Um amigo, porém, me adverte de que parece haver uma migração de fantasmas do Norte para o Sul do país como houve outrora de bacharéis e de negros escravos, e há, hoje, de trabalhadores.
Gilberto Freyre, Assombrações do Recife Velho
Introdução
Conflitos políticos encontram-se frequentemente no cerne de transformações culturais, ecológicas, espaciais e sociais que mobilizam o deslocamento populacional. Diásporas, êxodos e migrações afetam a curto e longo prazo culturas e territórios. Mediado pelas ciências sociais, o estudo geo-histórico do espaço tem alcançado questões de ordem diversa: desterritorialização, globalização, mobilidade, patrimonialização, toponímia e urbanização – questões apreendidas pela literatura e pelas artes através das noções de criatividade, memória e imaginação.
Segundo Alex Mahoudeau (2016), nos anos noventa, pesquisas no campo da Geografia e novos paradigmas sobre o espaço nas Ciências Sociais levaram o estudo sobre mobilização espacial a revisar o problema do espaço na análise de movimentos sociais apresentada em décadas anteriores. Até então, as orientações preponderantes quanto às leis do fenômeno social reduziam-no à espacialidade ou ignoravam-na. Nos anos sessenta, o desinteresse pela relação entre espaço e sociedade vinculou-se ao declínio da “geografia regional” e à evolução epistemológica de uma geografia de cunho positivista, que reduziu o espaço a questões de distância e distribuição, fixando-se no reconhecimento dos efeitos do espaço nessa distribuição. Em resposta, a geografia humana devotou-se mais à teoria social, levando a crítica cultural e literária a buscar na geografia histórica novos enfoques sobre o espaço (MAHOUDEAU, 2016).
A partir de Space and Place: The Perspective of Experience (1977), Landscapes of fear (1979), “Espaço, tempo, lugar: um arcabouço humano” (2011) e Romantic Geography: In Search of the Sublime Landscape (2013), Yi-Fu Tuan aprimorou a discussão sobre temas como: a relação da experiência humana com o espaço; a influência da industrialização, urbanização e do tempo na paisagem; a percepção das noções de espaço e lugar; a constituição do espaço mítico e poético; e o sentimento de segurança, medo e pertencimento a determinados lugares.
Concorde ao estudo de Tuan (1979), Michael Mayerfeld Bell arguiu em “The Ghosts of Place” (1997) que fantasmas, descritos como “[...] the sense of the presence of those who are not physically there”, seriam característicos da experiência humana de povos modernos e tradicionais, além de um aspecto onipresente da fenomenologia do lugar (BELL, 1997, p. 813).
Em Ghostly Matters: Haunting and Sociological Imagination (1997), Avery F. Gordon notou que muitas histórias sobre visões espectrais têm o papel de recordar fatos pretéritos que não deveriam ser esquecidos, mas não analisou as implicações dos fantasmas por lugar (BELL, 1997, p. 834), como o fez Michele Hanks em Haunted Heritage (2014), ao avaliar a função do espaço na reconfiguração do fato histórico, confirmando e modificando noções dominantes do passado. Gordon expôs ainda a questão da preservação da memória local, ligada ao turismo e à origem de uma classe profissional para investigar lugares supostamente mal-assombrados.
Relacionados à linha de pesquisa adotada por Gordon encontram-se: The Solace of Fierce Landscapes (1998), de Belden C. Lane; Dakota: A Spiritual Geography (2001), de Kathleen Norris; The Open Space of Democracy (2004), de Terry T. Williams; Subterranean Cities (2005) e Metropolis on the Styx (2007), de David L. Pike; e From Mastery to Mystery: A Phenomenological Foundation for an Environmental Ethic (2014), de Bryan E. Bannon, obras que discutem a influência da cultura, ecologia, história, memória, mitografia e simbolização sobre as ideias de espaço, natureza e urbanização presentes nos discursos científico e literário.
Bárbara Misztal, em Theories of Social Remembering (2003), Paul Cohen, em History and Popular Memory (2014) e Martyn Hudson, em Ghosts, Landscapes and Social Memory (2017) analisaram a origem e função de histórias de fantasmas, legendas e mitos para atenuar memórias emocionais de épocas historicamente conturbadas, bem como a importância e o efeito social dessas histórias na preservação da identidade étnica e cultural de comunidades.
