Do passado ao futuro glorioso: discursividade em propagandas ditatoriais no Brasil e em Portugal


resumo resumo

Elisa de Magalhães e Guimarães
Michel Marques de Faria



Introdução1

No presente artigo, temos por objetivo apresentar uma análise das formas como o futuro e o passado são mobilizados na propaganda de regimes ditatoriais, em uma tensão entre um passado considerado glorioso e um futuro tido como promissor. Procuramos, também, discutir as condições de produção que autorizam a formulação de determinados dizeres sobre o futuro pelas ditaduras militar e varguista, no Brasil, e sobre o passado pelo regime salarazista, em Portugal - ao mesmo tempo em que interditam a mobilização do futuro na propaganda oficial portuguesa, bem como a do passado na propaganda brasileira. Para isso, nos valemos do quadro teórico-metodológico da Análise do Discurso materialista desenvolvida inicialmente por Michel Pêcheux (doravante, AD).

Nossa pesquisa tem como ponto de partida outro trabalho produzido por um dos autores no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Unicamp acerca dos sentidos do enunciado “O Brasil é o país do futuro”2, cuja autoria é frequentemente atribuída ao romancista e biógrafo austríaco Stefan Zweig. Em 1941, Zweig lançou o livro Brasil, país do futuro (1941). Cristalizado como “O Brasil é o país do futuro”, o enunciado que dá título ao livro instaura uma nova discursividade sobre o Brasil, sendo retomado repetidamente ao longo da história brasileira, de forma que o tomamos, no escopo deste trabalho, como um discurso fundador (ORLANDI, 2003a, 2003b).

O trabalho supracitado foi realizado dentro do âmbito da História das Ideias Linguísticas e tinha como objeto de estudo a forma como o enunciado “O Brasil é o país do futuro” foi mobilizado na página sobre o Brasil da enciclopédia virtual humorística do tipo wiki “Desciclopédia”. Na página, em uma seção de citações sobre o Brasil, o enunciado em questão era atribuído ao cantor e compositor Renato Russo, da banda Legião Urbana, em uma referência à última estrofe da canção 1965 (Duas Tribos). Lançada em 1989, a canção faz, em sua letra3, alusão à ditadura militar brasileira (1964-1985). Para melhor compreender como o enunciado “O Brasil é o país do futuro”, da forma como aparece na canção da Legião Urbana, se constitui em uma coisa-a-saber (PÊCHEUX, 2015) sobre o Brasil na Desciclopédia, foi realizada uma pesquisa por propagandas institucionais do período da ditadura militar que mobilizassem o enunciado ou o imaginário do Brasil como um país do futuro. Chegamos a um total de cinco imagens, dentre as quais estão cartazes, peças publicitárias de revistas e a capa de um álbum de figurinhas.

Já durante a elaboração deste artigo, pensamos que seria produtivo expandir a pesquisa para peças de propaganda institucional de outro período ditatorial brasileiro: a Era Vargas (1930-1945), oficializada como um regime ditatorial com a instauração do Estado Novo, em 1937. Afinal, foi durante o Estado Novo que Zweig lançou seu Brasil, país do futuro, e, segundo seu próprio biógrafo, há suspeitas de que o autor estivesse diretamente a serviço do Departamento de Imprensa e Propaganda, tendo trocado o livro pelo visto de residência no Brasil (DINES, 2012). Embora o futuro não seja um elemento tão constante na propaganda varguista quanto na propaganda do período militar, encontramos, pelo menos, um cartaz em que o futuro aparece como elemento central.

Em seguida, realizamos uma pesquisa por peças de propaganda institucional do Estado Novo português (1933-1974). Nosso objetivo era descobrir se o futuro também era um elemento central de peças produzidas e postas em circulação em uma formação social governada por outra ditadura de orientação fascista com semelhanças tanto com a ditadura varguista quanto com a ditadura militar brasileira. Nosso interesse recaiu sobre Portugal por dois motivos principais: pelo fato de o Estado Novo português ter perdurado por toda a Era Vargas e por boa parte da ditadura militar brasileira, e pela relação de ex-metrópole colonial que o país tem com o Brasil.

Com exceção de uma peça4, notamos a ausência de elementos que remetem ao futuro. Em vez disso, observamos uma prevalência de imagens e textos que remetem ao passado e à tradição portuguesa em seis das peças encontradas, sendo elas cinco cartazes e uma ilustração de capa de livros de história portuguesa para crianças.

Por uma questão de limite de espaço, traremos aqui uma análise do cartaz varguista mencionado anteriormente, de duas peças de propaganda da ditadura militar brasileira, e de duas peças do Estado Novo português. Porém, optamos por descrever todo o nosso processo de pesquisa para que se saiba que o funcionamento discursivo que identificamos não está presente apenas nas peças de propaganda reproduzidas a seguir, mas trata-se de uma regularidade em nosso corpus.

1. Língua, Materialidade Significante e História: questões indissociáveis para uma teoria materialista do discurso

Nossa inscrição teórica nos leva a habitar a teoria da AD para compreender a relação língua-história, ou materialidade significante-história, que produz efeitos no modo de compreensão da produção de sentidos. Outrossim, nos parece importante demarcar que a AD não é mera ferramenta, mas comparece e nos orienta já nos primeiros gestos de leitura. Nas palavras de Verli Petri (2013):

 

A Análise de Discurso, é bem verdade, não tem uma metodologia única e facilmente descritível, como as áreas mais formais da ciência linguística dizem ter; mas isso não significa não ter metodologia de análise, bem como não significa que qualquer um sob um pretexto qualquer possa desenvolver um dispositivo teórico-analítico em Análise de Discurso. (PETRI, 2013, p. 41).

 

Desse modo, compreendemos que “a linguagem tem uma espessura própria, que os sentidos são produzidos, daí sua não transparência” (MARIANI, MOURA & MEDEIROS, 2011, p. 294). Por outro lado, é igualmente necessário respeitar a teoria, como nos assevera Petri (2013), de tal forma que se conheça “bem as noções teóricas e, com isso, poder mobilizar tais noções constituindo uma análise do discurso em questão” (p. 41).

A AD nasce como uma ciência de entremeios a partir de deslocamentos e reterritorializações realizados por Michel Pêcheux da Linguística, do Materialismo Histórico e da Psicanálise, na segunda metade dos anos 1960. Em sua Análise Automática do Discurso, publicada originalmente em 1969, Pêcheux vai ao Curso de Linguística Geral e nos dá dois aportes teoricamente valiosos para a constituição de uma teoria discursiva: a passagem de função para funcionamento das línguas e a própria noção de língua. Diz Pêcheux (2019, p. 18): “a partir do momento em que a língua deve ser pensada como um sistema, deixa de ser compreendida como tendo a função de exprimir sentido; ela se torna um objeto do qual uma ciência pode descrever o funcionamento”.

Assim, em AD, a noção de língua ganha outros contornos: “a língua tem sua unidade, sua própria ordem, com a diferença que não é um sistema perfeito, nem uma unidade fechada: a língua é sujeita a falhas e é afetada pela incompletude” (ORLANDI, 2009, p. 12). É pela possibilidade da falha (do escape, do deslize, do deslocamento) que o discurso entra em curso, fazendo com que os sentidos se movam, que as palavras signifiquem de diferentes formas.

