aliança, grupos minoritários corporificam modos de vida francamente opostos às soluções gestadas no âmbito do controle hegemônico. Não se trata de algo a ser instituído, e sim praticado. Produzir esse conjunto de condições é o próprio objetivo da ação política das ruas, fora das instituições previamente configuradas (BUTLER, 2018, p. 146). Ou seja, as condições de igualdade não podem simplesmente ser enunciadas, mas efetivadas “precisamente quando os corpos aparecem juntos, ou melhor, quando por meio da sua ação eles fazem o espaço de aparecimento surgir” (idem).

A autora se refere à grandes manifestações e assembleias de caráter revolucionário, em que os participantes se opuseram de maneira explícita ao “capitalismo monopolista, ao neoliberalismo e à supressão dos direitos políticos” – os movimentos occupy, as revoluções da primavera árabe –, o que atinge com maior intensidade os direitos humanos de populações inteiras. Entretanto, corremos o risco aqui de propor derivar a ideia da reivindicação performática para movimentos menores. Nas cidades, parece haver uma nova interação entre atores minoritários que lutam para serem escutados e compreendidos. As ações acomodatícias de grupos dominantes são confrontadas por um outro ativismo, que reúne lutas urbanas e lutas que, mesmo com origem noutros espaços[4], ocorrem no urbano (Souza e Rodrigues, 2004). Para Ribeiro (2006, p. 28), este ativismo urbano de difícil conceituação tem construído um campo político de fronteiras indefinidas. Alianças entre populações precarizadas foram um projeto de radicalidade urbana e democrática, uma vez que os direitos não se restringem, a priori, a populações e identidades. Para Butler (2018), lutas urbanas recentes certamente expandiram o que se entende por nós ao envolverem mistura de grupos contrastantes em aspectos como classe e identidade.

Recorreu-se aqui a dois autores para tentar elaborar, genericamente, a ideia da performance como repertório político articulado à formas compartilhadas de pensar e fazer. Isso resulta em vasto número de táticas em determinado curso contencioso. No campo analítico-conceitual, performance é expressão que amplia o entendimento a respeito do contínuo processo de elaboração da disputa na arena pública (nas ruas), em que características como a flexibilidade das demandas é acompanhada da grande diversidade de seus praticantes.

 

Performatividade nas ruas do Alemão

Antes de avançarmos no aspecto performativo do ativismo no Alemão, é prudente colocar brevemente alguns acontecimentos em perspectiva. O Complexo do Alemão está situado na zona norte do município do Rio de Janeiro, em uma região vulnerável do ponto de vista ambiental, e atravessada por vias expressas. Nos anos 1920, a região possuía papel importante na dinâmica econômica da cidade por sua atividade industrial e portuária. O Curtume Carioca, no bairro da Penha, que funcionou do início daquela década até sua falência, em 1998, dá pistas do desenvolvimento econômico nos primeiros anos de sua ocupação. A Serra da Misericórdia foi gradualmente ocupada a partir dos 1950 formando hoje o Complexo do Alemão e Penha: uma “conurbação de favelas” (BOTELHO, 2013) que abrange os bairros da Penha, Inhaúma, Bonsucesso, Ramos e Olaria.

No Rio de Janeiro, o processo de favelização se intensifica nas décadas de 1940 e 1950, e, a partir da década seguinte, isso despertou interessa da administração pública em intervir por meio de remoções e construção de habitações em lugares afastados das áreas mais valorizadas da cidade. Essa política vigorou até os anos 1980 quando o entendimento predominante era melhoras as condições urbanas das áreas ocupadas. No Complexo do Alemão essa virada é assinalada pelos projetos de saneamento e luz realizados nos mandatos do governador Leonel Brizola (1983-1987), que contraiu empréstimo junto ao BID para a melhoria e urbanização de favelas. Mas até 2011, quando recebeu grande aporte de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), capitaneado pelo governo federal, esta área densamente habitada não havia recebido nenhum projeto urbano abrangente e de grande escala.

Décadas de negligência por parte do Estado representam violações consideráveis à população carioca habitante de favelas, gerando uma zona apartada do tecido urbano propícia à pratica de crimes e violações. Mas formou também tensões políticas de variada intensidade e com diferentes graus de vinculação e alinhamento à esferas representativas. Associações comunitárias desempenham há décadas papel fundamental na organização política do Complexo do Alemão, exigindo junto ao poder instituído em assembleias direitos relativos às condições de vida na cidade. São organizações políticas com base social delimitada e que militam por meio de formas estabelecidas da via política (assembleias) ou empregam repertórios tradicionais para divulgar suas demandas (passeatas, protestos, bloqueio de vias).