Segundo Tim Edensor (2005b, p. 835), a urgência de explorar lugares mal-assombrados coaduna-se às políticas de rememorar o passado, sobretudo à espacialização da memória e ao modo como memórias evocam e articulam-se ao passado. Nos Estados Unidos, por exemplo, entre os espaços ligados à Guerra Civil, o campo de batalha de Droop Mountain é considerado o lugar a que se relaciona o maior número de histórias de aparições sobrenaturais. De acordo com Rosemary E. Guiley (2024, p. 69-72), em 1928 o local onde sucedeu a batalha foi integrado a um parque estadual seguido da instalação de um museu dois anos depois, com monumentos, túmulos de confederados, artefatos e diversos vestígios arqueológicos relacionados ao conflito.
O historiador militar Terry Lowry devotou um capítulo inteiro de Last Sleep: The Battle of Droop Mountain (1996) aos fantasmas desse campo. Isolado em uma localidade rural, Droop Mountain tem sido cenário de muitos relatos de aparições sobrenaturais, desde o combate de 6 de novembro de 1863. Cabe notar o interesse de Lowry por consultar não só fontes históricas oficiais sobre a batalha de Droop Mountain, mas também fontes orais, das quais obteve relatos de primeira mão de moradores de propriedades vizinhas ao campo, que descreveram aparições de tropas fantasmagóricas, soldados decapitados e sons de combate ao longe durante a noite.
Lowry (1996, p. 2) chamou atenção para o fato de Droop Mountain apresentar divididos entre ambos os exércitos soldados da mesma região, que já se conheciam ou tinham parentesco. Numerosos pais, filhos, irmãos e primos lutaram uns contra os outros em quase todas as partes do campo de batalha. Certamente a maior parte das reminiscências de testemunhas diretas dessa batalha não foi preservada pelas gerações seguintes ou se restringiu à memória familiar de um grupo. Mas é possível que certas histórias de fantasmas fixadas no contexto da batalha de Droop Moutain permaneçam na memória local. Gilberto Freyre explanou como o espaço pode reativar a memória coletiva sobre eventos do passado por meio de “fatos” “difíceis de ser explicados”, mas que se circunscrevem a locais onde houve grandes perdas humanas, como nos exemplos:
Havia na Imbiribeira, além dos Afogados, uma casa que os moradores mais antigos do lugar diziam que era mal-assombrada. Pelo que incumbi em 1929 o repórter policial d’A província de ouvir essa boa gente, moradora de lugar tão sinistro: lugar célebre por fuzilamentos no tempo do Marechal de Ferro. Contaram ao rapaz que ali ocorriam fatos na verdade extraordinários. Difíceis de ser explicados. (FREYRE, 1987, p. 160).
Isso de haver luzes misteriosas nos morros onde houve guerra, aprendi que é crença entre os celtas (...) Descobri crença semelhante entre velhos moradores de Casa-Forte e das imediações do morro do Arraial, no Recife (...) entre os mais velhos – é crença de que aparecem luzinhas misteriosas nos morros onde se travaram encontros da gente luso-brasileira com a flamenga; ou onde a gente luso-brasileira teve seu arraial. Ignoro se continuam a aparecer tais luzinhas. Dizia Josefina Minha-Fé, velha moradora da Casa-Forte e da Casa Amarela, que estava farta de vê-las nas noites de escuro; que eram almas de soldados que haviam morrido lutando; que eram espíritos de guerreiros ali mesmo tombados. Zumbis de campo e não de interior de casa. (FREYRE, 1987, p. 59-60).
Em Narratives in Social Science Research, Barbara Czarniawska (2004, p. 36), arguiu que toda sociedade possui, em qualquer ponto do tempo, uma série de histórias em circulação sobre fatos que necessitam ser transcritos em narrativas com enredo ou enfocados por meio de uma história remota, atribuindo ao campo prescrito coerência e validação. Todo grupo conserva um repertório de histórias apresentadas aos neófitos como forma de acesso ao grupo, repetidas, se possível, em face de seus atores principais, validando, pela reconstituição da história, a ideia de pertença àquela sociedade. Nesse sentido, Alfred Kubin, Edward Scriven, Henry Fuseli, John Downman, John Everett Millais, Joseph Werner, Richard Riemerschmid, Theodore Chasseriau e William Blake perpetuaram histórias de fantasmas das tradições oral e literária em sua arte.
