Auscultação urbana: ou percebendo a ação do coração


resumo resumo

Shannon Mattern
Eduardo Harry Luersen



Introdução

Há meses, o Covid-19 tem sido transmitido por todo o planeta, de um corpo para outros. Seu trabalho no corpo é silencioso, mas onde quer que ele vá, a paisagem sonora é reconfigurada4. Tosses e espirros nos tornam paranoicos; silvos de ventiladores passam a soar nos quartos dos hospitais; de repente, as ruas ficam quietas, à medida que as pessoas vão se recolhendo. Agora estudando em casa, as crianças criam uma nova trilha sonora diurna e, em alguns lugares, os vizinhos se veem à noite nas varandas para cantar juntos ou para aplaudir os profissionais de saúde. Enquanto os médicos monitoram o guizo de pulmões aflitos, o resto de nós escuta aos sinais acústicos da convalescência de nossa cidade, diante de nosso recolhimento para impedir o contágio.

Esses novos sons e silêncios chamam tanta atenção porque há muito tempo as cidades foram definidas pelo seu barulho: pela densidade e variedade de vozes humanas e pelos sons de animais; pelo rumor das rodas de carro sobre os paralelepípedos; pelos estalos mecânicos, zumbidos elétricos e pelo burburinho dos rádios; pelos toques de celulares e pelos alarmes de segurança. A maioria dos ouvintes é capaz de filtrar a cacofonia. De toda uma gama de sons, diferenciamos aqueles aos quais devemos estar atentos daqueles que podem ser ignorados (LARKIN, 2014). Em momentos de crise ou de mudança, nossos sentidos são aguçados, reajustados. À medida que nos acostumamos a novos confins espaciais e a diferentes percepções temporais, também afinamos nossa audição. Por exemplo, nos lockdowns do Covid-19, os sismólogos registraram uma quietude que os ajuda a perceber melhor os movimentos tectônicos5.

Mas nem sempre as mudanças de conjuntura são tão bruscas quanto em uma pandemia viral. Estamos constantemente alterando as formas de ouvir a cidade, e há pelo menos um século nossas capacidades auditivas vêm se desenvolvendo em direção à vigilância urbana e à saúde pública. Com a tecnologia, passamos a mapear sons através de distâncias cada vez maiores, em diferentes intervalos e escalas de tempo, discernindo padrões que se inscrevem como sintomas, para que nós (ou nossos funcionários públicos) possamos diagnosticar problemas e pesquisar suas curas. De fato, muitas das tecnologias modernas utilizadas para examinar a cidade foram inspiradas em ferramentas de diagnóstico oriundas da medicina e da psicologia. Através destes processos de escuta,

 

 
 
 

 

4 Ver, por exemplo, o projeto Cities and Memories. Disponível em: <https://citiesandmemory.com/covid19- sounds/>. Acesso: 5 mai. 2020.

5               Disponível           em:          <https://www.nytimes.com/2020/04/08/science/seismographs-lockdown- coronavirus.html>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

podemos apreender o mecanismo interno da cidade, avaliar materialmente as suas diversas partes e analisar os seus ritmos (LAFEBVRE, 2004). Estes dois domínios, vigilância e saúde, estão cada vez mais entrelaçados com um terceiro, a inteligência computacional (MATTERN, 2018a).

 

 
 

Figura 1 – Debaixo da estrada Brooklyn-Queens, Nova York, abril de 2020

 

Fonte: Steven Pisano6

 

 

Com toda a atenção dada às aplicações urbanas da visão computacional (machine vision) – dos sistemas de reconhecimento facial aos veículos autônomos – é fácil nos esquecermos daquelas máquinas que escutam a cidade. Dan Ellis, cientista do Google, chamou a escuta computacional (machine listening) de "o patinho feio" da visão computacional; não existem tantas pesquisas dedicadas à escuta computacional e frequentemente ela é reduzida ao reconhecimento de voz (ELLIS, 2010). Ainda assim, podemos aprender muito sobre processos e epistemologias urbanas a partir do estudo de como as máquinas escutam as cidades; ou, melhor, de como os humanos utilizam máquinas para escutar as cidades. Através da história da escuta instrumentada, podemos acessar a “algorítmica” da cidade, um termo cunhado por Shintaro Miyazaki para descrever os aspectos "vivos, rítmicos, performáticos, táteis e físicos" da cultura digital, em que as estruturas simbólicas e físicas se combinam. Para Miyazaki, o algoritmo vibra "entre códigos e processos da matéria no mundo real" (MIYAZAKI, 2013a). As operações mecânicas de um sistema de trânsito, a vida social de uma biblioteca pública, a superlotação das salas de emergência de um hospital: tudo pode ressoar através da análise algorítmica.

A forma como nos imaginamos enquanto sujeitos ouvintes, enquanto corpos que escutam, informa como damos sentido aos nossos ambientes sonoros. Ao escutarmos a

 
 
 

 

6 Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/stevenpisano/49803130216/>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

cidade, tanto com ouvidos humanos quanto com ouvidos mecânicos, nós a informamos como um tipo particular de corpo ou sistema ressonante e reflexivo. Se estivermos constantemente procurando ouvir e associar sotaques estrangeiros a tiros e vidros se estilhaçando – como fazem alguns sistemas policiais automatizados – iremos imaginar a cidade como um corpo ameaçado que precisa de proteção. Se os bots dos nossos mercados de ações relacionarem o grau de ruído no trânsito à atividade econômica, podemos ficar alarmados com a constatação do silêncio nas ruas. Se, ao invés disso, ouvirmos a cidade em escala macro, como uma ecologia diversificada de recursos, habitats e formas de vida, podemos passar a entendê-la como um sistema dinâmico e vital a ser cuidado para as gerações futuras de humanos e de outras espécies. Quando os sons da pandemia retrocederem, como nossa audição terá sido afetada? Nossas ferramentas de escuta urbana incorporam modos particulares de conhecer a cidade, implicando na forma como a cidade é projetada, administrada, policiada, embelezada e cuidada.