O auge do PAC coincide com as chamadas jornadas de junho de 2013, disparada por uma pauta urbana e urbanística. Naquele momento, o ambiente político estava permeado pelo tema, que se estendia para o direcionamento de gastos públicos com grandes eventos esportivos de 2014 e 2016. O Rio de Janeiro era território particularmente afetado nesse sentido, o que resultou numa prática urbanística em que o projeto e planejamento da cidade estava intrinsecamente vinculado a lógica policialesca e coercitiva. O Programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foi a grande bandeira do período, tendo sofrido, assim como os projetos urbanos, grande resistência por parte de moradores.

Uma nova articulação parece entrar em cena nesse momento, forjando um ciclo de prática política no Complexo do Alemão e em demais conjuntos de favelas que foram alvo da combinação entre urbanismo e ação policial. Refere-se aqui a uma agregação política formada por uma geração influenciada pelos protestos que ocorriam nas ruas brasileiras e alhures. Empregando códigos assimilados a partir de novas tecnologias de comunicação, fazem borras as fronteiras do exercício político, formando alianças se efetuam uma ética de coabitação, dos vínculos abertos e descentralizados, da ausência de ritos e hierarquias definidas, fazendo das ruas e vielas do Alemão o topos da experiência conjunta em favor da luta por direitos urbanos. Neste ativismo de caráter performático, "os corpos congregam, e se movem e falam juntos, reivindicando um determinado espaço como público." (BUTLER, 2018, p.80). Portanto, não assumem que este espaço está dado e é reconhecido como tal por todos.

Gohn (2014, p. 71) observa que muitos ativistas de 2013 “autoproduzem imagens com discursos sem referência a tempos do passado, como se não tivessem outras memórias incorporadas além de si próprios”. No Complexo do Alemão, talvez um sintoma da urgência do presente, um modo reativo de lidar com um espaço fraturado e com o tempo acelerado em que as posições se reconfiguram ali. A permanência acaba se tornando algo circunstancial, e o presente torna-se a referência mais forte. No discurso, o que os ativistas evocam são mais as imagens de protesto, mas a necessidade de falar por si, de dar um caráter ao espaço até então não vislumbrado. "Organizam e animam a arquitetura [por meio] da apreensão e da reconfiguração dos ambientes materiais" (BUTLER, 2018, p. 80) "

Trata-se de performance, de reconfigurar e refuncionalizar os espaços urbanos. As ruas não são apenas o lócus da ação, mas aquilo que está sendo tematizado na disputa. O espaço é criado pela ação plural. Como resultado, investem em usos imprevistos como modo de revelar uma cidade potencial e latente, muito contrastante com as categorias binárias predominantes nos projetos urbanísticos que procuram confrontam. A performatividade não é apenas a fala, mas também as reinvindicações feitas por ações de caráter cultural, do gesto, do movimento, da congregação, da persistência e da exposição à possível violência (BUTLER, 2018 p. 84).

Diversos coletivos atuaram no Complexo neste período, cada qual elegendo para si táticas e temas próprios, dentre os quais citamos a violência policial, o problema das famílias removidas e a condução de políticas habitacionais,  necessidade de lugares para usufruto coletivo. Em comum, guardam as conexões ampliadas que supendem os confins temporais e dissolvem as limitações espaciais, que não estão restritas ao Complexo do Alemão, repercutindo em outros conjuntos de favelas ou mesmo em favelas de outras cidades. O modo de fazer torna-se tão importante quanto o que fazer – propriedade do ativismo performativo. Vejamos como estas ações se dão no território.

O projeto urbano proposto incluía a melhoria habitacional, a qualificação de espaços públicos e a reconfiguração do sistema viário para garantir o acesso de serviços públicos a todas as áreas do Complexo – coleta de lixo, ambulância, transporte coletivo – e implantação de um teleférico conectado ao sistema de trens e metrô. No entanto, apenas este último foi privilegiado. Obra mais vistosa e simbólica do conjunto de intervenções, o teleférico forte resistência por parte considerável da população, que alegava, ao menos, a pouca abrangência do sistema e a dificuldade de acesso das estações, situadas nos topos dos morros. Outros muitos problemas foram relatados, analisados e discutidos por pesquisadores de diversas áreas e pelos próprios ativistas (FONTES). Mas para discussão ora em curso é possível ater-se a alguns pontos principais.

