Linguagem e educação social: a relação sujeito, indivíduo e pessoa


resumo resumo

Eni Puccinelli Orlandi



Na constituição do sujeito, em sua forma histórica, temos a articulação entre língua e história: a língua que, na perspectiva discursiva, não é vista como um sistema fechado nele mesmo, mas sujeito a falhas, inscreve-se, com suas falhas, na história produzindo os sentidos. No mesmo processo em que temos, de um lado, a constituição dos sujeitos, temos, de outro, a dos sentidos. Com efeito, sujeitos e sentidos se constituem ao mesmo tempo. Mas a maneira como o próprio sujeito se constitui, pela ideologia, e os sentidos, pela inscrição da língua na história, não é transparente, nem para os próprios sujeitos nem para a sociedade. É a isto que chamamos materialidade do sujeito e dos sentidos.

Vale reafirmarmos aqui que assim é que compreendemos o que a análise de discurso chama “assujeitamento”: para ser sujeito de, o indivíduo, afetado pelo simbólico, está sujeito à ideologia, ou seja, é interpelado pela ideologia, fazendo funcionar o imaginário[1] que na liga a nossas condições reais de existência. Se nascêssemos na Idade Média, seríamos sujeitos medievais, e não capitalistas, e teríamos outra forma histórica e outros modos de constituição (pela religião, por exemplo, e não pelo direito).

A ideologia, vista pela perspectiva discursiva, é a responsável, não pela ocultação, mas pelo efeito de evidência, produzido pela interpretação: por este efeito, “diferente” nos parece significar “diferente”, tal como interpretamos, como se fosse evidente o seu sentido. Ora, na realidade, diferente significa de um jeito em certas condições de produção, e, em outras condições, pode significar de maneira totalmente distinta. Para uma pessoa com deficiência, por exemplo, a palavra “diferente”, dita a seu respeito, pode estar significando algo que não vai significar para outra pessoa, em outras condições. Sujeitos e sentidos, constituem-se, pois, em processos complexos em que entram a ideologia, o imaginário social, o político visto como divisão do sujeito, dos sujeitos entre si. Do mesmo modo, sabemos que as relações sociais, no sistema capitalista, não só produzem a divisão como a dissimetria, a hierarquização, face ao sentido e ao modo de se significar o sujeito dependendo, assim, das condições em que são produzidos: quem produz, para quem produz, em que situação. Há simbolização das relações de poder, que administram a sociedade, e desse modo investe-se na atribuição de valores às diferenças. Tudo envolvido por formações imaginárias, relações de força, relações de sentidos e efeitos da memória discursiva, ou seja, o saber discursivo que funciona como uma rede estruturada pelo esquecimento. Saber discursivo que não é infenso ao modo como a ideologia está projetada no discurso, funcionando em um entranhado jogo de formações discursivas.

 

 


[1] São formações imaginárias, ou seja, imagens, que nos relacionam com a realidade, por exemplo: a imagem que se faz, em nossa sociedade, de uma pessoa com deficiência, imagem que se faz de um negro, imagem que se faz de uma mulher quando se trata de pedir um emprego etc.