Pêcheux também coloca em questão a noção de sujeito. Retomando a teoria da interpelação ideológica dos indivíduos em sujeitos, desenvolvida por Althusser (1987), segundo o qual “a evidência de que você e eu somos sujeitos (...) é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar” (p. 94), e reterritorializando conceitos althusserianos, Pêcheux (1995) concebe o sujeito como ideologicamente interpelado,

 

constituído sob a evidência da constatação que veicula e mascara a “norma” identificadora: “um soldado francês não recua”, significa, portanto, “se você é um verdadeiro soldado francês, o que, de fato, você é, então você não pode/deve recuar”. Desse modo, é a ideologia que, através do “hábito” e do “uso”, está designando, ao mesmo tempo, o que é e o que deve ser, e isso, às vezes, por meio de “desvios” linguisticamente marcados entre a constatação e a norma e que funcionam como um dispositivo de “retomada do jogo”. É a ideologia que fornece as evidências pelas quais “todo mundo sabe” o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc., evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado “queiram dizer o que realmente dizem” e que mascaram, assim, sob a “transparência da linguagem”, aquilo que chamaremos o caráter material do sentido das palavras e dos enunciados. (ibidem, pp. 159-160).

 

As evidências ideológicas são produzidas historicamente e estabilizadas em uma memória social e discursiva não por meio de sua mera repetição, mas por uma regularização regida por paráfrases e práticas sociais, “em uma oscilação entre o histórico e o linguístico” (ACHARD, 1999, pp. 15-16). Tal movimento de produção e estabilização dos sentidos, porém, é apagado para o sujeito pela ideologia.

Vemos, então, que o discurso e os processos de produção de efeitos de sentido são entendidos, na AD, como historicamente determinados. Os dizeres têm uma historicidade, que não deve ser entendida como um contexto, como algo externo, mas que “se constitui já na própria tessitura da materialidade linguística” (ORLANDI, 2008, p. 33).

Entretanto, não é apenas a língua que deve ser entendida em sua relação com a história. Orlandi (1995) nos lembra que a AD “restitui ao fato de linguagem sua complexidade e sua multiplicidade (aceita a existência de diferentes linguagens) e busca explicitar os caracteres que o definem em sua especificidade, procurando entender o seu funcionamento” (p. 35). As diversas linguagens, ou materialidades significantes - “a palavra, a imagem, o gesto, a musicalidade, o aroma, a cor, o enunciado, a cena, o corpo, a melodia, a sonoridade, enfim, diferentes relações estruturais simbolicamente elaboradas” (LAGAZZI, 2017, p. 36) - devem ser entendidas como uma necessidade histórica. Afinal, uma vez que as linguagens - sejam elas verbais ou não - são fundamentalmente marcadas pela incompletude, por uma falta que torna sempre possível a existência de sentidos outros, “[é] no conjunto heteróclito das diferentes linguagens que o homem significa” (ORLANDI, 1995, p. 40).

Partindo desse pressuposto, Lagazzi (2011) propõe a expansão do quadro teórico-metodológico da AD para a análise de materialidades significantes diversas, levando em conta suas especificidades. Conforme a autora:

 

Assumindo que o discurso se constitui na relação entre a língua e a história, propus falar do discurso como a relação entre a materialidade significante e a história para poder concernir o trabalho com as diferentes materialidades e reiterar a importância de tomarmos o sentido como efeito de um trabalho simbólico sobre a cadeia significante, na história. Materialidades prenhes de serem significadas. Materialidades que compreendo como o modo significante pelo qual o sentido se formula. (ibidem, p. 401).

 

Contrariando outras teorias linguísticas e semiológicas que apontam para uma suposta “assepsia do não-verbal” (ORLANDI, 1995, p. 36), para a AD, “a imagem, a relação entre sua materialidade significante e a história, abre para a possibilidade de deslocamento porque expõe o sujeito aos sentidos, abrindo para diferentes processos de identificação” (LAGAZZI, 2011, p. 409). Uma vez que peças de propaganda como as reproduzidas neste trabalho produzem sentido não apenas pelo verbal, mas também pelo imagético, na análise de nosso corpus, faz-se necessário que tomemos também as imagens como ideologicamente marcadas e capazes de produzir efeitos de sentido historicamente determinados.

 

2. Entre atualidade e memória: as condições de produção do(s) discurso(s)

Lagazzi (2011) explica que a relação entre significado e significante é sempre perpassada pela história e pelas condições de produção do discurso. O sentido é produzido “sobre uma base material sempre em condições que determinam essa produção” (p. 402). Ao discutir a forma como a noção de condições de produção é abordada em diversos textos da AD, Courtine (2009) ressalta que

 

O caráter heterogêneo e instável da noção de CP [condições de produção] de um discurso faz dela, nessa perspectiva, o lugar onde se opera uma psicologização espontânea das determinações propriamente históricas do discurso (o estado das contradições de classe em uma conjuntura determinada, a existência das relações de lugar a partir das quais o discurso é considerado no centro de um aparelho, o que remete a situações de classe) que ameaça continuamente transformar essas determinações em simples circunstâncias em que interajam os “sujeitos do discurso”, o que equivale também a situar no “sujeito do discurso” a fonte de relações de que ele é apenas o portador ou o efeito. (pp. 51-52)

 

De uma perspectiva discursiva, portanto, é imprescindível que o sujeito seja tratado como um sujeito histórico, muito embora possa ser afetado por variáveis psicologizantes. Da mesma forma, as condições de produção nunca devem ser entendidas como um mero contexto empírico no qual interagem dois sujeitos-fonte do dizer. A produção de sentidos passa sempre pela forma como os dizeres “se constituem, como se formulam e como circulam (em que meios e de que maneira; escritos em uma faixa, sussurrados como boato, documento, carta, música etc.)” (ORLANDI, 2001, p. 12). Tal processo de constituição, formulação e circulação, nos termos de Orlandi (ibidem), é historicamente determinado.

Para pensar, pois, o processo de produção de sentidos, é preciso ter em vista alguns conceitos que nos permitem, em um funcionamento pendular (entre teoria e análise), percorrer os fios do discurso e compreender a constituição, a formulação e a circulação dos sentidos historicamente determinados: é preciso lançar mão do mecanismo das condições de produção. Podemos dizer que tal mecanismo funciona em duas ordens, conforme Orlandi (2013): estrita e ampla. Assim, ao pensarmos as condições de produção em seu sentido estrito, devemos levar em consideração o contexto imediato que cria a possibilidade da formulação do dizer. Fazem parte do contexto imediato pensar onde é dito tal discurso e quem diz tal coisa. São, pois, as circunstâncias que permitem tal enunciação. Também funcionam no contexto imediato: a) as relações de sentido, b) as relações de força, e c) as antecipações. Podemos dizer, então, que ao passo que um discurso se relaciona com outro(s), é preciso também considerar que o lugar do qual se fala é constitutivo daquilo que se diz. Nesse jogo discursivo, em que há sempre a possibilidade de deslizes, equívocos, falhas, há também a possibilidade de o sujeito colocar-se no lugar de seu interlocutor e assim dizer de um modo e não de outro, a partir do efeito de sentido que pensa produzir.

Já no sentido amplo, as condições de produção dizem respeito ao contexto sócio-histórico e ideológico. É nesse sentido amplo, ou ainda, é por ele que, analiticamente, observamos mais detidamente o funcionamento, a história e a memória discursiva, ou seja,

aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os "implícitos" (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível” (PÊCHEUX, 2019, p. 52).