Não deveria surpreender que há uma considerável heterogeneidade entre as áreas do Complexo do Alemão. Um dos espaços de maior movimentação é a Rua da Assembleia, na favela Alvorada, onde há uma pequena praça próxima ao vigésimo pilar do teleférico (contando a partir da estação de trens de Bonsucesso). A rigor, trata-se de um espaço residual, um vazio urbano que resultou da demolição de casas, vias e comércio. Espósito-Galarce e Coutinho (2016) mostraram a inventividade envolvida na apropriação e usos dos espaços que resultam da maneira parcial e incompleta pela qual o poder público realiza intervenções. E é justo nessas espécies de frestas que os coletivos resolvem produzir suas ações de caráter performático. Uma breve descrição de suas ações pode contribuir para situar o problema.

Durante as obras do PAC, Coletivos como Ocupa Alemão, Barraco #55 e Raízes em Movimento produziram mobiliários e hortas urbanas em diferentes favelas do Alemão. As áreas residuais são ao mesmo tempo o resultado concreto e a expressão metafórica consistente de uma prática urbanística preocupada operações de grande escopo. As vilosidades urbanas tornam-se propícias à intervenção ativista. Circulando pela região pode-se perceber que, não fosse essa atitude, estas áreas vazias poderiam ser convertidas em lixão ou estacionamento dos moradores. Vale ressaltar que entre os efeitos mais sensível decorrentes da pacificação, das modificações urbanas e da ampliação de crédito de varejo no período aqui em questão está a aquisição de mobiliário, eletrodomésticos e veículos.

A proposta de abrir espaço nos interstícios da favela alimenta a possibilidade de tornar o espaço em algo comum a todos. Havendo o cenário, há a ação, e muitas foram as atividades conduzidas nesses lugares formados a partir da agregação coletiva. Ribeiro (2014) reflete que ao contrário das atividades que reiteram a percepção roteirizada do mundo, as ações abrem espaço para o que ainda não se vislumbrou no horizonte, sendo o ativismo ação situada contra a “passividade frente à torrente das representações dominantes da vida coletiva que alimentam o senso comum” (Ribeiro, 2012, p. 62).

As ações repercutem de modo mais evidente nas metrópoles periféricas – e com vigor redobrado nas periferias destas, poderíamos acrescentar – onde as precariedades das condições de vida impulsionam hibridações entre as disputas diversas enfrentadas em seu território. O acúmulo destas contradições proporciona acirramento nas diferentes experiências de sociabilidade em áreas como o Alemão. Nesta perspectiva, mesmo diante das dificuldades de organização social e política, os espaços formulados nessas tensões e embates, permitem que atores reelaborem continuamente seus modos de ação. É esse refazimento que Ribeiro (2014, p.78) denomina criticamente pela categoria ativismo, ou seja, “a ação pela ação”.

Uma imagem contendo edifício, ao ar livre, pessoa, rua

Descrição gerada automaticamente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1. Evento musical na “Pracinha do Barraco”.

Fonte: fotografia elaborada por ativistas do Barraco #55

 

 
  Uma imagem contendo edifício, ao ar livre, mulher, pessoas

Descrição gerada automaticamente


Figura 2 – Construção da “Pracinha do Barraco”, na Alvorada.

 

Fonte: fotografia elaborada por ativistas do Barraco #55

 

Assim, os jovens no Complexo do Alemão, nesse período de movimentadas intercorrências, demandam a transformação do presente e realizam trabalhos para suprir lacunas – por exemplo, houve instalação de pontos de ônibus, bancos para que passageiros esperassem as vans e moto táxis do sistema alternativo de transporte – quanto almejam um horizonte futuro mais abrangente para a vida na favela. Os espaços transformados pelos ativistas não se limitavam a atividades (pegar ônibus, coletar o lixo), pois abrigaram debates públicos, exposições de arte e urbanismo, oficinas urbanas, apresentações musicais e outras, cujo valor fundamental produzir visibilidade e aparecimento. Algo nada desprezível num contexto marcado pela segregação e pelo tempo regulado sobretudo por funções produtivas, materiais, e a sociabilidade é dependente dos acordos instáveis entre as estruturas de poder: facções do crime, estado policial.