Ou seja, a forma como escutamos a cidade é tão importante quanto aquilo que estamos escutando. Em meio à escalada dos ouvidos artificialmente inteligentes e algoritmicamente afinados, que pautam a cidade conforme suas próprias lógicas computacionais, nós humanos precisamos compreender melhor nossa própria agência sonora, para que possamos fazer escolhas ponderadas sobre como complementar nossa audição com os ouvidos das máquinas. Em um mundo definido pela crise climática, pelo capitalismo de vigilância e pelo colapso periódico da saúde global, precisamos pensar tanto na ressonância de uma cidade quanto na sua resiliência e habitabilidade.

 

 
 

Figura 2 - Diagrama para diagnóstico auditivo do corpo, de Austin Flint e J. C. Wilson

 

Fonte: A manual of auscultation and percussion (1890)7

 

 

 
 
 

 

7 Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/internetarchivebookimages/14584700987/>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

O estetoscópio

Historicamente, as cidades têm sido recorrentemente comparadas a corpos orgânicos. Muitas das ferramentas para examinar as cidades foram desenvolvidas a partir de uma auscultação anterior de nós mesmos. O corpo humano é uma câmara de ressonâncias, cujas qualidades sônicas podem revelar condições de bem-estar. Para diagnosticar um paciente com líquido nos pulmões, Hipócrates recomendava uma técnica chamada de sucessão: "você deve posicionar o paciente em um assento fixo. Um assistente segurará ele pelos ombros enquanto você o sacode, apoiando o ouvido em seu peito, para identificar de que lado vem o ruído" (FINLAYSON, 1892). Em 1761, Leopold Auenbrügger propôs um método ligeiramente menos violento, a percussão, que exigia golpear o corpo e ouvir suas ressonâncias internas para diagnosticar doenças nos pulmões e no coração (ALLBUTT e PAYNE, 1905, pp.35-36).

Mesmo assim, no tempo de Auenbrügger a maioria dos diagnósticos médicos se baseava no testemunho subjetivo do paciente e no exame visual. Não havia necessidade de ouvir profundamente o corpo porque as patologias não eram atribuídas a causas internas profundas, mas a um desequilíbrio dos humores. À medida que as autópsias se tornaram mais amplamente aceitas, estas causas mais profundas passaram a ser reveladas. Como observa Jonathan Sterne:

 

Sem a existência de um aparato ideológico mais amplo apoiando o empirismo, a anatomia patológica e a fisiologia, (...) os médicos entendiam que ouvir o interior do corpo não tinha finalidade prática ou informativa. (...) A percussão (...) só ganhou um papel importante no diagnóstico médico quando o corpo passou a ser entendido como um conjunto de órgãos e funções correspondentes (STERNE, 2002, pp.119-120).

 

O estetoscópio, apresentado por René-Théophile-Hyacinthe Laennec no início do século XIX, marcou uma virada estrutural na história da escuta e da medicina. Ao tratar uma mulher jovem e corpulenta, que "mostrava sintomas gerais de doença cardíaca ao trabalhar", Laennec se deu conta de que o sexo, a idade e a medida da cintura de sua paciente tornavam a "auscultação direta" (pressão do ouvido e das mãos sobre o corpo) "ineficiente". Assim, o médico prosseguiu da seguinte maneira:

Enrolei um pedaço de papel em um tipo de cilindro, pressionando uma das suas pontas na região do coração, e colocando a outra junto ao meu ouvido. Para a minha surpresa e satisfação, descobri que com isso eu poderia perceber a atividade do coração de uma maneira muito mais clara e distinta do que pudera anteriormente, com a pressão do ouvido diretamente sobre o corpo (LAENNEC apud THAGARD, 1999, p.145).

 

 

O tratado De L'auscultation Médiate (Sobre a Auscultação Mediada), publicado por Laennec em 1819, defendia a utilização de instrumentos de "mediação" das percepções do médico para observar os movimentos internos, audíveis, do corpo.

 

 
 

Figura 3 – O estetoscópio de Laennec, em seu tratado sobre a auscultação mediada

 

Fonte: Coleção Wellcome8

 

 

O estetoscópio também mediou uma transição histórica na medicina e nas suas formas de conhecimento. De acordo com Sterne, vários discípulos de Laennec acabaram por cultivar uma "técnica de audição", um modo de observação racional, que foi "instrumental para a reconstrução do corpo vivo como um objeto de conhecimento". A auscultação mediada estabeleceu uma nova distância física entre o médico e o paciente e instituiu o som como uma fonte de informações para a medicina. Buscando validar a escuta como um método científico, os médicos criaram uma taxonomia dos sons internos do corpo, uma "nova semiótica médica", sendo cada som um indício representativo de um movimento específico de líquidos e gases. A auscultação, conforme Sterne, passou a ser entendida a partir de uma "hermenêutica hidráulica e fisiológica" (STERNE, 2002).

A partir daí não seria necessário nenhum outro grande salto para que o modelo do estetoscópio fosse utilizado na escuta de outros sistemas. O filósofo naturalista Robert Hooke já havia imaginado o corpo audível como uma máquina ou uma fábrica:

 

Pode haver... uma chance de descobrirmos os movimentos e as atividades internas dos corpos através do som que fazem, talvez da mesma forma como podemos ouvir em um relógio a marcação rítmica do equilíbrio, o giro dos anéis, a batida dos martelos, o ranger da coroa

 
 
 

 

8 Disponível em: <https://wellcomecollection.org/works/tdqfrvwf>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

e uma profusão de outros ruídos; quem sabe possamos descobrir os movimentos das partes internas dos corpos, sejam animais, vegetais ou minerais, pelo som que fazem. Descobriríamos os trabalhos realizados nos diversos escritórios e alojamentos no interior do corpo de um homem, e assim saberíamos identificar aqueles instrumentos e motores danificados (HOOKE apud REISER, 1978, p.23).