 

Pêcheux nos dá o seguinte exemplo para pensarmos o funcionamento das condições de produção:

 

o deputado pertence a um partido político que participa do governo ou a um partido da oposição; é porta-voz de tal ou tal grupo que representa tal ou tal interesse, ou então está ‘isolado’, etc. Ele está, pois, bem ou mal, situado no interior da relação de forças existentes entre os elementos antagonistas de um campo político dado. O que diz, o que anuncia, promete ou denuncia, não tem o mesmo estatuto conforme o lugar que ele ocupa; a mesma declaração pode ser uma arma temível ou uma comédia ridícula segundo a posição do orador e do que ele representa, em relação ao que diz. Um discurso pode ser um ato político direto ou um gesto vazio, para ‘dar o troco’, o que é uma outra forma de ação política. (ibidem, p. 33)

 

Pêcheux nos ensina que as condições de produção mesclam o jogo de imagens na qual o sujeito está submetido e a situação histórica que é determinada. É quando o discurso faz funcionar as formações imaginárias que compreendem relações de sentidos, isto é, “o discurso se conjuga sempre sobre um discurso prévio” (ibidem, pp. 33-34). Assim sendo, um discurso aponta para outros discursos que o sustentam.

Todas essas questões apontam para a constituição das condições de produção de um discurso e, consequentemente, como ele irá significar. De outro modo, podemos dizer que, a partir das condições de produção (bem como do inconsciente, das falhas no processo de interpelação etc.), a língua se oferece ao equívoco e os sentidos transbordam. Disso decorre que “um discurso é sempre pronunciado a partir de condições de produção dadas” (ibidem, p. 33). Buscaremos, a partir do percurso teórico apresentado na presente seção, realizar nosso gesto de leitura do material apresentado e, assim, guiar o leitor pelas análises que realizaremos nas seções seguintes. Nessa seara, enquanto analistas de discurso, concordamos com Petri (2013, p. 46) que nos lembra da importância de se instalar “no interior do mesmo do espaço discursivo para dali compreender a produção de sentidos” (PETRI, 2013, p. 46). Instalar-se no espaço discursivo é, para o analista, importante para o gesto de leitura a ser empreendido e se configura como uma forma de não se render “aos efeitos sedutores das evidências que são postas como tais no e pelo discurso” (PETRI, 2013, p. 46). É, pois, nesse processo que instalamos, também, nosso gesto de leitura e damos início ao movimento pendular entre teoria e análise, na medida em que

 

por um instante, então, o analista suspende o pêndulo e, imediatamente depois, passa a acompanhá-lo nas idas e vindas da teoria para a análise, perpassando de diferentes maneiras os elementos constitutivos do corpus, com suas opacidades, com suas resistências, com suas porosidades, com sua densidade, com sua incompletude constitutiva. (PETRI, 2013, p. 47)

 

Com isso, nas seções seguintes realizaremos nosso movimento pendular entre teoria e análise e, na medida do possível, recuperaremos o que fora exposto na presente parte de nosso trabalho para empreender nosso gesto de leitura e análise. Ademais, sempre que necessário, aportaremos outras questões teóricas que se fizerem presentes no material analisado.

 

3. Propagandas que significam na (e pela) história

Pêcheux (2011) recorre a alguns elementos históricos que, para o autor, parecem tocar na questão da propaganda. Assim, afastando-se de considerações morais ou técnicas, o filósofo francês enceta uma análise de elementos e questões que funcionam na significação das diferentes propagandas, sejam elas ligadas aos governos capitalistas ou aos socialistas. Para esboçar suas questões, Pêcheux recorre a Pétain e Tchakhotin. Focaremos, aqui, em dois pontos fulcrais para a análise que se desdobrará à frente. Primeiramente, a partir de Pétain, Pêcheux nos diz que “a propaganda é, pelo menos desde Napoleão, um negócio estratégico, um elemento indispensável no prosseguimento das operações militares contra o inimigo exterior” (PÊCHEUX, 2011, p. 73). Isso significa, e aqui retomamos brevemente Orlandi (2017, pp. 107-108), “manter a retaguarda, suscetível que é à contra-argumentação, em estado belicoso”. Se esse, nos parece, é um funcionamento relativo aos períodos de guerras, uma pergunta que se levanta é: como se dá o funcionamento em períodos ditatoriais?

Pêcheux resume, de forma esquematizada, três teses que são “as bases e as consequências práticas da bio-psicologia da propaganda” (PÊCHEUX, 2011, p. 78). As três teses, extraídas do trabalho do especialista em propaganda Tchakhotin, são levadas a cabo por Pêcheux para que o autor possa deslocar os debates de “contradições psicológicas da consciência humana” para as “formas históricas de assujeitamento do indivíduo” (ibidem, p. 80).

Assim, temos, pois, a entrada da história e, mais especificamente para Pêcheux, o esboço das bases históricas da política de propaganda no desenvolvimento capitalista. Uma pergunta importante de ser realizada, e já considerando os objetos de estudo do presente trabalho, é: como a história vai trabalhar na significação de propagandas políticas? Por fim, vale pontuar uma última questão: o que nos interessa destacar das análises empreendidas por Pêcheux é o fato de termos um funcionamento da língua de Estado. A língua de Estado se dá por “uma série de estratégias de discurso obstinada em evacuar qualquer contradição e a mascarar a existência das relações de classe” (PÊCHEUX, 2011, p. 86)5. Assim, uma questão que se coloca é: como essa língua de Estado vai significar em diferentes propagandas criadas e veiculadas a partir de diferentes condições de produção?

Adentrando ao que diz respeito de nosso estudo empreendido, o enunciado “O Brasil é o país do futuro”, entendido no escopo deste trabalho como um discurso fundador, costuma ter sua autoria atribuída ao escritor austríaco Stefan Zweig, que, em 1941, publicou o livro Brasilien, ein Land der Zukunft. No mesmo ano, mudou-se para o Brasil, onde se matou em 1942 ao lado da esposa. O livro que escreveu sobre o país foi traduzido aqui pouquíssimo depois de seu lançamento como Brasil, país do futuro. Anos mais tarde, em 2006, seria republicado com nova tradução como Brasil, um país do futuro.

Orlandi (2003b) define o discurso fundador como aquele que produz uma ruptura com uma tradição anterior, criando “uma filiação de memória […] e [estabelecendo] um novo sítio de significância” (idem, 23-24). Instaura-se, assim, a possibilidade de formação de outros textos. No que diz respeito a um país, o discurso fundador, tomado em diferentes materialidades - enunciados, lendas, obras literárias etc. -, deve dizer algo a respeito da origem, da constituição da identidade nacional e da delimitação das fronteiras do país, funcionando como referência básica no “imaginário constitutivo desse país” (ORLANDI, 2003a, p. 7). Porém, Orlandi (2003a) alerta que os enunciados fundadores nem sempre correspondem de maneira exata à forma como são encontrados em documentos históricos: “Não são os enunciados empíricos, são suas imagens enunciativas que funcionam. O que vale é a versão que ‘ficou’” (p. 12).

Entendemos, então, o enunciado “O Brasil é o país do futuro” como uma imagem enunciativa do enunciado empírico que dá título ao livro de Zweig. Dessa forma, o enunciado instaura uma nova discursividade e, uma vez cristalizado em nossa memória discursiva, passa a ser tomado como um já-dito (PÊCHEUX, 1995) e possibilita a produção de dizeres outros que o retomam sem que seja necessário fazer alusão a um discurso de origem. Nas análises a seguir, discutiremos como a noção de futuro e o imaginário do Brasil como país do futuro foram textualizados em peças de propaganda governamental antes e depois da publicação do livro de Zweig.