Constrangimentos protagonizados pela polícia e o assédio que exercem sobre as áreas vazias são frequentemente relatados por moradores. Qualquer espaço livre tende a ser visto como algo sem uso. Segundo ativistas, estar na rua sem propósito é algo mal visto por este poder ali constituído. Com efeito, o que os ativistas procuram produzir são lugares potenciais, vivos, capaz de reunir atividades, revertendo assim a lógica restritiva, militarizada e autoritária que impera nesse território. Segundo Facina (2013, p. 9), as práticas de controle policial ocorrem justamente num dos poucos territórios da cidade do Rio de Janeiro onde a rua possui um significado contrastante com os processos de privatização que afetam fortemente a vida urbana de bairros mais abastados. A performatividade ativista tenta fazer emergir sentido positivo em estar nas ruas, mas são muitos os obstáculos se apresentam na trajetória desses coletivos.

 

 
  Foto preta e branca de pessoas ao redor de uma mesa

Descrição gerada automaticamente


Figura 3 – Primeiras ações realizadas na Alvorada pelo Coletivo, em associação a outros grupos de ativistas. As performances empregam formas diversificadas de fazer política.

 

Fonte: fotografia elaborada por ativistas do Barraco #55

 

Primeiramente, pode-se dizer que a noção de pertencimento em relação aos espaços livres não é igualmente compartilhada por todos. Há vozes que apoiam as ações policiais como alternativa violenta ao cotidiano do tráfico. No auge da política pacificadora, o enfrentamento armado foi reduzido e estabelece-se regras mínimas para realização de bailes e demais eventos musicais. Ou assim argumentava parte dos moradores. Seja como for, encontramos um limite à performance como noção agregadora de perspectivas e trajetórias diversas, o que limita sua desvinculação à questões de identidade enunciadas por formulações teóricas.

A linguagem articulada por meio de ações culturais e intervenções temporárias tem grande apelo, mas pouca duração. Em 2012, o Coletivo holandês Cascoland, rede colaborativa que reúne artistas, designers e arquitetos, realizou obra “palco público” em parceria com o coletivo Barraco #55. Trata-se de pequeno tablado multifuncional e acessível situado numa trincheira aberta para durante as obras do teleférico. Em sua curta existência o palco foi utilizado principalmente por crianças. Hoje, resta do equipamento apenas alguns poucos vestígios e seu exemplo não foi replicado para demais favelas. 

Este exemplo reforçam uma limitação relativa à efetividade implicada neste ativismo. Embora as consequências de longo prazo jamais possam ser previstas, as ações coletivas perderam fôlego até arrefecerem por completo. No entanto, propõe-se focalizar aqui que os jovens ativistas do Complexo lançaram mão do que tinham a seu alcance para aprimorar repertórios, praticados em contextos muito diversos e variantes quanto ao propósito. Com efeito, incorporaram formas de agir seja de movimentos diretamente atrelados à cidade, ou de outros que utilizam as ruas para protestar e demandar.

Nessa mesma direção, ressalta-se que características e propriedades de cada lugar influenciam nas mudanças e improvisos operados nos repertórios. A rápida transformação física identificada no Complexo do Alemão exigiu acomodações por parte de ativistas na tentativa de atingir maior número de aderentes aos problemas em questão. As performances potencialmente contribuem para desfazer noções assentadas, mas podem também ser limitadas por condicionantes difíceis de serem desfeitos.  Caso do que se compreende a respeito dos limites entre espaços públicos e privados em uma área de favela, feita pelo esforço acumulado de diferentes gerações.

Embora as vielas do Alemão não sejam espaços previamente configurados para o exercício político, tonaram-se uma potencial sinédoque do lugar público a partir destas ações – o que nos remete à expressão “política das ruas” aqui mencionada. Por sua potência, o termo ajuda a explicar de forma mais aproximada as demandas e percepções de ativistas além daquilo que pode ser formulado por slogans e palavras de ordem. As performances são experiências políticas dos corpos. A performatividade é marca de um ativismo urbano recente que no Alemão e em tantos outros lugares resulta de ampla gama de ideias em circulação. Formas de agir que pretendem transformar a cidade em lugar possível da emancipação coletiva.

 

Considerações

Como vimos, a noção de performance ocupa espaço nada irrelevante nas análises de estudiosos que acompanham ações contestatórias recentes no espaço urbano. O termo nos ajuda a compreender a pluralidade de ações empregadas por ativistas nas ruas, exercendo uma prática política muito distinta daquela verificada nos meios tradicionais para o exercício político. As performances estão associadas à disposição dos próprios ativistas em produzir uma esfera de aparecimento por meio da reunião pública de seus corpos. Com isso, oferecem um potencial grau de visibilidade para suas demandas que escapa às formas de protesto já assimiladas por movimentos políticos. Ainda: pode-se dizer que performances operam no sentido de superar premissas e enunciados, dentre os quais, a própria ideia de um espaço público e de usufruto comum.