Considerando aspectos históricos e literários de obras vinculadas à sociologia, literatura e memorialística, este artigo pretende analisar referências a espaços considerados sobrenaturais em Assombrações do Recife Velho (1955), de Gilberto Freyre; O Cara de Fogo (1969), de Jayme Griz; e Baú de Ossos (1972), de Pedro Nava. Nascidos na mesma geração, os três autores coligiram relatos e dados da história local, regional e nacional. São dados históricos procedentes de fontes escritas e orais, mesclados a elementos ficcionais, comentários e reminiscências dos próprios autores. Assim, certo espaço “mal-assombrado” pode ser lembrado simultaneamente por meio de fontes oficiais, do testemunho pessoal ou de casos enraizados na memória coletiva.
Os relatos dos conterrâneos Freyre e Griz se complementam: o primeiro descreveu casos que aludem ao processo de urbanização do Recife na fase de transição do Império para a República; nesse período sucedem os casos de O Cara de Fogo, época em que os senhores de escravos da Zona da Mata pernambucana se fixam nas cidades, tendo vendido terras e engenhos arruinados para emergentes usinas mecanizadas. Os relatos sobrenaturais de Baú de Ossos ocorrem na mesma época, porém em Minas. Tal como Griz, Nava retratou espaços de economia rural e escravocrata e, a exemplo de Freyre, espaços urbanos inóspitos ou em desenvolvimento.
Analisando aspectos históricos, literários e sociológicos da noção de espaço nos relatos de Freyre, Griz e Nava, este artigo pretende discutir histórias de fantasmas como representações do passado, transmitidas por meio de narrativas assentes em memórias pessoais e coletivas. O objetivo é comentar, a partir de estudos de Avery Gordon e Yi-Fu Tuan, como tais relatos unem vários discursos para associar interpretações de fatos marcantes ao valor simbólico dos lugares.
Três memorialistas de espaços assombrados
Autores brasileiros contemporâneos de renome, Gilberto Freyre (1900-1987), Jayme de Barros Griz (1900-1981) e Pedro Nava (1903-1984) trouxeram histórias da cultura popular para seus escritos. As narrativas concernentes ao sobrenatural em Assombrações do Recife Velho, O Cara de Fogo e Baú de Ossos apreendem relatos da cultura popular oriundos de fontes diversas da oralidade, porém indicativos de que a memória social é uma das cariátides do vasto edifício da tradição. As três obras apresentam relatos coligidos de fontes orais em algum momento, dado que os autores realizaram estudos nesse campo: Freyre, como sociólogo; Griz, como folclorista e Nava, como memorialista. Os relatos possuem ainda um componente pessoal, proveniente de recordações de infância, lembranças e até mesmo experiências pessoais dos próprios escritores, a exemplo de um episódio referido por Nava em Balão Cativo (1973) e Chão de Ferro (1976):
Fui cúmplice de e cometi no colégio vários crimes perfeitos. (...) Quem? jamais desconfiou do autor das pedradas no sino de bronze do térreo (que víamos das janelas de cima do poço de ventilação) que assim gongava madrugada alta. Pois era eu e só parei a brincadeira na noite em que divisei, embaixo, olhando para mim, um velho majestoso, barbas brancas, olhos muito azuis e sobrecasaca fosforescente. Na hora, bem que pensei que fosse o fantasma de Dom Pedro II. Depois vi que isto era besteira, que aquilo só podia ser o Seu Nélson, entrevisto na escuridão. Há pouco li que os sinos do Internato e do Externato só serviam para anunciar a entrada, na Rua Larga de São Joaquim ou no Campo de São Cristóvão, do patrono da nossa Casa. Tive um arrepio retrospectivo: eu tinha visto, claramente vista e invocada por mim, a Sombra Augusta do Imperador. (NAVA, 1977, p. 328).