Em seguida, traremos duas peças de propaganda salazarista, um cartaz e uma capa de um livro de história para crianças publicado durante o período ditatorial luso, que perdurou em Portugal por todo o período equivalente à Era Vargas e parte da ditadura militar brasileira, para discutir a forma como as peças mobilizam o passado português. Se, nas propagandas brasileiras, temos o funcionamento de uma memória discursiva que, tomada como um já-dito, funciona na produção de sentidos sobre dizeres que apontam para uma projeção de país, nas propagandas salazaristas, o funcionamento do já-dito nos leva a uma retrospecção, a buscar no passado fontes e dizeres que sustentam o que se diz e como se diz durante o período de Salazar no poder. Nesse gesto de, por meio das propagandas salazaristas, buscar o passado, não podemos deixar de recorrer a Camões (2013) e Pessoa (2011) que têm muito a nos dizer nessa ida a um passado glorioso. O motivo de recorrermos a Camões e Pessoa é por considerarmos, conforme veremos no batimento entre teoria e análise na seção 3.2 do presente texto, que as duas obras fornecem elementos para compreendermos o passado glorioso luso, em especial pelas propagandas recorrerem a discursividades sempre presentes na história lusa: o mar e o brasão de armas.

 

3.1. O país do futuro na propaganda varguista e da ditadura militar

Em O discurso: estrutura ou acontecimento, Pêcheux (2015) insiste na necessidade de “dar o primado aos gestos de descrição das materialidades discursivas” (p. 49). Conforme explica Lagazzi (2015), isso deve ser feito

 

de tal maneira que descrição e interpretação não sejam tomadas na indistinção uma da outra […] ao colocar a estrutura em relação com outras possibilidades estruturais no jogo da história, é ao dar lugar à descrição pelo procedimento parafrástico, que a evidência de um sentido pode ser relativizada e o analista pode dar consequência ao movimento da interpretação para compreendê-lo em seus pré-construídos. (p. 177).

 

A figura 1 a seguir foi recortada de uma busca no Google por peças de propaganda da Era Vargas. A busca retornou uma grande quantidade de imagens mostrando o rosto do ditador Getúlio Vargas, símbolos pátrios, como a bandeira nacional, e crianças e trabalhadores executando diversas funções. Os textos impressos nos cartazes, em sua esmagadora maioria, fazem menção às supostas benesses trazidas pelos Estado Novo ou a slogans de fácil memorização, como “Tudo pelo Brasil”. O cartaz reproduzido neste trabalho é o único que se faz significar pela temporalidade, mais especificamente pelo futuro.

Fig. 1: Cartaz varguista de 1939

Fonte: Memorial da Democracia6

 

No cartaz, vemos o rosto de Getúlio Vargas virado para a esquerda. À sua frente, um grupo de pessoas marcha com uma faixa na qual se lê “10 de nov”, referência ao dia no qual, em 1937, foi oficialmente implantado o Estado Novo no Brasil. Dentre as pessoas que marcham sob o cartaz, vemos um homem de macacão, que pode ser um operário, e três homens vestidos com uniforme militar, sendo um deles um soldado, o outro um aviador e o terceiro um marinheiro. Ao lado do marinheiro, marcado pelo quepe, vemos uma mulher de chapéu. Abaixo da imagem, lê-se: “Por ínfimo que seja no presente, o trabalho de cada brasileiro em bem da coletividade apressará o renovamento no futuro”.

O conjunto que marcha sob a faixa, portanto, é identificado como um coletivo de trabalhadores brasileiros. Fica em aberto qual é o tipo de trabalho realizado por cada um, muito embora os uniformes ofereçam um certo direcionamento de sentidos. A presença da mulher no grupo pode apontar tanto para a entrada da mulher no mercado de trabalho quanto para uma atribuição de importância ao trabalho doméstico tradicionalmente reservado às mulheres no desenvolvimento da nação. Os trabalhadores marcham na direção para a qual olha Vargas - caminham para a frente, na direção daquilo que o presidente vislumbra.

Porém, quais sentidos podemos depreender desse caminhar para a frente dos trabalhadores no cartaz? Em uma análise do documentário Boca do lixo (1982), de Eduardo Coutinho, Lagazzi (2011) chama a atenção para a necessidade de analisar as materialidades significantes não separadas umas das outras, mas em sua imbricação material. Cada materialidade deve fazer trabalhar a incompletude da outra com suas especificidades, de forma que “não se trata de analisarmos a imagem e a fala e a musicalidade, por exemplo, como acréscimos uma da outra, mas de analisarmos as diferentes materialidades significantes uma no entremeio da outra” (p. 402). Ao mesmo tempo, a autora adverte que é importante tomar o imagético não apenas como visual, mas também como verbal. A imagem é também palavra. Em uma discussão sobre os sentidos de “lixo” e “desperdício” no documentário, que trata de catadores em um lixão no Rio de Janeiro, Lagazzi (ibidem) diz:

 

Chamo a atenção para a necessidade de imbricação entre o verbal e o visual para que se produza o efeito do lixo como desperdício. A imagem de objetos e alimentos possíveis de serem consumidos em meio ao lixão e a remissão dessas imagens ao significante verbal “lixo” é que torna possível o efeito de sentido “desperdício” contraposto a “dejeto” e a construção de uma família parafrástica entre “lixo”, “desperdício” e “fome”. (p. 406).

 

Em seu estudo sobre as formas da utopia, Szacki (1972) afirma que, a partir do século XVIII, no “momento em que se aceitou a fé no aperfeiçoamento progressivo da humanidade, os ideais sonhados foram apresentados como dando a direção, o fim, o ponto de chegada do processo histórico” (p. 60). Por sua vez, ao discutir a passagem das utopias de lugar para as utopias de tempo, Suvin (1979) aponta para o desenvolvimento de uma crença liberal no progresso linear a partir das revoluções burguesas, baseada nas ferrovias e nos barcos a vapor, ou seja, no avanço das máquinas e, portanto, das civilizações europeias em que foram criadas. Tal crença no progresso linear, de acordo com o autor, implica também em uma imagem do futuro como sempre bom, ou, ao menos, melhor do que o presente. O futuro e o tempo em si tornam-se imaginariamente espacializados. Dessa forma, o futuro seria aquilo que está à nossa frente. Diante disso, podemos apontar uma relação parafrástica (PÊCHEUX, 1995) entre a direção na qual caminham os trabalhadores e o futuro no qual haverá um renovamento segundo a legenda.

No tocante à reprodução da imagem de Vargas, dos sentidos possíveis do cartaz é de que Vargas, ao lado dos trabalhadores que marcham, é também um brasileiro trabalhando em bem da coletividade, contudo, não exatamente comparável a qualquer operário ou militar. Afinal, é importante levar em conta que não é qualquer parte do corpo de Getúlio, nem seu corpo inteiro, que está representada no cartaz, mas a cabeça, ampliada - uma cabeça mais proeminente e, portanto, mais importante do que as outras, que pensa e guia o corpo social tal qual da cabeça de um ser humano partem as ordens para o restante do corpo.