 

O monitoramento das funções do corpo por meio de novos instrumentos técnicos e conceituais exigiu conhecimentos especializados, elevando o status social dos médicos. Ao longo do tempo, instrumentos como espéculos, endoscópios, máquinas de raios X e de ressonância magnética possibilitaram a investigação das causas internas de sintomas externos e a descoberta de enfermidades sem expressão externa (RICE, 2012; DUFFIN, 1999). No entanto, o estetoscópio deve ter um lugar especial nesta história, enquanto o instrumento que registrou primeiramente uma nova forma de conhecer. A auscultação – a escuta mediada – é fundamental para a vida moderna. De fato, Sterne relaciona a instrumentação da medicina ao crescimento das cidades industriais. Segundo ele, "a própria medicina industrializou-se ao ganhar uma estrutura mais racionalizada; ao tomar a forma de uma profissão autoconsciente; ao investir pesado nos discursos da ciência e da razão; e, finalmente, na adoção que fez da tecnologia" (STERNE, 2002, p.101).

 

Figura 4 – À esquerda: mapa dos níveis de ruído de São Francisco (1974). À direita: Medição de ruído em uma estação de trens de Boston (1973)

Fonte: Eric Fischer9 e Agência de Proteção Ambiental dos EUA10

 

 

 

 

 

 

 
 
 

 

9 Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/walkingsf/8226054474>. Acesso: 5 mai. 2020.

10 Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/usnationalarchives/3681591537/>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

O decibelímetro

A profissionalização da arquitetura paisagista e do planejamento urbano não ficaram muito atrás. Os reformadores urbanos do século XIX que retratavam a cidade como um corpo, com seus próprios sistemas circulatórios, respiratórios, nervosos e excretores, inspiravam-se nos discursos médicos da época (MATTERN, 2018a; BORASI e ZARDINI, 2012; FISHER, 2010; SENNETT, 1994; CARR, 2020). Já na década de

1850, os designers uniram forças com as autoridades de saúde para pressionar por medidas de saneamento básico, infraestrutura de remoção de resíduos e tratamento de água, e por amenidades como playgrounds e banheiros públicos. Os parques públicos, "os pulmões da cidade", foram projetados para limpar o "miasma" da sujeira e da deterioração urbana. Mas, assim como os médicos que trocaram a patologia dos humores pela ciência empírica e pela fisiologia clínica, eles também chegaram ao entendimento de que as doenças infecciosas eram causadas por germes e não pela degradação do ar. Os planejadores urbanos do começo do século XX, influenciados por modelos como a Paris do Barão Haussmann, o movimento City Beautiful de Daniel Burnham e as Cidades- Jardim de Ebenezer Howard, conceberam o zoneamento de uso e ocupação do solo como uma forma de "imunizar as populações urbanas contra fatores externos indesejáveis da economia" (CORBURN, 2004).

Conforme os motores de combustão, as buzinas e as sirenes se multiplicaram, a cidade-enquanto-corpo foi se tornando uma "máquina". Defensores públicos alertavam quanto aos efeitos da exposição ao ruído no corpo urbano e nos corpos humanos que nele viviam (MATTERN, 2007; MATTERN, 2017; THOMPSON, 2002). Os habitantes da cidade procuravam descansar em bibliotecas e outros espaços culturais, muitas vezes localizados em ambientes próximos aos parques, afastados da algazarra dos distritos comerciais. Os reformadores urbanos escreveram então as primeiras portarias estabelecendo políticas de ruído e de zoneamento sensível ao som. Em 1906, Julia Barnett Rice, uma médica não praticante, fundou a Sociedade de Supressão do Ruído Desnecessário de Nova York, que fazia lobbies em defesa da implantação de zonas de silêncio em torno dos hospitais da cidade e de uma legislação nacional como a Lei Bennet, que regulamentou os apitos e sirenes dos barcos em portos urbanos (THOMPSON, 2002, p.121). Logo em seguida, o filósofo Theodor Lessing fundou a Associação Alemã pela Proteção contra o Ruído, que convenceu algumas prefeituras a adotar um padrão de

 

pavimentação com atenuação de ruído e a regular os sinais de trens e os barulhos dos martelos a vapor (BIJSTERVELD, 2008, p.101).

A nova máquina administrativa urbana passou a exigir novas ferramentas de regulação da maquinaria dos ambientes. O audiômetro portátil estabeleceu uma medida "subjetiva" para a amplitude sonora: seu operador comparava um som de teste com um tom de referência, que podia ser reduzido até ser mascarado pelo som analisado. Uma tecnologia posterior, o acustímetro, adicionou um microfone, um amplificador e um sinal indicador que tornava desnecessário o julgamento por parte do usuário. Estas novas ferramentas de auscultação urbana foram sendo combinadas com uma nova unidade de medida, o decibel, para produzir as primeiras pesquisas de ruído urbano em Londres, Nova York, Chicago e Washington, ainda na década de 1920. Como observa Karin Bijsterveld, "embora os audiômetros inicialmente tenham sido usados em um contexto estritamente médico, para testar a audição, a cidade acabou se tornando um contexto crucial para o [seu] desenvolvimento e aplicação" (BIJSTERVELD, 2001, p.52).