Contextos de favelas sofrem rápida e por vezes violenta transformação, e por isso tentamos justapor algumas perspectivas teóricas ao conjunto de ações identificadas no Complexo do Alemão que tinham o propósito de confrontar, por meio de ações culturais nas ruas, os projetos urbanos realizados no âmbito do PAC.

O campo político contencioso, isto é, fora das formas institucionais pré-configuradas, e a ideia de performance aparece como força política agregadora. É algo que não nos deixa naturalizar vínculos de sociabilidade e experiências nos espaços. Por isso são ideias produtivas para pensar as metrópoles no presente e suas assimetrias, em especial, aquelas verificadas em favelas como as situadas no Complexo do Alemão. A aliança entre os corpos acomoda a possibilidade de refletir em contextos como estes, em que espaços se transformam com incrível velocidade e os atributos são muito instáveis e indeterminados.

O projeto urbano para o Alemão considera desigualdade intra-favelas como aspecto menor numa perspectiva de mudança ampla e duradoura. As práticas ativistas assinalam que este objetivo não pode prescindir de uma participação ampla e efetiva, que refute toda convergência totalizadora. No Alemão, a apropriação de repertórios de protesto praticados em contextos por meio da manipulação de signos urbanos, apesar de seus limites, é forma a ser investigada por outras angulações, o que tende a formar um campo contundente de reflexão e ação urbanas.

 

Referências

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ALONSO, Angela. Repertório segundo Charles Tilly: a história de um conceito. Sociologia & antropologia, v. 02 n. 03, pp. 21-41, 2012.  

BOTELHO, Maurilio. Crise urbana no Rio de Janeiro: favelização e empreendedo-rismo dos pobres. In BRITO, F. et. al. (orgs). Até o último Homem: visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo, 2013, pp. 169-213.

BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: Notas sobre uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

ESPÓSITO-Galarce, F. COUTINHO, R. Apropiación, uso y abandono de los espacios residuales provocados por el teleférico del Complexo do Alemão, Río de Janeiro.  arquiteturarevista. Vol. 12, n. 1, p. 11-23, jan/jun 2016, pp. 11-23

FACINA, Adriana. Sobreviver e sonhar: reflexões sobre cultura e “pacificação” no Complexo do Alemão. In Academia.edu, 2013. Disponível em: academia.edu/9771147. Acesso em 30/01/2020.

GOHN, M. da G. Manifestações de Junho de 2013 no Brasil e praças dos indignados no mundo. Petrópolis: Vozes, 2014.

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SOUZA, Marcelo Lopes de; RODRIGUES, Glauco B. Planejamento urbano e ativismos sociais. São Paulo: UNESP, 2004.

RIBEIRO, Ana Clara Torres. A cidade neoliberal: crise societária e caminhos da ação. In OSAL, Observatório Social de América Latina. Ano VII no. 21 set-dez 2006, pp.23-32.

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TILLY, Charles. Contentious performances. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.

 


 


Data de Recebimento: 18/03/2020


Data de Aprovação: 23/05/2020

 

[1] O termo empregado recorrentemente por Butler é “dispossession”.

[2] No original: “dispossession emerges as a critical force of ontopological modes of prefigured bodies, subjectivities, communities, identities, truths, and political economies of life. Taking cue from Derrida's notion of "ontopology", which links the ontological value of being to a certain determinated topos, locality, or territory, we might track the ways in which dispossession carries within it regulatory practices related to conditions of situatedness, displacement, and emplacement, practices that produce and constrain human intelligibility. This means that the logic of dispossession is interminably mapped onto our bodies, onto particular bodies-in-place, through normative matrices but also through situated practices of raciality, gender, sexuality, economy, and citizenship” (Butler e Anathasiou, 2013, p. 18).

[3] No original: “As we are affected by dispossession, the affect of dispossession is not quite our own. And as we are rendered vulnerable to another dispossession, we engage in a commonality of political resistance and transformative action - albeit not letting our affective alliances cede to claims of similitude and community” (Butler e Anathasiou, 2013, p. 193).

[4] Os movimentos indígenas pelo direito às suas terras e os movimentos de sem terra são dois exemplos claros dessa situação, uma vez que, a garantia de justice no campo, repercute em fenomenos que interim diretamente na vida urbana, devido à migrações, produção de alimentos, dentre outros.