O cartaz foi produzido e colocado em circulação em 1939, alguns anos antes da publicação do livro de Zweig. Entretanto, na peça de propaganda, já é possível notar o sentimento de fé no progresso e esperança para o futuro evocado pela obra do autor austríaco e pelo enunciado “O Brasil é o país do futuro”. Em vez de funcionar como um já-dito mobilizado pelo cartaz, o livro é produzido nas mesmas condições de produção que a peça de propaganda.

As figuras 2 e 3, a seguir, foram encontradas em uma busca do Google por peças de propaganda da ditadura militar brasileira e integram um conjunto de seis imagens, folhetos e informativos oficiais que fazem referência ao futuro.

 

Fig. 2: Cartaz do governo Médici (1969-1974)

Fonte: OLIVEIRA, 20127

 

Na figura 2, produzida e colocada em circulação durante o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), vemos uma rosa amarela em botão sobre um fundo verde, remetendo às principais cores da bandeira brasileira. Abaixo do botão, lê-se “Até 1964 o Brasil era apenas o país do futuro. E então o futuro chegou”. Na parte inferior do cartaz, há uma outra rosa amarela - a mesma? -, agora desabrochada.

O enunciado “O Brasil é o país do futuro” funciona como um já-dito para o cartaz. Ao afirmar que, até 1964, o Brasil era apenas o país do futuro, a peça parte do pressuposto de que todos sabem do que se fala. A promessa de futuro teria durado até 1964, ano do golpe militar e momento em que, segundo o cartaz, se iniciou o futuro. A passagem do tempo é marcada na imagem pelos diferentes estágios de desenvolvimento da flor, que funciona, aqui, como uma paráfrase imagética da chegada do futuro.

O desabrochar da rosa pode apontar para uma época de desenvolvimento, de realização de um potencial. Contudo, não é possível dizer que esse seria um potencial positivo. O cartaz se abre para sentidos múltiplos: ao passo que a industrialização e a ordem segundo parâmetros militares poderiam representar um futuro de melhorias para aqueles alinhados aos princípios da extrema direita militar, para grande parte da população, o regime instaurado em 1964 se apresentava como um violador de direitos básicos por meio da tortura e da perda de qualidade de vida. O futuro, portanto, também pode ser sombrio.

Cabe questionar, também, o que significa a chegada do futuro. Afinal, o futuro se apresenta sempre como uma promessa, algo que ainda está por vir. O futuro foge de nós, que corremos sempre pelo presente. A partir do momento em que o alcançamos, o que mais resta pela frente?

É uma questão que não se coloca na figura 3, que descreve o Brasil como estando em movimento, ainda caminhando rumo a algo.

 

Fig. 3: Livro ilustrado Brasil, um país que vai pra frente!, de 1975

Fonte: Troca Figurinhas8

 

Trata-se da capa de um álbum de figurinhas publicado em 1975, intitulado Brasil, um país que vai pra frente, enunciado que serviu de slogan do governo de Ernesto Geisel (1974-1979). Na imagem, um grupo de crianças de diferentes raças cola imagens de figuras históricas brasileiras (Santos Dumont, Dom Pedro I), edificações (o estádio do Maracanã, o Palácio do Planalto) e veículos (um avião, uma motocicleta) no mapa do Brasil. As imagens que as crianças colam possuem uma moldura branca, como se fossem figurinhas de um álbum.

Apontamos para dois efeitos de sentido possíveis. O primeiro é a reiteração de um imaginário de democracia racial, segundo o qual brancos, negros e asiáticos trabalham harmoniosamente lado a lado para construir - ou montar - o Brasil. Apaga-se, porém, a presença indígena na formação do país.

Produz-se, também, um efeito de que o Brasil é formado pelos elementos representados nas figurinhas, e que essas figurinhas são capazes de levar o país para a frente. Assim como as figurinhas são essenciais para completar o álbum, Dom Pedro I, o Palácio do Planalto e o avião, entre outros, são essenciais para completar o Brasil, qualificado como um país que vai para a frente. Cabe perguntar, então, que outras figuras históricas, edificações e veículos não aparecem representados na capa do livro ilustrado e, portanto, não compõem o país que vai para a frente.

Com base na discussão que apresentamos anteriormente, na análise da Figura 1, tomamos, aqui, o enunciado “um país que vai pra frente” como uma paráfrase plausível para (PÊCHEUX, 2015) para “um país do futuro”. Retomando Pêcheux (2019), Lagazzi (2015) propõe que o exercício parafrástico é uma atualização do efeito metafórico. Por sua vez, o efeito metafórico, afirma Lagazzi (ibidem, p. 180) “mostra que a ancoragem semântica se mantém na variação da superfície do texto e que, mesmo quando duas sequências não apresentam mais nenhum termo em comum, elas podem guardar uma equivalência semântica”. Os enunciados “Brasil, um país que vai pra frente” e “O Brasil é o país do futuro” guardam ainda termos em comum. Porém, há um efeito metafórico que permite que “do futuro” e “que vai pra frente” produzam os mesmos efeitos de sentido. A partir da associação imaginária entre futuro e avanço linear proposta por Szacki (1972) e Suvin (1979), dizer que o Brasil é um país que vai para a frente produz o efeito de sentido de que o Brasil é um país que avança rumo ao futuro.

 

3.2. O passado e a tradição portuguesa na propaganda salazarista

Tal qual dito anteriormente, as imagens que se seguem foram recortadas a partir de uma pesquisa no Google. Cumpre dizer que, inicialmente, encontramos sete imagens de propaganda salazarista que se fazem significar por um tempo outro que não o presente. Das sete, destacamos que uma se faz significar pelo futuro. Todas as demais, trabalham a significação com remissões ao passado e, mais especificamente, à tradição lusa. Em duas das seis, temos, entre outros elementos que serão explorados adiante, Salazar usando trajes medievais e mulheres de roupas típicas portuguesas carregando seus filhos. Para o presente trabalho, optamos por selecionar, pela regularidade de funcionamento, as imagens que seguem nas páginas seguintes. Trata-se da figura 4, um cartaz do partido de Salazar e da figura 5, uma ilustração de capa de um livro de história portuguesa para crianças publicado durante o período salazarista.

A figura 4, apresentada abaixo, se constitui enquanto um texto que mobiliza diferentes materialidades significantes. Nela, temos a inscrição dos dizeres “Patriotas: votai na lista da União Nacional para que Portugal navegue sempre na bonança”. Para além de tais textos, alocados em espaços distintos da figura, comparecem duas datas: 1934 (do lado esquerdo) e 1925 (do lado direito). Observando os elementos imagéticos, temos, em primeiro plano, a presença de uma mulher segurando um escudo e, em segundo plano, uma caravela. Detendo-se nessa imagem, vemos que a mulher em primeiro plano está em um ambiente ensolarado, com mais luz e vigor, ao passo que a caravela encontra-se in media res, ou, em outras palavras, em um movimento que a leva de um ambiente escuro, chuvoso, certamente fruto de um mar revolto, para um ambiente de maior luminosidade. Observemos:

 

Fig. 4: Cartaz da União Nacional, partido de Salazar, de 1934

Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal9

 

É imperioso observarmos a disposição dos elementos linguísticos e visuais. As datas, conforme apontado em descrição anterior, estão em lugares/posições distintas: 1925 aloca-se em um ambiente revolto, de pouca luminosidade, ao passo que 1934 repousa em uma posição de franca luz. A compreensão da significação desses elementos se dá, pois, a partir de um certo movimento na historicidade de eleições presidenciais portuguesas: 1925 foi o ano das eleições presidenciais e legislativas. Nelas, elegeu-se Bernardino Luís Machado Guimarães para o cargo de Presidente da República, além de deputados e senadores. Estes governantes, no entanto, não durariam muito, pois em maio do ano seguinte sofreriam um golpe militar, sendo destituídos. Assim, as eleições seguintes só ocorreriam em 1934, já no período ditatorial do Estado Novo, antecedido de outro período ditatorial: a Ditadura Nacional.