Este contexto revelou rapidamente as limitações dos esforços para instrumentalizar e objetivar a audição. Os medidores eram incapazes de reproduzir a forma como os ouvidos humanos percebiam a pressão sonora e enfrentavam problemas para acompanhar a flutuação dos sons. Rogers Galt, do Bell Labs, que revisou artigos sobre os sons urbanos para o Journal of the Acoustical Society of America em 1930, enfatizou a natureza subjetiva e a condição conjuntural da percepção auditiva. Ele escreveu que a percepção de um som como ruído dependia do seu tempo de duração e do quanto ele se repetia, da sua estabilidade ou intermitência, de quem o emitia, a quem ele perturbava, e do quanto o som era percebido como algo necessário (GALT, 1930; MOPAS, 2019). O "ruído" era um produto da acústica e também da psicologia.

Se as cidades de fato eram ou não muito barulhentas, a mensuração dos "níveis de ruído", com sua certeza positivista, "se tornou o indício do quão séria era a situação" (BIJSTERVELD, 2001, p.52). As preocupações com a saúde pública só foram levadas a sério depois que a exposição ao ruído pôde ser quantificada. Em sua pesquisa sobre as políticas sonoras de São Paulo, Leonardo Cardoso argumenta que a mensuração aparentemente objetiva produzida pelos decibelímetros resultou na "destituição dos nossos ouvidos enquanto agentes ouvintes oficiais" pois, em última instância, ela condicionou nossa audição ao mundo validado pelos instrumentos. “A partir das repetições minúsculas de uma série de exposições àqueles sons, permitidas graças à

 

validação do [medidor], este ser tecnológico" remodelou nossos próprios instrumentos perceptivos orgânicos (CARDOSO, 2019, p.54). Ficamos afinados com aquilo que a máquina é capaz de detectar.

 

 
 

Figura 5 – Unidade de percepção acústica em uma rua de Nova York

 

Fonte: SONYC11

 

O alcance dos sensores

A quantificação das amplitudes tem um papel ainda maior na definição das atividades urbanas da chamada smart city (MATTERN, 2020a; OFFENHUBER e AUINGER, 2019). Conforme as nossas cidades crescem, cada vez mais filtradas algoritmicamente, datificadas e otimizadas para a eficiência, elas passam a requerer nova instrumentação. O ruído é um alvo comum da escuta computacional, sendo a sua atenuação entendida como uma questão de qualidade de vida (é uma das principais queixas da linha 311 da cidade de Nova York, por exemplo) ainda muito difícil de administrar através de métodos analógicos. Muitas cidades, dentre elas Nova York, Dublin, Sydney, Paris e Singapura, implantaram redes distribuídas de sensores de som para analisar o ruído urbano. O projeto Sounds of New York City (SONYC), executado pelo Centro de Ciência e Progresso Urbano da Universidade de Nova York e desenvolvido em colaboração com os departamentos municipais de saúde, de proteção ambiental e de parques e recreação, promoveu a instalação de dezenas de sensores para "o monitoramento, a análise e a mitigação da poluição sonora"12. Cada conjunto inclui um microfone e um pequeno computador Raspberry Pi, que processa os dados por meio de escuta computacional – especificamente, através de uma inteligência artificial treinada

 

 
 
 

 

11  Disponível em: <https://cacm.acm.org/magazines/2019/2/234354-sonyc/fulltext>. Acesso: 5 mai. 2020.

12 Disponível em: <https://www.newyorker.com/magazine/2019/05/13/is-noise-pollution-the-next-big- public-health-crisis>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

por conjuntos de dados de áudio alimentados por "cientistas cidadãos" voluntários, que são orientados a seguir uma taxonomia dos sons urbanos. O objetivo é extrair "informações significativas" do áudio ambiente, para que as cidades possam identificar e indicar especificamente as fontes sonoras problemáticas, tais como britadeiras, motores defeituosos, climatizadores barulhentos, cães latindo ou buzinas de carro (BELLO et al., 2019; CARTWRIGHT et al., 2019).

A equipe SONYC também projetou uma ferramenta de visualização, a Urbane, que gera um mapa 3D com informações sonoras sobre a cidade ao longo do tempo e as associa a outros fluxos de dados urbanos, para que as administrações locais possam programar mais eficientemente as inspeções aos locais com potenciais violações ao Código de Ruído. Claudio Coletta e Rob Kitchin propõem que tais sistemas podem operar "algoritmicamente", respondendo especificamente aos fluxos e às flutuações urbanas particulares de cada estação, dia de semana e horário. Os designers podem cruzar as leituras de ruído com dados sobre as rodovias, como a contagem de veículos, a velocidade do tráfego, a topologia, dentre outras variáveis, para criar mapas sonoros diurnos e noturnos informativos para definir políticas de redução de ruído. Coletta e Kitchin escrevem que, com isso, observa-se “a operação de um conjunto de algoritmos que medem, processam e analisam o som urbano e seus ritmos” (COLETTA e KITCHIN, 2017).

Os fabricantes da SONYC argumentam que o sistema deve ainda fornecer informações pontuais "àqueles que controlam as emissões sonoras" – mestres de obras, motoristas de caminhão, donos de animais de estimação etc. – incentivando a "autorregulação" (BELLO et al., p.2). A autorregulação é um princípio-chave do "zoneamento de desempenho", que propõe que os moradores urbanos podem fazer o que quiserem em suas casas, empresas e espaços públicos, desde que não excedam o limite de ruído, não produzam emissões tóxicas ou façam outras atividades passíveis de mensuração. Em uma cidade zoneada por padrões de desempenho, a auscultação algorítmica com sensores integrados pode ser um meio de disciplinamento e regulação13 (BAKER, SIPE e GLEESON, 2006). Como Cardoso previu, o panóptico acústico – o

 

 
 
 

 

13 Hoje, muitas cidades combinam medidas objetivas e subjetivas para desenvolver modelos de planejamento acústico e aplicar políticas de redução de ruído: certos tipos de ruído, ou ruídos que produzam certos efeitos, podem ser proibidos, além daqueles ruídos que excedam uma determinada amplitude perante a medição quantitativa (MOPAS, 2019, p.314). Uma queixa contra ruídos também pode ser substanciada através do testemunho narrativo de um residente, por exemplo, de que um grave muito intenso vindo do apartamento do vizinho causa dores de cabeça e náusea - mesmo que a medida do decibilímetro não indique excesso de amplitude do som.