Tudo dormia – colegas, Salatiel, Pires Ventania. Pé ante pé eu saía, experimentava meu pavor nas barrancas da escadaria – que súbito vórtice parafusava em trevas abissais. Ia debruçar no abismo do Poço de Ventilação. Embaixo, o sino de bronze. Foi quando tive a ideia de fazê-lo mugir a pedrada e disso resultou (já o contei no meu Balão Cativo) ver aparecer, lá embaixo, a Sombra Augusta de Dom Pedro. Até que nessa noite voltei tiritando para minha cama, dormi, tive o sonho da escada e no dia seguinte fui internado na Enfermaria todo eriçado e pegando fogo. (...) Como foram tantos! tantos! Meus pervagares no dormitório... (NAVA, 1976, p. 61).
Da aparição do “fantasma de Dom Pedro II” emergem, como por planos consecutivos e superpostos: a história do célebre Colégio, a função dos “sinos do Internato e do Externato”, o retrato de parte das ruas antigas e do complexo arquitetônico da Zona Norte do Rio do Janeiro, e costumes remanescentes do Segundo Reinado que permitem ao leitor vislumbrar uma cidade já inexistente, acessível apenas pela literatura, memorialística, historiografia e crônica histórica.
Tomando de empréstimo as palavras de Alfredo e Afonso de Escragnolle Taunay (1932, p. 37), “[...] a lembrança augusta do Sr. Pedro II, perpetuando tradições que não morrem, nem podem morrer”, sugere nesse episódio das Memórias o aspecto evanescente da interpretação do registro histórico de cada época. Relatos sobrenaturais interpretam e transmitem a memória histórica local. A reputação de mal-assombrado confere ao lugar certa mensagem cultural e as narrativas que a veiculam podem ser pensadas na acepção de uma história oral particularizada.
Freyre (1987, p. 8) transcreveu a história dos sobrados e logradouros mal-assombrados da capital pernambucana “[...] para o estudo de um aspecto meio esquecido do passado recifense: aquele em que esse passado se apresenta tocado pelo sobrenatural. Pelo sobrenatural mais folclórico que erudito, sem exclusão, entretanto, do erudito”. Perpetuadas na literatura oral e na escrita, as histórias de locais mal-assombrados subsistem em períodos e locais específicos, devido ao impacto cultural e histórico que um evento alcançou para repercutir entre gerações.
Assim, as “visagens” das histórias reunidas por Freyre: o Boca-de-Ouro; o “lobisomem doutor” de sobrado do Poço da Panela; as luzes misteriosas nos morros; “o fantasma de Branca Dias”; as “moças nuas no meio das águas da Prata”; os coches misteriosos que transitam à meia-noite, à semelhança do “[...] que há anos levara ao cemitério de Santo Amaro certo titular do Império”; almas de afogados, de suicidas, de “criminosos arrependidos de seus crimes”; o “homem de sobrado” tornado Papa-Figo; viscondes e barões encantados e assassinados ou até perseguidos pelo diabo; “o próprio Espírito das Trevas”; senhores “de terras fecundadas não só com suor como também com sangue de negro” “e fantasma também de inglês, todo de dólmã branco, sapatos como os dos ingleses jogarem tênis” são aparições que o autor preferiu definir:
[...] em ambientes e em circunstâncias próprias do Recife: os de sua condição de cidade não só situada à beira mar como cortada por dois rios; de burgo por algum tempo judaico-holandês e não apenas ibero-católico; de capital de província e de estado depois de ter sido simples povoação de pescadores; de sede de vários conventos; de centro de atividades culturais importantes; de grande mercado de escravos trazidos da África; de espaço urbano caracterizado por sobrados de tipo esguio, de feitio mais nórdico do que ibérico: provável influência holandesa ou norte-europeia sobre sua arquitetura. (FREYRE, 1987, p. 8).
Se as assombrações descritas por Freyre refletem aspectos particulares da arquitetura, colonização, folclore, economia, história, mitografia, organização social, política, religiosidade e toponímia da capital pernambucana, os “malassombros” de O Cara de Fogo são expressões desses mesmos aspectos, centrados porém nos “ambientes e circunstâncias próprias” da região canavieira da Zona da Mata de Pernambuco. Ainda que reportem a eventos trágicos e violentos, situações de abandono, assassinato, discriminação, suicídio, transgressão de leis sociais e das que regem as relações do homem com a natureza, as assombrações de Griz constituem, além de histórias sobre experiências individuais traumáticas, o retrato de um modelo socioeconômico que expirou gradativamente com a crise do açúcar e as políticas abolicionistas do século XIX.
