Revelando o outro: fotojornalismo e representações da pobreza no sertão


resumo resumo

Thiago Manchini de Campos



sua especificidade e pode ser “lida” diferentemente. É importante lembrar que o fotojornalismo surge em meio à tensão entre ser um veículo privilegiado de reportargem que, paralelamente, comporta uma certa medida de expressão artística. Desse modo as fotografias em questão podem ser interpretadas como o resultado da prática de reportar as consequências sociais (seca, guerra de canudos, etc.) de eventos localizados em um tempo e espaço definidos; podem também ser tomadas como obra de arte onde o foco é a valorização da estética, tendo como efeito a ficcionalização do registrado. Esta tensão integra o funcionamento discursivo das imagens b) e d) que, se compreendidas como facto, reportam indivíduos com espirito de luta que buscam, na medida do possível, modificar sua condição, significando-os como sujeitos agentes; se tomadas como ficção o sentido é deslocado, sendo que os mesmos indíviduos passam a integrar uma narrativa onde são retratados como sujeitos passivos, totalmente à mercê de uma suposta “cultura” sertaneja que sempre foi e sempre será a mesma[5].

 

Revelando o outro

A discursividade da sequência de fotos aqui apresentada é construída na tensão entre a paráfrase e a polissemia do simbólico, materializada no funcionamento das dispersões e regularidades que caracterizam as formações discursivas, determinando o que pode e deve ser dito. Apesar de cada foto ser única e de sua possibilidade de significação ser aberta, ela também significa perante as outras devido à mesma filiação, criando uma memória sobre a pobreza no sertão e operando um mecanismo de apropriação do outro. Segundo Sontag (2004, p.14)

 

Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa pôr a si mesmo em determinada relação com o mundo, semelhante ao conhecimento – e, portanto, ao poder. (...) O que está escrito sobre uma pessoa ao fato é, declaradamente, uma interpretação, do mesmo modo que as manifestações visuais feitas à mão, como pinturas e desenhos. Imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir.

 

A fotografia de cunho documental, no contexto do fotojornalismo, estabelece uma relação voyeurística com o mundo, narrando a realidade por um prisma diferente, aliciador, convincente: “o realismo fotográfico pode ser – e é cada vez mais – definido não como o que “realmente” existe, mas como aquilo que eu “realmente” percebo (...).



[5] Em Campos (2013) trabalho a partir da noção de cultura voltada para as políticas públicas com a temática da pobreza, mostrando que o discurso destas funciona na tensão entre duas concepções de pobreza: a) fruto de condições históricas e estruturais que estão além do “sujeito-pobre”; b) tendo origem na suposta passividade e conformismo deste mesmo sujeito.