 

panacústico (SZENDY, 2016) – compele o corpo humano a operar de acordo com a lógica da máquina.

Já escrevi em outras ocasiões sobre a convergência do planejamento algorítmico e das "smart cities" com a biometria e a "medicina de precisão" – a incansável busca por cidades otimizadas que cultivem corpos otimizados (MATTERN, 2018a; ROCHA et al., 2019; MOEBUS et al., 2019). Podemos imaginar uma cidade futura em que as qualidades acústicas sejam afinadas computacionalmente, promovendo a saúde física e mental (pesquisadores já propuseram o uso da escuta computacional para monitorar a disseminação do Covid-19 e para garantir o distanciamento social) (SCHULLER et al., 2020). No entanto, especialistas em ética de dados alertam que os preconceitos raciais e de gênero incorporados às nossas máquinas de medição podem agravar as desigualdades assistenciais, assim como já ocorre com a medicina e com a prestação de serviços municipais de moradia e de segurança pública (FERRYMAN e PITCAN, 2018; FISHER, 2016).

A virada em direção ao planejamento algorítmico da cidade espelha o que já vem acontecendo nos consultórios médicos. Alguns profissionais de saúde se preocupam que o desuso do estetoscópio, suplantado pela ecocardiografia e pelos aparelhos de ultrassom portáteis, aumentem o distanciamento físico e afetivo entre médico e paciente. Por outro lado, o antropólogo Tom Rice constatou que alguns médicos se mantêm comprometidos com a auscultação, enquanto um "indicador de uma prática médica solidária e empática" (RICE, 2015). Assim, também poderíamos nos comprometer a projetar a cidade a partir de formas mais empáticas de escuta instrumentada.

 

 
 

Figura 6 – Condicionadores de ar em Singapura

 

Fonte: Peter Morgan14

 

 
 
 

 

14 Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/pmorgan/4173993215/>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

 

Escutando aos sistemas

Nos anos 1960 e 1970, ecologistas acústicos como Raymond Murray Schafer, Barry Truax e Hildegard Westerkamp desenvolveram métodos qualitativos e subjetivos para pesquisar as relações entre os seres humanos e seus ambientes. Eles formaram grupos de pesquisadores de campo para realizar gravações comparáveis do mesmo local ao longo do tempo, inventaram sistemas de notação, desenharam mapas e experimentaram formas alternativas de tornar as informações sonoras visíveis (SCHAFER, 1994; TRUAX, 1978; MATTERN, 2019). Em seu rastro, nas décadas seguintes foram realizadas pesquisas longitudinais sobre os sons, capazes de revelar insights sobre as mudanças climáticas, a extinção de espécies, a urbanização, a gentrificação e outros tipos de transformações ambientais e sociais (BARCLAY, 2017; BURIVALOVA et al., 2019; PAINE, 2018; PORTUS e MCGINN, 2019; RIGHINI e PAVAN, 2019). Em um ensaio publicado postumamente, o sociólogo Henri Lefebvre propôs um método de mediação da percepção física do corpo e da percepção da cidade, prática que chamou de ritmanálise. Para Lefebvre, o ritmanalista deve "escutar primeiramente ao seu próprio corpo; aprender a rítmica dele para, em seguida, apreciar os ritmos exógenos. Seu corpo deve servir como um metrônomo". O corpo torna-se um dispositivo de auscultação mediada; o ritmanalista examina a cidade como um médico o faria, procurando ouvir as "disfunções rítmicas, ou

...a arritmia"15 (LEFEBVRE, 2004, p.19).

Trata-se de uma prática holística, que opera a partir de escalas espaciais e temporais. Lefebvre nos aconselha a "ouvir uma rua, uma casa, ou uma cidade como uma plateia que ouve uma sinfonia" (Ibid., p.22), discernindo o papel de cada agente, ou instrumento, na composição do todo. De tal modo, devemos também ouvir aos sistemas urbanos de habitação, de transporte e de saúde pública, independentemente da sua musicalidade. Para sermos bons monitores destes sistemas (ou mesmo seus intervencionistas), precisamos ser capazes de identificar sons encobertos e padrões desconhecidos, com e sem o uso de máquinas. Enquanto uma pandemia viral assola o

 
 
 

 

15 Para Sara Adhitya, a ritmanálise de Lefebvre era "vista como uma forma de psicanálise e de patologia. Escutando o interior, como um médico, o ritmanalista poderia diagnosticar quais ritmos corporais estavam com mau funcionamento em caso de doença; escutando o exterior, utilizando nossos olhos, ouvidos, memória e coração como medida, nossos ritmos urbanos poderiam ser diagnosticados de maneira semelhante. Mas, para Lefebvre, isso significava mais do que simplesmente escutar à paisagem sonora urbana: seria preciso ouvir uma casa, uma rua, ou uma cidade como se ouve a uma sinfonia, uma ópera. Através da compreensão da função rítmica que cada elemento urbano tem a desempenhar na composição da cidade, as arritmias em nossos ambientes urbanos também podem ser identificadas” (ADHITYA, 2019). Ver também Hällgren (2019) e Castro e Carvalhais (2017).

 

mundo, devemos complementar nossa interpretação das estatísticas de saúde pública com nossos próprios corpos, por meio de uma escuta das ruas e do supermercado.

