Revelando o outro: fotojornalismo e representações da pobreza no sertão


resumo resumo

Thiago Manchini de Campos



ela torna pequenas, abstratas, estranhas, muito distantes (...). A sensação de estar isento de calamidades estimula o interesse em olhar fotos dolorosas, e olhar para elas sugere e reforça o sentimento de estar a salvo. Em parte isso ocorre porque a pessoa está “aqui” e não “lá”, e em parte devido ao caráter de inevitabilidade que todos os fatos adquirem quando transmutados em imagens. No mundo real, algo está acontecendo e ninguém sabe o que vai acontecer. No mundo-imagem, aquilo aconteceu e sempre acontecerá daquela maneira. (ibid. p. 183 – 184).

 

Por último é interessante observar o funcionamento do clichê no fotojornalismo. De acordo com Pfeiffer (1997, p.37) o clichê produz o efeito de lugar-comum no âmbito verbal, através da repetição das mesmas “fórmulas” ou “regras” de escrita. O mesmo se dá na fotografia:

 

A fotografia não apenas reproduz o real, recicla-o – um procedimento fundamental numa sociedade moderna. Na forma de imagens fotográficas, coisas e fatos recebem novos usos, destinados a novos significados, que ultrapassam as distinções entre o belo e o feio, o verdadeiro e o falso, o útil e o inútil, bom gosto e mau gosto. Clichês reciclados, tornam-se metaclichês. A reciclagem fotográfica cria clichês a partir de objetos únicos, distintivos; e cria artefatos vívidos a partir de clichês. Imagens de coisas reais são entremeadas com imagens de imagens. (SONTAG, 2004, p.191).

 

Dentro do fotojornalismo o clichê pode ser pensado como o modo no qual se recicla as imagens clássicas da humanidade (cf. CAMPOS, 2013, p. 282-286), sendo que o seu uso não significa, necessariamente, que o clichê se configure como reincidente. Explico: discursivamente a atualização da memória se dá através da repetição do acontecimento o qual, dentro do escopo de nossa discussão, pode se resumir a dois tipos: a) o ato fotográfico como acontecimento; b) a materialidade da fotografia como acontecimento. O clichê opera no nível da paráfrase, uma imagem por outra, porém aberta à polissemia. Este é o ponto essencial que determina se uma imagem é um simples pastiche ou se tem o efeito de trazer algo “novo”: é a maior ou menor dissimulação do efeito de clichê que acredito distinguir uma boa imagem de uma banal. Apesar dos fotógrafos aqui mencionados utilizarem o mesmo repertório de técnicas particulares do fotojornalismo – uso da profundidade de campo, linhas de fuga, palete de cores reduzida que possibilita um jogo de luz específico, etc.sustentando assim o efeito de autoria e de coesão, é relevante notar que o clichê ocorre não somente no âmbito dos aspectos técnicos e iconográficos, operando primordialmente a nível do ideológico, na representação do sertão como falta naturalizada, retratando personagens distantes do eu ocidental e próximos à construção de um outro estranho e exótico. O cerne do debate da materialidade imagética vai além de uma abordagem ou percepção conteudística das fotografias, estando situado nos efeitos de mostrar/narrar o “pobre” e