Observemos, então, que a produção e circulação do cartaz elencado anteriormente se dá a partir de condições de produção bem específicas: são as primeiras eleições legislativas e presidenciais portuguesas tuteladas por um regime ditatorial. É preciso, então, colocar em ação a língua de Estado. Língua de Estado (e da política?) que, nos parece, funcionar ao se enroscar na língua de vento10 (da propaganda e da publicidade) para tudo varrer, para tudo levar. É preciso sair, nos indica a propaganda acima, do mar revolto que foram as eleições de 1925, para adentrar em tempos áureos que as eleições de 1934 trarão. Assim, Portugal poderá continuar a navegar na bonança. Essa navegação na bonança se faz de modo perpétuo, materializado pela inscrição do advérbio sempre e que pode ser compreendido pelo seguinte movimento parafrástico:

 

(a) Patriotas: votai na lista da União Nacional para que Portugal navegue sempre na bonança.

(a.1) [...] para que Portugal navegue eternamente na bonança.

(a.2) [...] para que Portugal navegue continuamente na bonança.

(a.3) [...] para que Portugal navegue ininterruptamente na bonança.

(a.4) [...] para que Portugal navegue perpetuamente na bonança”.

 

Poderíamos indicar que o movimento parafrástico acima sustenta um retorno ao dizer de que só por meio das eleições de 1934 e, mais ainda, com a votação dos portugueses (tidos como patriotas) na lista da União Nacional é que o país poderá navegar perpetuamente no caminho da bonança, nos tempos áureos, saindo de mares revoltos. Outrossim, poderíamos dizer que sair do mar tenebroso é uma mudança de terreno. Mudança de terreno que parece se fincar por meio da tradição.

Por isso, interessa notar que a referência à tradição se encontra, na figura 4, em dois elementos destacados anteriormente: a mulher segurando o escudo e a caravela no mar a navegar. Não nos parece, é bem verdade, que a tradição compareça de forma gratuita. Ao contrário, não podemos deixar de lado o fato de que a literatura lusa parece, é certo, ancorar-se na tradição para refletir sobre a nação portuguesa: sua história, seus feitos (e efeitos), seus territórios. Os Lusíadas, de Camões; Viagens na minha terra, de Almeida Garret; Mensagem, de Fernando Pessoa e As Naus, de António Lobo Antunes, são (só para citar algumas das obras) textos de diferentes tradições literárias que levam o leitor, de diferentes modos, a refletir sobre a história lusa. Nos interessa, para o presente trabalho, considerar Camões (2013) e Pessoa (2011).

Comecemos, inicialmente, pela caravela. A caravela, navegando em um mar revolto, parece nos remeter diretamente (mas não somente) à epopeia camoniana. Em Os Lusíadas, Camões canta (aquilo que ele considera ser) os feitos heróicos e valorosos de Portugal11. Vejamos o que nos diz Camões, na voz de Vasco da Gama:

 

Porém já cinco Sóis eram passados

Que dali partimos, cortando

Os mares nunca de outrem navegados,

Prosperamente os ventos assoprando,

Quando uma noite, estando descuidados

Na cortadora proa vigiando,

Uma nuvem, que os ares escurece,

Sobre nossas cabeças aparece.

(CAMÕES, C.V, E.37, 2013, p. 154)

 

É nesse momento, na obra de Camões, ao serem surpreendidos por uma tempestade e entrarem em uma tormenta, que os navegantes avistam o gigante Adamastor, nos diz Camões:

 

[...] Não acabava, quando uma figura

Se nos mostrava no ar, robusta e válida

De disforme e grandíssima estatura;

O rosto carregado, a barba esquálida,

Os olhos encovados, e a postura

Medonha e má e a cor terrena e pálida;

Cheios de terra e crespos os cabelos,

A boca negra, os dentes amarelos

(CAMÕES, C.V, E.39, 2013, p. 154)

 

O gigante Adamastor representa as dificuldades dos lusos frente às navegações. Em um plano histórico, a partir da obra camoniana, representa a superação, pelos portugueses, do “mar tenebroso”, das superstições medievais que povoaram o Atlântico. Adamastor é, pois, uma visão, um espectro. Retomando à figura 4, 1925, ao que nos consta, funciona como espectro. É preciso, na língua de vento salazarista, superá-lo. Assim, é significativo que a caravela, afastando-se do mar tenebroso, navegue rumo à figura da mulher segurando o escudo: 1934 é o triunfo para que a pátria continue a navegar sempre na bonança.

Ainda na figura 4, observamos a mulher segurando um escudo. É uma imagem que parece dar corpo ao Estado. Diríamos mais: é o Estado segurando/carregando a tradição. Gostaríamos, por questões de espaço (e em um encaminhamento final das análises), de focalizar nossos gesto de leitura no escudo que comparece na figura 4. Para tal gesto, gostaríamos de trazer à baila a figura 5, mostrada abaixo. Vejamos.

 

Fig. 5: Ilustração de capa do livro Nossa história contada às crianças, de 1956.

Fonte: Custo Justo12

 

Novamente, diríamos que não é gratuita a presença dos escudos nessas duas peças que circularam durante o Estado Novo português. De início, é mister indicar que o escudo presente nas duas figuras acima remete-nos diretamente à tradição heráldica portuguesa. O escudo que comparece nas duas imagens anteriores assemelha-se, em muito, ao escudo presente no Brasão de Armas de Portugal e na Bandeira Nacional. Assim, a figura 4 e a figura 5 parecem apoiar-se na tradição lusa para significar. Nesse sentido, não poderíamos deixar de citar que essa tradição lusa está presente, por exemplo, em Pessoa (2011). Em sua obra Mensagem, o autor português referenciará (e simbolizará) o momento em que Portugal define sua nacionalidade para, em seguida, expandir seu território. O que vemos em Pessoa (assim como em outros autores citados) é uma necessidade, sempre premente, de definir uma nacionalidade. Assim, nas imagens aportadas, ao que parece, trabalha-se com um resgate de uma certa nacionalidade; a nacionalidade de outros tempos que possibilitaram Portugal navegar em bons mares. Sobre isso, gostaríamos de trazer à baila dois gestos de leitura.

O primeiro diz respeito ao movimento de definir a nacionalidade ou, ainda poderíamos dizer, marcar a nacionalidade. Parece-nos que se trata de um ponto fulcral para a significação das duas imagens anteriores: não esqueçamos do vocativo patriotas, presente na figura 4. Igualmente importante é lembrar que o livro em que a figura 5 comparece intitula-se Nossa história contada às crianças. Mais do que um vocativo, mais do que a realização de um gesto de interpelação, o termo patriotas, ao significar, nos evoca uma rede de sentidos que diz respeito ao sentimento de pertencimento de uma sociedade. Observemos o que o Dicionário Houaiss nos diz do termo em questão: “pa.tri.o.ta adj.2g.s.2g. que(m) ama a sua pátria e/ou presta serviço a ela antipatriota, traidor” (HOUAISS, 2010, p. 583, itálicos do autor)13. Ora, é nessa rede de significações que se sustenta a discursividade que se inscreve na frase presente na figura 4. Assim, ao inscrever “Patriotas: votai na lista da União Nacional para que Portugal navegue sempre na bonança” (destaque nosso), inscreve-se aí também, a partir de uma memória que diz respeito àqueles que amam a pátria, a necessidade (importância?) de votarem na lista da União Nacional. Uma pergunta, no entanto, que poderia ser feita é: não votar na lista da União Nacional seria deixar de ser patriota e, por conseguinte, ser considerado um antipatriota, um traidor?