Usando como exemplo o motor de um carro, Bijsterveld distingue a "escuta de monitoramento", aquela que avisa aos motoristas se os mecanismos internos de um sistema estão funcionando como deveriam, da "escuta diagnóstica", utilizada por especialistas para identificar problemas baseando-se em uma taxonomia de sons anormais (BIJSTERVELD, 2019; BIJSTERVELD, 2014; KREBS, 2012; MATTERN, 2018a).

Estes dois modos de escuta são desempenhados o tempo todo e são cruciais para a manutenção e o cuidado com a infraestrutura técnica e social da cidade (MATTERN, 2018b). Por exemplo, os engenheiros civis escutam às vibrações do ambiente, às excitações harmônicas e à propagação de ondas para detectar vulnerabilidades estruturais em edifícios e pontes em áreas de grande circulação. Instrumentos avançados nos ajudam a ouvir a cidade em escalas que dificilmente poderiam ser ouvidas pelo corpo humano. Os pesquisadores do Laboratório de Escuta de Infraestrutura Alister Smith, da Universidade de Loughborough, utilizam sensores de monitoramento para analisar as "emissões acústicas" de alta frequência dos "ativos geotécnicos" (dutos subterrâneos, fundações, estruturas de retenção, túneis e barragens), para avaliar o seu estado, detectar defeitos e sugerir ações de manutenção (HANS et al., 2006; KURTZ, 2004; LAMAS- LOPEZ et al., 2016).

Este tipo de pesquisa aplicada se relaciona com toda uma tradição de artistas que trabalham com elementos de infraestrutura. No centenário da Ponte do Brooklyn, em 1983, Bill Fontana instalou oito microfones debaixo das estruturas de aço da ponte, transmitindo sons em tempo real para a praça do World Trade Center. Em 1999, Stephen Vitiello passou os seis meses da sua residência artística no 91º andar do World Trade Center, gravando como a Torre Um vibrava e zunia com o vento. Tais obras tornam perceptíveis as tensões físicas microrrítmicas e em macroescala que as infraestruturas suportam, além de amplificar as diferentes funcionalidades das suas técnicas e de seus materiais de construção (MATTERN, 2011). Outros artistas têm estimulado a escuta da infraestrutura técnica das mídias, tais como as redes Wi-Fi, as conexões celulares e os GPS. Desde 2004, Christina Kubisch realiza suas Electrical Walks em dezenas de cidades. Os participantes colocam fones de ouvido projetados especificamente para traduzir os sinais eletromagnéticos em frequências audíveis, revelando as ondas e partículas – geradas por atividades como transações em caixas eletrônicos e movimentos de câmeras

 

de vigilância – que circundam e perpassam continuamente os corpos nas cidades. De forma parecida, Shintaro Miyazaki e Martin Howse utilizam detectores logarítmicos, amplificadores e filtros de ondas para converter o eletromagnetismo em som, revelando os "ritmos, sinais, flutuações, oscilações e outros efeitos de ações discretas no interior das redes invisíveis do 'inconsciente técnico’” (MIYAZAKI, 2013b).

Este trabalho de auscultação da infraestrutura, que busca torná-la perceptível, ajuda-nos a avaliar o quanto de nossa escuta já tem sido realizada por máquinas. Turbinas eólicas, moinhos, freezers, ventiladores e as máquinas restritas alocadas no interior das "salas limpas" de polos tecnológicos e fábricas farmacêuticas informam o seu “bem-estar” a outros agentes do sistema através da constância de seus ritmos e tonalidades. Presume- se que a inteligência artificial seja capaz de prever e prevenir problemas na infraestrutura através de uma varredura que procure pelas idiossincrasias no interior dos sistemas de alta performance16. No campo da análise preditiva, alguns dos agentes não-humanos baseiam-se em conjuntos de amostras de som daquelas máquinas com um desempenho adequado para, a partir delas, aperfeiçoar o seu comportamento. Outros agentes escutam a uma ampla variedade de sistemas, identificando anomalias, para então solicitar que engenheiros humanos os ajudem a analisar e classificar aqueles sons problemáticos. Os humanos também desempenham um papel de mediadores entre a análise sonora automatizada e a solicitação de serviços de emergência de funcionários de manutenção. O gerente de uma estação de tratamento de água que supervisiona a unidade durante uma tempestade violenta pode contar com uma miríade de alertas sonoros para identificar falhas mecânicas e em seguida enviar operários – ou robôs – para consertar os problemas. No futuro, talvez este agente auscultativo seja o único humano no local.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 

 

16 Ver também a empresa Augury, que "combina as bases da gestão de desempenho de ativos (APM) e da manutenção preditiva (PdM) com os mais recentes avanços em inteligência artificial e nas tecnologias de sensores" incluindo aí sensores de vibração, de temperatura, ultrassom e magnéticos. Segundo a empresa, os algoritmos de aprendizagem computacional comparam os dados de suas máquinas a dezenas de milhares de registros em seus bancos de dados cada vez maiores, para detectar anomalias e diagnosticar o mau funcionamento dos equipamentos.

 

 
 

Figura 7 – Projeto de um mecanismo de espionagem para praças públicas, de Athanasius Kircher (1650)

 

Fonte: Musurgia Universalis17

 

 

Ouvindo uns aos outros e a nós mesmos

Às vezes os ouvidos da inteligência artificial da cidade voltam-se para nós. Xiaochang Li e Mara Mills (2019) descrevem o papel histórico dos "retratos vocais" em arquivos criminais. Desde o início do século XX, vozes têm sido gravadas e arquivadas pelos departamentos de polícia europeus e norte-americanos para fins forenses – para auxiliar no reconhecimento de pessoas pela voz e para permitir que investigadores distingam presumidas qualidades entre os perfis criminais18. Atualmente, as agências internacionais de segurança utilizam softwares para testar a correspondência entre amostras de voz de ligações telefônicas e mídias sociais e as "impressões vocais" de um banco de dados compartilhado19. A China tem associado as impressões vocais a cartões de transporte público, ao sistema educacional e de saúde e às cédulas de identidade dos cidadãos20.