Nas palavras do contador de histórias de “O fantasma negro do bueiro da usina Cucaú”, Griz (1969, p. 93) delimitou esse modelo com precisão, situando-o: “[...] desde antes do banguê até a botada da usina, aí pelos fins do século passado”. Considerando-se esse paradigma, certos espaços de O Cara de Fogo são assombrados pela ruína de antigos engenhos, os que tiveram
[...] as crises. As doenças da cana. O açúcar de outras terras atrapalhando o nosso (...) casa-grande de tijolo e cal e uma capela onde um padre, nos bons tempos, rezava missa num domingo de cada mês, viajando de liteira do engenho (...) crise de braços e de trabalho com o desmantelo trazido pela libertação dos negros (...) E essas duas histórias, seu moço, vêm a ser depois uma só: A que fala dos banguês de ontem e das usinas de hoje. Do banguê a vapor foi um salto p’ro meio-aparelho e o engenho-central, ou usina, que o Governo desse tempo ajudou com auxílio a se desenvolver, visando melhorar o processo de moagem e de fabricação de açúcar. Isso vale como parte da história do açúcar na nossa terra (...) Pra não ir muito longe, eu vou dizer por cima o que foi essa coisa no passado. Não foi nem mais nem menos do que a passagem da era do banguê pra era da usina. (GRIZ, 1969, p. 95-99).
Engenhos históricos, tais como Aratinga, Barbalho, Camivou, Cocaupe (Usina Cucaú), Gigante, Gravatá e Liberdade, com casa de moagem, casa de farinha, “botija com dinheiro de defunto”, “dinheiro enterrado na casa-grande do engenho ou na capela”, estribaria, liteira para as viagens da Sinhá, “mão-de-pilão batendo na peça de pilar” e “velha casa-grande”, povoados cercados de pequenos sítios, em que aguardenteiros, barraqueiros, cambiteiros, cargueiros, carpinas, carreiros, comboeiros, destiladores, escravos, estribeiros, farinheiros, fornalheiros, negociantes de rapadura, mestres de açúcar, moendeiros, mucamas, sentinelas e vigias cultivavam “roçados de milho, feijão e mandioca”, “[...] até que o senhor de engenho, atormentado pelas constantes crises do açúcar, cansaço de suas terras e declínio crescente dos banguês com o advento das Usinas, vendeu sua velha propriedade, ausentando-se da região, deixando [o engenho] (...) de fogo-morto” são os espaços mais referidos por Griz (1969, p. 69).
As assombrações dos contos de Griz (1969, p. 97) surgem com: “[...] a derrubada de velhas construções do engenho: estribarias, senzala, destilaria, casa de moagem, isso depois de retirada a ferragem: tachas, moendas, fôrmas de purgação de açúcar, caldeira do vapor, etc.”, sempre reavivando a memória do espaço em que são vistas: o fantasma da Conha, “no abandono e no êrmo do seu sítio”; o fantasma do maquinista, na estrada onde “um trem de carga virou na Volta dos Bambus”; o fantasma da mata do Chareta, no local do enforcamento; “a assombração da usina”, no bueiro do engenho Cucaú; a “abusão de João-Perdido”, nas matas do Mearim; e o cavalo fantasma, “na estrada do engenho Barbalho”. Segundo um dos narradores de Griz:
Os senhores de terras e de escravos, muitos deles morreram de raiva e de desgosto. Uns sumiram do lugar, pra longe. Outros emperraram no orgulho da riqueza passada e não arredaram o pé de suas terras e casas-grandes. Escondidos e acuados como bichos dentro dos casarões, dava que falar ao povo aquele jeito de viver de gente rica e luxenta desse tempo. Depois veio a era das usinas para acabar de vez com a soberba desses senhores de ontem. Mas muitos desses senhores não venderam suas riquezas de terras e casas-grandes, não. Nelas ficaram e muitos deles nelas morreram. E foi esse o caso do senhor do sobrado [que] (...) virou malassombrado. (GRIZ, 1969, p. 167-168).