Um segundo gesto, diz respeito aos componentes que comparecem propriamente nos escudos das figuras 4 e 5. Trata-se de elementos que possuem uma forte significação na tradição lusa: os campos, os castelos e as quinas14. Elementos que ao funcionarem na tradição portuguesa, trazem a reboque a formação da nacionalidade lusitana. Dissemos em parágrafos anteriores que o escudo encontra lastro nos símbolos nacionais lusos. Também a obra de Pessoa (2011) nos dá elementos para uma compreensão da importância do escudo na tradição e nacionalidade portuguesa. A obra em questão é composta de duas partes, sendo a primeira intitulada Brasão. Essa primeira parte do livro subdivide-se em cinco, fazendo alusão à imagem do Brasão de Armas de Portugal, mas também à história da nação portuguesa. Assim, temos na obra de Pessoa (2011): os campos, os castelos, as quinas, a coroa e o timbre. Nesse sentido, nos parece que tal como em Mensagem, a presença dos campos, dos castelos e das quinas nas figuras 4 e 5 nos dizem respeito de uma memória discursiva que, ao ser tomada como um já-dito, faz funcionar uma rede de sentidos que trabalham a produção de dizeres que apontam na sustentação da simbologia de uma tradição nacional. Para uma melhor compreensão, observemos a seguinte citação:

 

o campo externo, dos “Castelos”, representa a defesa e a proteção da nação, função importante, sem dúvida, mas secundária, se comparada à função primordial do segundo campo [...]: aí se localizam as “Quinas”, que representam as chagas de Cristo, ou a essência do espírito português, religioso e cristão desde a origem. (MOISÉS, 2011, p. 26).

 

O autor em questão nos diz da significação que sustentam os elementos presentes no Brasão luso e que, por conseguinte, Pessoa (2011) fará trabalhar em sua obra. Nesse caminho, acreditamos que se trata, também, da discursividade que se inscreve nas duas materialidades significantes que analisamos nesse momento do texto. Trata-se de uma discursividade que faz significar a relação constitutiva entre tradição e nacionalidade. Tradição que, na figura 5, é reiterada pelos dizeres: “Chamamo-nos Portugal e nascemos há oito séculos”. Reiteração que marca discursivamente uma nação.

 

Conclusões (provisoriamente) finais: a língua das/nas propagandas e suas condições de produção

Ao abordar o discurso colonial, Orlandi (2008) afirma que, enquanto brasileiros, não somos

 

Nem índios, nem europeus, somos produzidos por uma fala que não tem um lugar, mas muitos. E ‘muitos’ aqui é igual a ‘nenhum’. Desse lugar vazio, fazemos falar as outras vozes que nos dão uma identidade. As vozes que nos definem. Europeu falando de índio produz brasilidade. Nós, falando do que os europeus dizem de suas descobertas, falamos o discurso da nossa origem. (ORLANDI, 2008, p. 25)

 

O discurso sobre as origens do Brasil e do povo brasileiro se confundem, assim, com o discurso colonial. Trata-se de uma história de dominação e subalternidade que, embora seja frequentemente retomada na produção de heróis nacionais, como Tiradentes e Dom Pedro I15, não favorece um discurso a respeito da grandiosidade do Brasil e do povo brasileiro - um tipo de discurso normalmente caro a ditaduras. O discurso colonial, lembra Orlandi (ibidem), tem como uma de suas características apagar o discurso histórico, fazendo prevalecer um discurso sobre a cultura. Continua a autora:

 

Como efeito desse apagamento, a cultura resulta em ‘exotismo’. Paralelamente, apagam-se as razões políticas, que se apresentam então como um discurso moral, de apreciação: o brasileiro é julgado por suas ‘qualidades’; ele aparece como superficial e, lógico, alegre, folgazão, indolente e sensual. Também se diz que ele é dotado de inteligência que, infelizmente, desperdiça sem objetividade (razão). (ibidem, pp. 21-22)

 

Antigo império colonial que teve o próprio Brasil entre suas terras invadidas, Portugal tem um discurso distinto a respeito de sua história. As peças de propaganda salazarista analisadas na seção anterior, bem como outras recuperadas em nossa pesquisa, apontam para uma valorização do passado e da tradição lusa, em especial para a fundação de Portugal enquanto um reino independente e para o período das grandes navegações, ambos retomados, também, na obra de Camões e Pessoa, entre outros, autores de grande importância para o cânone literário português. Em uma pesquisa mais aprofundada, poderíamos levantar a questão do quanto essa tradição é retomada por esses textos e o quanto os textos produzem a tradição - em especial Os Lusíadas, que poderia ser entendido, também, como um discurso fundador.

Trata-se, portanto, da atualização de uma memória histórica e discursiva de momentos de demonstração de força, quer na fundação de um país, quer na tomada de outros territórios. A propaganda salazarista ancora-se nesse passado, produzindo uma imagem do governo ditatorial como capaz de reconduzir um país na tormenta rumo à glória de outros tempos.

O discurso sobre a glória passada é dificilmente aplicável ao Brasil, uma ex-colônia que teve sua independência declarada no século XIX, mas que nunca rompeu verdadeiramente com sua antiga metrópole. Tendo a história dos povos que habitavam o território que hoje constitui o Brasil pré-1500 sido apagada pelo genocídio atrelado ao processo de colonização, produz-se sobre o Brasil um discurso de potencialidade desde a carta de Pero Vaz de Caminha (1999, p. 61): “Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”, ou, em sua forma cristalizada, “Em se plantando, tudo dá”. Tal imaginário do Brasil como uma terra que pode dar frutos autoriza a produção de discursos outros, sobre, por exemplo, o Brasil como uma terra em que tudo dará certo no futuro, discurso textualizado no enunciado fundador “O Brasil é o país do futuro”.

Ao contrário da propaganda salazarista, portanto, a propaganda varguista e da ditadura militar brasileira não recorre a um passado supostamente glorioso para produzir sentido. Em vez disso, retoma um imaginário do Brasil como um país que tem pela frente um futuro glorioso, produzindo um efeito de sentido de que nada no passado ou no presente do país é bom ao mesmo tempo em que produz uma imagem dos governos ditatoriais como capazes de levar o país para a glória ainda não concretizada - ou até mesmo de concretizar essa glória, como no caso da figura 2.

 

Referência bibliográficas

ACHARD, Pierre. Memória e produção discursiva do sentido. In.: ACHARD, Pierre et al. (org.). Papel da memória. Campinas: Pontes, 1999. p. 11-21.

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1987.

CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei dom Manuel I. In: TUFANO, Douglas. A carta de Pero Vaz de Caminha: comentada e ilustrada. São Paulo: Moderna, 1999. pp. 25-62.

CAMÕES, Luíz Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2013.

COURTINE, Jean-Jacques. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: UFScar, 2009.

DINES, Alberto. A morte no paraíso: a tragédia de Stefan Zweig. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.

