Revelando o outro: fotojornalismo e representações da pobreza no sertão


resumo resumo

Thiago Manchini de Campos



A última imagem é da autoria de Sebastião Salgado, sendo publicada inicialmente no livro “Terra. A fotografia, datada de 1983, retrata uma família do sertão cearense buscando fugir da seca. Aqui, assim como na imagem de “Seca e Fé no Sertão”, pode-se observar o uso da linha de fuga. O nível e a profundidade do plano são similares, assim como o ângulo da própria linha, mais uma vez delineada pela estrada. É interessante notar que a família é retratada de costas para a imagem, fato que retira a singularidade dos indivíduos aqui representados pois não há faces para os identificar. A amplitude do plano registra um cenário inóspito, deserto, de árvores e arbustos secos, não habitável mas ocupado momentaneamente por indivíduos nômades carregando o pouco que possuem, sem ter onde ficar, à procura para onde ir. Assim como na imagem de “Canudo: 100 anos” a imensidão do sertão, aqui aliada à descaracterização dos personagens, potencializam o efeito de esvaziamento e falta.

 

Entre a paráfrase a a polissêmia: memória e espaços de interpretação

A partilha de técnicas, elementos visuais/estéticos e de um mesmo tema – o sertão – mesmo que de modo abrangente, permite compreender o conjunto de imagens aqui apresentado como filiado a uma rede de memória específica e operando dentro de uma mesma formação discursiva. Há uma constante atualização da memória sobre o que pode e deve ser dito sobre o sertão, sustentada por alguns “implícitos”, ou regularidades que vão surgindo ao longo das imagens.

No campo dos elementos visuais chamamos a atenção para a paráfrase que se faz da vastidão do sertão, através da tomada de planos profundos e de linhas de fuga nas fotografias a), b) e d). Apesar de serem imagens que criam e compõem uma narrativa sobre a vida no semi-árido o uso de tal recurso retira, no plano estético e de composição, o protagonismo dos personagens ao colocá-los em desproporção ao cenário: o olhar é guiado para além das vidas retratadas, prendendo-se à imensidão do sertão. É interessante notar que a mesma imensidão é significada como impossibilidade de habitar, sendo somente “ocupada” por sujeitos que buscam sair dali – imagens b) e d). Cria-se assim um efeito de falta que atualiza a memória social relativa ao sertão: um não-lugar distante no tempo.

A segunda paráfrase no plano estético diz respeito a uma temática profundamente enraízada na memória sobre o nordeste e o sertão: a iconografia da religião. As fotografias a) e c), apesar de diferirem entre si no que diz respeito ao espaço e à tomada de perspectiva – a primeira é aberta, a segunda fechada –, têm como