O estigma da ameaça ao emprego pelos periféricos na periferia: crise e imigração no Brasil


resumo resumo

Patricia Villen



pelo governo de Getúlio Vargas para agir nas supostas causas do “desemprego”, do “aumento da desordem econômica” e da “insegurança social” (decreto 19.498/1930; CARNEIRO et al., 2010; GERALDO, 2007). Nesse período, além da obrigatoriedade da cota de 2/3 de brasileiros natos nos postos de trabalho[2], o recorte de classe aparecia como um critério seletivo (dos fluxos de entrada) explícito em lei, já que o estrangeiro impedido de entrar no país era aquele que vinha porque precisava trabalhar, aquele que viajava na terceira classe dos navios, não aquele que podia comprovar “posses” ou “renda” (decreto 19.482/1930). Na contracorrente do que, até então, caracterizava a história da imigração no país, impedia-se a entrada de “trabalhadores livres” – que antes vinham em grandes contingentes, seja “voluntariamente, seja pelo recrutamento, incentivo e financiamento público e privado da imigração para a formação do mercado de trabalho assalariado.

Nas décadas posteriores, a despeito de a porcentagem da população estrangeira ter sofrido uma queda significativa – de 5,11% no Censo Demográfico de 1920[3] a 0,77% naquele de 1980 (BASSANEZI, 1995) –, a mesma preocupação de “proteger” o trabalhador nacional não deixou de se fazer presente. Neste mesmo ano, a equação pretensamente neutra da imigração/qualificação-especialização vem inaugurada com a Lei 68.815/1980, o Estatuto do Estrangeiro[4]. A partir de então, o imigrante que conseguiria permissão formal para trabalhar no Brasil seria somente aquele que, comprovadamente, não “ameaçasse” o trabalhador nacional, ou seja, comprovasse ter um diferencial não encontrado no país[5].



[2] A lei dos 2/3 foi instituída pelo Decreto 19.482/1930, art. 3°: “todos os indivíduos, empresas, associações e firmas comerciais, que explorem, ou não, concessões do Governo Federal ou dos Governos Estaduais e municipais, ou que, com esses Governos contratem quaisquer fornecimentos, serviços ou obras, ficam obrigadas a demonstrar perante o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, dentro do prazo de noventa dias, contados da data de publicação do presente decreto, que ocupam, entre os seus empregados, de todas as categorias, dois terços, pelo menos, de brasileiros natos. Parágrafo único. Somente na falta de brasileiros natos e para serviços rigorosamente técnicos, a juízo do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, poderá ser alterada aquela proporção, admitindo-se, neste caso, brasileiros naturalizados, em primeiro lugar, e, depois, os estrangeiros”. É válido lembrar o que Geraldo (2007: 68) destacou: “[a] lei dos dois terços encontrou, no entanto, uma série de obstáculos a partir de sua promulgação. Logo que anunciada, a lei enfrentou a oposição tanto dos trabalhadores quanto das entidades patronais”.

[3] Ressalta-se que o Censo Demográfico não foi realizado na década de 1930, portanto, utilizou-se como parâmetro o censo de 1920.

[4] Esta lei regulamenta a entrada e a permanência de imigrantes no país até nos dias atuais (2015).

[5] O resultado histórico dessa política foi a convivência da entrada de restritos fluxos dentro do circuito legalizado da imigração por motivo de trabalho – selecionados para a inserção laboral em setores estratégicos, geralmente ligados à entrada de capitais estrangeiros no país, ou com escassez de profissionais – com um universo social muito mais amplo de fluxos provenientes de países periféricos, geralmente em condição socioeconômica vulnerável e em situação indocumentada (Villen, 2015). É válido lembrar que esse quadro não se restringe ao contexto brasileiro, mas tem uma amplitude internacional, ou seja, denota o que Dreher (2007) aponta como um padrão neoliberal da migração internacional.