GADET, Françoise; PÊCHEUX, Michel. A Língua Inatingível: o discurso na história da linguística. Campinas: RG Editora, 2010.

HOUAISS, Antônio. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 4ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

LAGAZZI, Suzy. Trajetos do sujeito na composição fílmica. In: FLORES, Giovana; NECKEL, Nádia; GALLO, Solange (org.). Análise do discurso em rede: cultura e mídia – vol. 3. Campinas: Pontes, 2017. p. 23-39

LAGAZZI, Suzy. Paráfrases da imagem e cenas prototípicas: em torno da memória e do equívoco. In: FLORES, Giovana; NECKEL, Nádia; GALLO, Solange (org.). Análise de discurso em rede: cultura e mídia. Campinas: Pontes, 2015. p. 177-189

LAGAZZI, Suzy. O recorte e o entremeio: condições para a materialidade significante. In: RODRIGUES, Eduardo Alves et al. (org.). Análise de discurso no Brasil: pensando o impensado sempre: uma homenagem a Eni Orlandi. Campinas: RG, 2011. p. 401-410

MARIANI, Bethania; MOURA, Tatiana Freire de; MEDEIROS, Vanise Gomes de. Habitar uma teoria. In: RODRIGUES, Eduardo Alves et al. (org.). Análise de discurso no Brasil : Pensando o impensado sempre. Uma homenagem a Eni Orlandi. Campinas : Editora RG, 2011.

MOISÉS, Carlos Felipe. Introdução à edição de bolso. In: PESSOA, Fernando. Mensagem. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011.

OLIVEIRA, Raphael. A propaganda e a publicidade no governo Médici: muito além do ufanismo. Anais do XV Encontro Regional de História da ANPUH-Rio, Rio de Janeiro, 2012. s.p. Disponível em: http://www.encontro2012.rj.anpuh.org/resources/anais/15/1332983067_ARQUIVO_APropagandaeaPublicidadenoGovernoMedici_1_.pdf. Acesso em: 21 abr. 2022

ORLANDI, Eni. Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas: Pontes, 2017.

ORLANDI, Eni. Análise de discurso: Princípios e Procedimentos, SP Campinas: Pontes, 2013.

ORLANDI, Eni. Língua brasileira e outras histórias: discurso sobre a língua e o ensino no Brasil. Campinas: RG, 2009.

ORLANDI, Eni. Terra à vista: discursos do confronto: Velho e Novo Mundo. Campinas: Unicamp, 2008.

ORLANDI, Eni. Prefácio. In: ORLANDI, E.P. (org.). Discurso fundador: a formação do país e a construção da identidade nacional. Campinas: Pontes, 2003a. p. 7-9

ORLANDI, Eni. Vão surgindo sentidos. In: ORLANDI, E.P. (org.). Discurso fundador: a formação do país e a construção da identidade nacional. Campinas: Pontes, 2003b. p. 11-25

ORLANDI, Eni. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001.

ORLANDI, Eni. Efeitos do verbal sobre o não-verbal. Rua, Campinas, n.1, vol. 1, 1995. p. 35-47.

PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso. Campinas: Pontes, 2019.

PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 2015.

PÊCHEUX, Michel. Foi “propaganda” mesmo que você disse?. In: ORLANDI, Eni. (org.). Análise de discurso: Michel Pêcheux, textos escolhidos por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Pontes, 2011.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Unicamp, 1995.

PESSOA, Fernando. Mensagem. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011.

PETRI, Verli. O funcionamento do movimento pendular próprio às análises discursivas na construção do “dispositivo experimental” da análise de discurso. In: PETRI, Verli; DIAS, Cristiane (org.). Análise do discurso em perspectiva: teoria, método e análise. Santa Maria: UFSM, 2013.

SUVIN, Darko. Metamorphoses of science fiction: on the poetics and history of a literary genre. New Haven: Yale University Press, 1979.

SZACKI, Jerzi. As utopias ou a felicidade imaginada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.

VARGAS, Rejane Maria Arce. Dizeres que não voltam mais??? Questionamentos sobre a questão da filiação dos sentidos. Letras, Santa Maria, v. 18, n. 2, p. 185–200, jul./dez. 2008

 

Data de Recebimento: 10/02/2022
Data de Aprovação: 02/05/2022

 


1 Agradecemos a leitura atenta e preciosa de Phellipe Marcel da Silva Esteves (UFF), que nos trouxe comentários importantes para expandirmos nosso gesto de leitura. Eventuais lapsos e equívocos são de nossa responsabilidade.

2  Agradecemos, também, à orientação e aos questionamentos propostos pela professora Ana Cláudia Fernandes Ferreira (Unicamp) neste primeiro momento.

3  A letra da canção está disponível em https://www.letras.mus.br/legiao-urbana/46919/.

4  Dirigido aos operários, o cartaz em questão atribui ao governo de Salazar mudanças na legislação trabalhista portuguesa, afirmando que “estamos seguros do futuro” e que “a revolução continua”. De 1939, o cartaz está disponível em https://restosdecoleccao.blogspot.com/2012/05/propaganda-do-estado-novo-5.html. Acesso em 05/02/2022.

5  Pêcheux (2011) conceitua a língua de Estado no âmbito do que ele chama de duplo discurso stalinista. Aqui, tomamos tal conceituação com os devidos deslocamentos para o trabalho proposto.

6  Disponível em http://www.memorialdademocracia.com.br/cultura/era-de-ouro. Acesso em: 21 de abril de 2022.

7  Disponível em: http://www.encontro2012.rj.anpuh.org/resources/anais/15/1332983067_ARQUIVO_APropagandaeaPublicidadenoGovernoMedici_1_.pdf. Acesso em 21 de abril de 2022.

8  Disponível em: https://www.trocafigurinhas.com/album/2217/ideia-editorial/brasil%3A-um-pais-que-vai-pra-frente!.html. Acesso em: 21 de abril de 2022.

9  Disponível em: https://purl.pt/22068. Acesso em: 21 de abril de 2022.

10  Compreendemos a língua de vento a partir de Gadet e Pêcheux (2010). Com isso, recuperamos Vargas (2008, p. 187) ao nos dizer que pensar língua de vento “nos leva à compreensão de discursividades pautadas na volatilidade, na ‘fluidez’ ditadas pela instantaneidade dos sentidos, como acontece com a língua da propaganda e da publicidade e quiçá, cotidianamente, com a língua da política (tão ligeira quanto o vento...)”.

11  Aqui vale considerar que tal perspectiva comparece com grande força nos estudos literários da obra camoniana. De uma perspectiva discursiva, olhando de um país (o Brasil) cuja história é marcada pela colonização portuguesa, poderíamos colocar em questão o que seriam (e como significam) esses feitos heróicos e valorosos. Nos parece que se coloca como um profícuo campo para os estudos linguísticos um olhar discursivo de Os Lusíadas.

12  Disponível em: https://www.custojusto.pt/coimbra/desporto-lazer/livros/a-nossa-historia-contada-as-criancas-2891625. Acesso em: 21 de abril de 2022.

13  O símbolo ↺ foi reproduzido no presente texto o mais próximo do que consta no verbete do Dicionário Houaiss. Deve ser lido como antônimo.

14  No caso da figura 5, ressaltamos que a presença do campo é apenas no que diz respeito às quinas.

15  Ambas as referências foram tiradas de uma lista de heróis da pátria da Agência Senado, disponível em http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/quadros/nomes.html. Acesso em 05/02/2022.