O reconhecimento de voz também tem auxiliado investigadores a averiguar álibis e as companhias de seguro a analisar queixas. Presume-se que os softwares de análise de voz multicamadas sejam capazes de detectar mentiras e qualidades afetivas “incriminatórias”, como a vergonha, o excesso de zelo, a ansiedade e a "tentativa de ludibriar" o interrogador. Os softwares carregam, embutidos em si, determinados cacoetes

 
 
 

 

17 Disponível em: <https://archive.org/details/bub_gb_97xCAAAAcAAJ/page/n8/mode/2up>. Acesso: 5 mai. 2020.

18 Disponível em: <https://spectrum.ieee.org/tech-talk/consumer-electronics/audiovideo/interpols-new- automated-platform-will-recognize-criminals-by-their-voice>. Acesso: 5 mai. 2020.

19 Disponível em: <https://slate.com/technology/2012/09/speechpro-voicegrid-nation-voice-recognition- software-for-use-by-law-enforcement.html>. Acesso: 5 mai. 2020.

20 Disponível em: <https://qz.com/1232988/after-faces-china-is-moving-quickly-to-identify-people-by- their-voices/>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

algorítmicos: inclinações, chavões, estereótipos e expressões idiomáticas que agem como "assinaturas auditivas biopolíticas" de identificação individual. Nos escritórios de imigração, a fonética forense serve para examinar os sotaques21 e determinar se eles correspondem às narrativas traumáticas apresentadas junto aos pedidos de asilo22. Trata- se de um ato de despersonalização que, para o artista Lawrence Abu Hamdan, viola o princípio fundamental do habeas corpus, que estipula que o acusado deve comparecer perante o juiz em reconhecimento ao fato de que "a voz é um produto do corpo", cujo valor semântico e forense extrapola a sua documentação escrita e a gravação em áudio. A voz tem um corpo. Ele propõe que os sotaques heterogêneos e vacilantes sejam entendidos como "biografias da migração", composições sonoras que problematizam a identificação do corpo com um único Estado-nação (HAMDAN, 2014; HOUSE, 2017).

Cada vez mais escolas, hospitais, prisões e prefeituras incorporam a análise de áudio como uma forma de realizar monitoramento passivo23. A empresa neerlandesa Sound Intelligence, fundada em 2000, produziu um software que busca por expressões de medo, raiva e constrangimento nas vozes em um determinado ambiente, notificando às autoridades e gravando os sons para fins forenses. Este "detector de agressões" é incorporado a microfones fabricados na Califórnia pela Louroe Electronics e a câmeras de segurança produzidas pela Axis Communications, na Suécia. Tratam-se de produtos comercializados através de catálogos e de eventos promocionais de serviços de vigilância e segurança escolar (a Sound Intelligence também oferece sistemas de detecção e geolocalização de tiroteios e estouros de vidro) (DOCKRAY, 2019; ROA et al., 2018; CARDOSO, 2019b). Apesar de alguns clientes declararem à agência de jornalismo ProPublica que hoje tais produtos são "indispensáveis", os repórteres descobriram que estes sistemas são hipersensíveis e pouco confiáveis. Com frequência, eles interpretam tons de voz um pouco mais ríspidos e estridentes (como aqueles que ouvimos seguidamente em academias e lanchonetes de colégio) como comportamentos agressivos, e às vezes confundem o som de portas de armário batendo com o barulho de tiros24.

 

 

 
 
 

 

21 Disponível em: <https://www.theverge.com/2017/3/17/14956532/germany-refugee-voice-analysis- dialect-speech-software>. Acesso: 5 mai. 2020.

22                 Disponível            em:            <https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2018/04/the-refugee- detectives/554090>. Acesso: 5 mai. 2020.

23 Disponível em: <http://post45.org/2016/02/eavesdropping-in-the-age-of-the-eavesdroppers-or-the-bug- in-the-martini-olive>. Acesso: 5 mai. 2020.

24            Disponível         em:        <https://features.propublica.org/aggression-detector/the-unproven-invasive- surveillance-technology-schools-are-using-to-monitor-students/>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

 
 

Figura 8 – Sistema de vigilância por áudio, da Louroe Electronics

 

Fonte: Louroe Electronics25

 

 

Tais máquinas podem ouvir em macro e microescala, captando desde os murmúrios em uma sala de concerto ou em uma praça pública para, logo em seguida, focar-se apenas nas qualidades granulares da voz de um único indivíduo. Hipoteticamente, uma rede suficientemente grande de ouvidos automatizados é capaz de ouvir na escala de uma cidade inteira, identificando anormalidades para em seguida perscrutar sonoramente a intimidade de um sujeito, discernindo sua identidade, suas intenções, seu humor e sua saúde. O que, mais uma vez, ressalta o papel do julgamento humano. Assim como queremos um médico empático na outra ponta do estetoscópio (e um departamento de saúde robusto, além de uma órgão regulador para definir os termos dessa relação), devemos demandar alguém que empregue metodologias qualitativas para contextualizar os dados do ruído urbano, um engenheiro para interpretar as gravações das vibrações nos dutos subterrâneos, além de exigir que aqueles que buscam asilo e proteção estejam de corpo presente perante um juiz, para que possam se defender com a plena força de suas vozes. As máquinas podem ser utilizadas para ouvirmos em ampla escala, identificando áreas e problemas gerais, mas em seguida devemos aplicar métodos de investigação diversos, localizados e qualitativos. E, em alguns casos, o melhor a fazer é simplesmente não ouvir – deixar que os sons da cidade sejam efêmeros, particulares e impenetráveis.

