Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



(...) É claro, já de início, que o discurso que A dirige a B modifica o estado de B na medida em que B pode comparar as “antecipações” que faz de A no discurso de A. Mas por outro lado, destacamos que todo orador era um ouvinte virtual de seu próprio discurso, o que implica que o que é dito por A transforma, igualmente as condições de produção próprias a A, permitindo-lhe “continuar” seu discurso (p. 89).

 

Como dissemos, observando ambos os cartazes, vemos as inscrições que identificam que o dizer é de responsabilidade do Estado: “SUS”, “Ministério da Saúde”, “Brasil: país rico é país sem probreza”. Tais inscrições demarcam um território, um espaço histórico, simbólico e geográfico institucionalizado no qual se impõe uma identificação ao sujeito enquanto seu cidadão. Aqui, o discurso do Estado está circulando, a priori, em suas “bases”, em seus próprios prédios de atendimento de saúde gratuito à população, já significados assim por um poder institucionalizado.

Dessa maneira, os cartazes e o local institucionalizados oferecem condições de produção de sentidos que se constituem e circulam pelo território nacional, que, segundo Orlandi (2011), é significado pela relação com o poder, sendo um espaço político (idem). Assim, tais cartazes nos postos de saúde lembram o sujeito travesti: eu tenho vários parceiros, eu sou grupo de risco, eu posso estar contaminado. Embora represente um saber que se origina no âmbito do científico, este saber já está em um outro lugar a partir de uma administração da Saúde Pública pelo Estado que as legitima através de sua função-autor no discurso. Podemos ver, então, que nessas condições os cartazes têm uma dimensão sócio-política articulada ao simbólico: “Estado e território estão inextricavelmente articulados na prática, têm seus aparatos e significam seus cidadãos através/com eles” (p. 20).

Como coloca Orlandi (2011), as relações entre Estado, sujeito e sociedade se produzem dadas as redes de sentidos que atravessam os dizeres, considerando-se os funcionamentos da memória discursiva e da memória institucionalizada. Assim, percebemos de que modo essa assinatura do governo, nos cartazes afixados nos postos de saúde em diversas cidades do território brasileiro, constituem o sujeito por essa territorialidade, e nela essa produção de um lugar específico enquanto classe para o sujeito travesti, que o individua enquanto cidadão através do discurso da saúde pública.

Podemos pensar ainda que, pela autoria do SUS/ Ministério de Saúde, em um braço administrativo do Estado, a imagem do sujeito travesti resulta de uma significação articulada através de uma memória institucionalizada, a partir de dados estatísticos, de índices de cidadãos infectados com doenças sexualmente transmissíveis. Essa memória, que se multiplica em outros postos de saúde, trazendo a ideia de constituição, de espaço