Sarah Barns (2019, p.227) propõe que reconheçamos a cidade do futuro como uma "área complexa de cognição, computação, desejo e experiência", uma montagem de

 

 
 
 

 

25 Disponível em: <https://www.louroe.com/>. Acesso: 5 de mai. 2020.

 

máquinas e corpos vibrantes, ressonantes, audíveis e ouvintes – incluindo aí os corpos de outras espécies. A cidade polifônica compreende formas muito distintas de sentir e de conhecer, de diagnosticar e de curar a nós mesmos e aos nossos espaços. Talvez as máquinas de ouvir – em vez de cumprirem programações determinadas a extrair informações "significativas" do ambiente sonoro – possam ser recrutadas pelas cidades, por grupos comunitários e artistas para amplificar a rica desordem desta montagem, ou para sublinhar a própria subjetividade das máquinas, ou ainda para nos compelir a ouvirmos a nós mesmos e às nossas máquinas de ouvir.

Voltar a atenção para ecologias mais amplas, em vez de focarmos nos sons específicos, nos ajuda a lembrar que vivemos em meio a uma grande biodiversidade e que a escuta pode ser um meio para nos solidarizarmos com estas ecologias, em vez de controlá-las ou discipliná-las (FAIRBRASS et al., 2019; ELDRIDGE et al., 2015; ELDRIDGE e KIEFER, 2018). Por exemplo, a empresa Sensemaker, sediada em Manchester, projeta kits sob medida para que jornalistas possam reunir eficientemente gravações de áudio e biodados locais, facilitando o fluxo entre as reportagens investigativas e as respostas editoriais26. Estes kits com sensores podem ser usados em investigações sonoras, por exemplo, para averiguar os motivos pelos quais as mariquitas debandaram do parque da cidade, ou para avaliar a significância do aumento dos ruídos de trânsito em um bairro adjacente a um território recém zoneado. Outro exemplo: a compositora experimental Julianna Barwick e a engenheira musical Luisa Pereira criaram uma trilha sonora generativa para o lobby de um hotel de Nova York27, instalando no terraço uma câmera que reportava as condições do ambiente a um computador, disparando sintetizadores em loop e vozes etéreas a partir dos movimentos de pássaros e aviões, da luz da lua e da passagem das nuvens28. Poderíamos imaginar um sistema de escuta computacional que cumprisse um papel composicional semelhante, criando trilhas sonoras que relatassem a situação dos sistemas de trânsito ou da gestão de resíduos.

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 

 

26 Disponível em: <https://medium.com/behind-local-news-uk/using-google-dni-funding-to-help-make- sensory-data-a-practical-tool-for-journalists-e7b503bbd0f5>. Acesso: 5 mai. 2020.

27 Disponível em: <https://www.residentadvisor.net/news/71292>. Acesso: 5 mai. 2020.

28 Disponível em: <https://www.newyorker.com/culture/culture-desk/julianna-barwick-is-using-the-new- york-sky-to-make-music>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

Figura 9 – Captura de tela de um vídeo da Microsoft promovendo o uso de inteligência artificial no trabalho de Julianna Barwick

 
 
 

 

Fonte: YouTube29

 

Outros projetos puxam o freio da escuta computacional ao trazerem à superfície as suas falhas. Laughing Room30, de Hannah Davis e Jonny Sun, e Hey Robot31, da Everybody House Games, são jogos interativos que estimulam os jogadores a aprender e a decodificar a "personalidade" do computador, para em seguida provocar as suas risadas enlatadas e obter outras reações específicas. Ao brincarmos com os erros e as falhas de uma máquina, compreendemos melhor a lógica segundo a qual ela opera, as taxonomias e os conjuntos de dados utilizados no treinamento da sua performance, e os modos pelo quais ela operacionaliza afetos a partir de palavras-chave e de padrões de fala. O nosso riso se torna um meio para auscultarmos à máquina.

E os ouvintes humanos, evidentemente, também erram. Nós alimentamos preconceitos sonoros e mudamos a nossa atenção quando ouvimos a determinados recursos retóricos ou a certas afetações vocais. Somos condicionados por nossa classe, raça e gênero, como pelas nossas histórias pessoais e culturais, para nos afinarmos ou desafinarmos em relação a determinados sons específicos do ambiente: ruídos de trânsito, vizinhos barulhentos, música de rua, ventos uivantes, bebês chorando, sons de animais. Assim como os algoritmos das máquinas, nós também rodamos por aí condicionados por nossas inclinações e pelos nossos conjuntos de dados tendenciosos.

O reconhecimento das lógicas e das ilogicidades dos sistemas automatizados pode nos ajudar a perceber as variáveis que condicionam as nossas próprias práticas de

 
 
 

 

29 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bO-hgEX0xPQ>. Acesso: 5 de mai. 2020.

30 Laughing Room. Disponível em: <https://metalabharvard.github.io/projects/laughingroom/>. Acesso: 5 mai. 2020.

31 Hey Robot. Disponível em: <https://everybodyhousegames.com/heyrobot.html>. Acesso: 5 mai. 2020.

 

auscultação não mediada, além das potencialidades sonoras e auditivas de outros entes com os quais compartilhamos nossos ambientes. Uma escuta distribuída e polifônica pode nos ajudar a avaliar melhor como as nossas ações – fazer música e ruído, construir e conservar infraestruturas, rastrear e monitorar concidadãos, criar espaços acusticamente preparados para que os corpos possam descansar e relaxar – reverberam pelo tempo e pelo espaço, para além do alcance dos ouvidos humanos.

 

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Data de Recebimento: 15/06/2020 Data de Aprovação: 06/07/2020